Já faz algum tempo que games para celulares deixaram de ser o “jogo da cobrinha” para formarem uma indústria bilionária – em 2020, ela faturou US$ 80 bilhões no mundo, segundo a empresa de análise Newzoo. É uma disputa que envolve grandes estúdios (como a Blizzard), nomes tradicionais (como Sony, Microsoft e Nintendo), e gigantes da tecnologia, (como Google e Apple). Diante de tantos nomes de peso, a empresa criada por Steve Jobs lançou mão da peça que faltava em sua estratégia para buscar a liderança também nos jogos eletrônicos.
Na terça, 14, a Apple apresentou a geração 2021 do iPhone. À primeira vista o iPhone 13 não empolgou: com melhorias pontuais na câmera, na bateria e em outras especificações técnicas, o telefone poderia ser batizado de “12S”. Durante muitos anos, a Apple usou a nomenclatura “S” para indicar uma atualização mais simples do celular – o padrão foi abandonado entre o iPhone 11 e o iPhone 12.
Para quem joga, porém, o iPhone 13 Pro e o iPhone 13 Pro Max, os mais avançados entre os quatro modelos lançados, indicam um aceno carinhoso da Apple. Com mais armazenamento, mais potência no desempenho gráfico e melhorias na tela, o iPhone virou uma potente máquina de jogatina.
Não que os celulares da Apple não tivessem capacidade antes, mas testes preliminares em sites especializados indicam que o novo processador A15 supera os concorrentes de outras marcas. Sem citar nomes, a Apple afirma que seu chip tem processamento gráfico 30% superior aos dos rivais.
Além disso, a tela agora tem taxa de atualização de 120 Hz, algo já visto em celulares da Samsung e da Motorola. Renato Franzin, pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), explica a importância disso: experimente piscar os olhos em certo ritmo enquanto assiste à televisão. Agora, acelere as piscadelas e note como você acaba enxergando mais, já que os olhos permanecem abertos com mais frequência. “Quando você pisca mais rápido, você perde menos informação. E, ao jogar em 120 Hz, o usuário tem a oportunidade de ver o movimento gráfico reagindo com mais fluidez e dinamismo na tela”, explica.
A nova capacidade máxima de armazenamento, de até 1 TB, também responde ao consumo de espaço cada vez maior de jogos – Fantasian, do mesmo criador da franquia Final Fantasy, pode chegar a até 4 GB no celular, o equivalente a milhares de fotos em alta resolução gravadas em sua biblioteca.
A Apple não é pioneira no mundo dos smartphones para games. O movimento de fabricantes de smartphone em direção a aparelhos focados no público já ocorre há alguns anos. O Samsung Galaxy S21 Ultra, à venda no Brasil desde março, tem especificações que atendem bem os jogadores mais exigentes. Já a Motorola trouxe para o Brasil os celulares Legion, marca da chinesa Lenovo, conhecida pelos equipamentos voltados para gamers profissionais (a Lenovo é dona da Motorola desde 2014). Já a Asus anunciou que trará ao Brasil ainda em 2021 o ROG 5, um celular “monstro”: ele tem tela de 144 Hz, 18 GB de RAM e sistema de resfriamento para aguentar ao superaquecimento causado pelos jogos.
Integração
Com tantas opções no mercado, o mercado gamer é bem mais fragmentado do que a Apple gostaria – a disputa judicial com a Epic sobre o sistema de pagamentos da loja de aplicativos App Store, que terminou em vitória parcial do estúdio, mostra a força dos nomes nessa indústria. Títulos de sucesso, como Fortnite (da própria Epic) e Call of Duty: Mobile, podem ser jogados em celulares Android e em outros dispositivos.
Historicamente, esse é um cenário diferente daquele que a Apple considera ideal: integração entre software e hardware, formando um ecossistema fechado. Durante muito tempo, uma das vantagens do iPhone em relação ao Android era a quantidade e a qualidade dos aplicativos na App Store – muitos deles exclusivos. Com os jogos, isso vem se desenrolando de maneira diferente. Ter um iPhone mais potente pode ser a peça que faltava para atrair os jogadores de volta.
“O iPhone 13 funciona bem com games e se encaixa com a estratégia mais ampla da Apple. Esse telefone foi construído com a esperança de atrair mais clientes para os serviços da empresa, incluindo o Apple Arcade e outras plataformas de streaming, como música e TV”, diz ao Estadão Dan Ives, da consultoria americana Wedbush Securities.
A Apple já havia tentado uma estratégia na direção oposta: ter jogos exclusivos que poderiam ajudar na venda de dispositivos. Em 2019, a empresa anunciou o Apple Arcade, uma plataforma por assinatura que traz também jogos exclusivos. Embora tenha sido bem recebida na época do lançamento, o serviço ainda não se mostra fundamental para fãs de jogos eletrônicos. Agora, especialistas acreditam que o iPhone possa ajudar o Apple Arcade.
“Acredito que o iPhone 13 aumentará o uso do Apple Arcade em 15% no primeiro ano”, diz Ives.
Detalhe nada pequeno
Entre aquilo que imagina a Apple e os desejos dos jogadores, há um detalhe nada pequeno: o preço. O iPhone 13 Pro Max de 1 TB, modelo mais caro à venda, chegará ao Brasil por R$ 15,5 mil. É um preço bem acima dos consoles mais potentes do mercado, como o PlayStation 5 e o Xbox Series X, lançados em 2020 e vendidos hoje a R$ 4,4 mil e R$ 4,3 mil, respectivamente. Embora não seja possível fazer ligações ou tirar fotos com esses aparelhos, são plataformas de alta potência para transmitir jogos com narrativas e jogabilidade complexas.
Assim, Reinaldo Sakis, da IDC, diz que ainda é cedo para imaginar que um ‘iPhone gamer’ possa ter algum impacto significativo no mercado de games. Para isso acontecer, a tecnologia do iPhone 13 teria que aparecer em celulares de entrada. “Há esse impulso quando a tecnologia deixar de ser um nicho e começar a ser mais adotada porque está num celular mais barato”, diz ele.
Difícil imaginar a Apple tomando essa rota, mas à frente dela há um horizonte de oportunidades. “O segmento de celulares gamers ainda é muito inexplorado. Uma série de oportunidades vão surgir no futuro com o desenvolvimento desse nicho”, acredita Fernando Baialuna, diretor da consultoria GfK.