Conectividade e compartilhamento III. Novas formas de subjetivação

Por Pedro de Santi

Esta é a terceira e última parte do artigo “Conectividade e compartilhamento. Implicações para a constituição subjetiva”. As duas partes anteriores foram publicadas neste mesmo espaço (nos dias 2 e 30 de setembro). Desenvolvo este artigo a partir de três filmes de curta mensagem produzidos pela a empresa de mobile marketing Pontomobi e a agência de publicidade JWT.

Um dos vídeos do conjunto se chama “Os 7 mandamentos da convivência online” (10:55 min) e discute a necessidade de se criar regras de convívio para os novos recursos de conectividade. A onipresença dos celulares criou a ideia de que todos estejamos acessíveis (ou mais disponíveis) 24 horas por dia. A qualquer momento do dia ou da noite recebemos e-mails, sms, mensagens em aplicativos. Isto tornou-se absolutamente invasivo.

O lugar onde isto se tornou mais ostensivo foi no campo das relações de trabalho. Com um aparelho da empresa ou com nosso particular, passamos a ser tomados como sempre disponíveis. Esta é outra dimensão a mais da perda de privacidade, distinta da questão do monitoramento, como vimos na parte 1.

De acordo com o vídeo, o problema se deve à novidade destes meios. Passada a novidade, passaremos a transplantar para a rede os mesmo critérios de convívio e civilidade aplicados em outros campos. Mas aqui, eu tenderia a discordar. Na medida em que dispendemos cada vez mais tempo conectados, compartilhamos cada vez mais informações, experiências e sentimentos, isto cria de fato modos de experiência subjetiva novos.

No livro “A cultura da conectividade” (The culture of connectivity. A critical history of social media. José van Dijk. Oxford University Press, 2013) o autor é muito perspicaz em desvendar os princípios que regem a vida em redes sociais, mais especificamente, no Facebook. Toda a política do site é estimular ao máximo os mecanismos de “curtir” e “compartilhar”. A cada momento, novos avanços são feitos no sentido de dificultar a reserva e privacidade de dados. Some-se a isto o ponto da primeira parte desta discussão: temos também cada vez mais salvo nossos dados numa nuvem virtual.

Meu ponto é o seguinte: vamos incluindo nossa subjetividade nos mecanismos e fóruns da rede, despojando-nos de nosso mundo interno privado. Não só fazemos nosso currículo e movimentação bancária pela internet, mas fazemos confissões e declarações, postamos fotos de momentos íntimos familiares. Expomos nossos sentimentos como o fazíamos em diários íntimos. A internet ganha uma dimensão confessional, tendo como interlocutor não Deus, um amigo ou um analista; mas algumas centenas de “amigos”. Muitas pessoas incorporam a mentalidade de postar sua experiência a cada instante que pareça que algo de notável se deu. Se criamos a ideia de que algo só existiu de fato se estiver registrado e postado, estamos diante de uma nova condição de existência, bastante distante daquela que caracterizou o sujeito moderno ou, em termos psicanalíticos, distante da criação de uma subjetividade autônoma e privada. A individualidade interiorizada e privatizada foi criada no Renascimento e dela emergiu o sujeito moderno. Hoje, ela estaria sendo dissolvida numa rede de dependência mútua.

Não estamos levando a etiqueta antiga para a rede, e sim estamos criando uma nova etiqueta. Cria-se uma grande rede de espelhamentos e reconhecimento, nas quais deve-se curtir e compartilhar por princípio posts de determinados amigos a quem queremos agradar, ou, é claro, de pessoas de quem queremos chamar a atenção. Nossos chefes, por exemplo. Ao ingressar no Facebook há dois anos, fui instruído por um aluno: caso um post seu não seja comentado ou curtido em um prazo razoável (algo até uma hora e meia) é melhor retirar o post: posts zerados são “queima-filme” num perfil.

Assim, Lacan encontra-se com Skinner (como perdão da piada interna “psi”). Vamos nos constituindo como personalidades virtuais na medida em que determinados de nossos posts são reforçados pelo ambiente e nos situam numa bolsa de valores simbólicos através da qual temos espelhado quem somos nós. Daí a ânsia em postar fotos da balada, das manifestações, dos restaurantes, das férias, dos humores cambiantes ao longo do dia, etc. Ou posts em blogs. Ânsia seguida pelo desespero em conferir quantas pessoas viram, curtiram, comentaram, compartilharam.

Se isto fizer sentido, a tendência não seria transplantarmos nossas regras de civilidade para a rede, mas transplantar a lógica da rede para outros campos da vida.

Ao invés de construirmos um autonomia relativa- capaz de estar só, descolada do outro- estaríamos nos mantendo numa modalidade de interdependência infantil, pulverizada numa nuvem com interesses, estes sim, privados.

Os vídeos podem ser assistidos em:

http://www.proxxima.com.br/home/mobile/2013/06/06/Projeto-On-The-Go-traz-videos-que-mapeiam-o-comportamento-do-consumidor-mobile-no-Brasil?utm_source=Virtual+Target&utm_medium=email&utm_content&utm_campaign=Newsletter-Proxxima_-semanal&utm_term

Comentários estão desabilitados para essa publicação