Conectividade e Compartilhamento – Emancipação e politização renovadas

Por Pedro de Santi

Esta é a segunda parte de um artigo maior, “Conectividade e compartilhamento. Implicações para a constituição subjetiva”. A primeira parte foi publicada no dia 2 de setembro neste espaço. Desenvolvo este artigo a partir de três filmes de curta mensagem produzidos pela a empresa de mobile marketing Pontomobi e a agência de publicidade JWT.

Neste texto, remeto-me ao vídeo que se chama “Celular: super poderes para todos (7:58) e trata de algo muito interessante. Três empreendedores criam recursos inéditos de comunicação para seus pequenos negócios. O vídeo mostra um chaveiro que cria um modo de ser acessado online, uma vendedora que usa o tablet como leitor de cartão de crédito, um atendente de hotel que estuda inglês pelo telefone, etc.

Ao mesmo tempo em que uma dinâmica alienante descrita na Parte I se dá, é indubitável que o uso da internet criou recursos novos de subjetivação e cidadania. Entre outras coisas, houve uma quebra na estrutura básica da cultura de massa. Quando pensamos nela dos 50 aos 90 do século XX, temos como uma de suas principais características a verticalidade e unilateralidade. A tv, sobretudo, foi o grande instrumento disto.

Dos anos 90 para cá e mais aceleradamente nos últimos anos, a internet em casa passou a produzir uma relativa perturbação daquele processo. As mídias deixaram ser unilaterais. No limite, cada um pode produzir ou processar os dados de massa, e apropriar-se deles. Mesmo que os “criadores de conteúdo” não sejam tantos, todos passam a lidar de forma menos passiva com o processo.

Outra ilustração do potencial criativo e emancipatório da conectividade: um amigo está prestes a concluir sua tese de doutorado em antropologia e é um entusiasta da capacidade de pesquisa e acesso a livros e artigos do mundo todo instantaneamente. Ele pôde mobilizar e articular um volume de informações numa escala que provavelmente seria impossível sem estes nossos recursos atuais.

Da mesma forma, o leitor que agora lê este texto o faz a partir do site do Nota Alta ESPM ou num compartilhamento pelo Facebook feito por mim mesmo ou outro incauto.

Mas, para além dos recursos individuais, temos visto o aparecimento de usos coletivos e políticos, considere-se o uso das redes sociais no que foi chamado “primavera árabe”, nas recentes manifestações ou na difusão de informação fora dos instrumentos jornalísticos tradicionais. Jovens que jamais haviam se envolvido com questões coletivas se postaram nas ruas em manifestações grandes e provocativas. Algo de nosso narcisismo cultural das últimas décadas pode estar se quebrando. Haverá consequências efetivas? Isto poderá mudar o jogo eleitoral em 2014, com todo o seu aspecto de cartas marcadas entre velhos jogadores? O relativo fracasso das manifestações convocadas para 7 de setembro indicam um enfraquecimento do movimento?

Num dos momentos mais violentos das manifestações de junho em São Paulo, assisti da janela de minha casa um confronto entre jovens e a polícia; os jovens incendiavam latas de lixo e obstruíam a rua Augusta. Consultei sites jornalísticos e canais de tv e, naquele momento, todos afirmavam que a manifestação seguia sem confronto. Postei o que via no Facebook e, em poucos segundos um aluno me indicava um canal do Twitter pelo qual a manifestação que assistia estava sendo transmitida ao vivo pelos próprios manifestantes.

Não há jornal impresso ou televisivo capaz de estar tão colado nos acontecimentos. Aliás, houve uma tentativa recente, com um repórter usando o Google Glass numa das manifestações recentes. E ainda se anuncia que agora policiais também levarão consigo câmeras para filmar provocações ou poderem se defender de acusações de abuso. Tudo isto é muito impressionante e, penso, positivo. A difusão dos mecanismos de acesso e sua velocidade dificultam a censura ou manipulação da informação por qualquer instância de poder (governamental ou midiática).

Ao argumento do controle exercido na rede, com a eventual censura de conteúdos, contrapõe-se a dinâmica dos usuários, sempre dispostos a criar novos caminhos de expressão não tutelada. É um novo capítulo da história do conflito entre controle e liberdade.

Nesta perspectiva, de fato estaríamos vivendo uma época única, na qual nunca tantas pessoas tiveram acesso a tantas coisas (consumo, informação, possibilidade de manifestação). Esta perspectiva interessante e criativa seria capaz de produzir novas formas de cidadania e subjetivação singular,  na contramão da massificação do Big Brother.

Talvez a pulverização inicial das manifestações que se iniciaram em junho por todo o Brasil tenha a ver com isto. Manifestações disseminadas pela internet, sem liderança ou estrutura comum.  Neste momento, o frescor inicial de diluiu, sobretudo desde que determinados partidos ou causas procuraram se apropriar da movimentação. De toda a maneira, vale o sinal positivo: ninguém soube ao certo determinar o que estava acontecendo. Quem nutre o sentimento mais comum e decadentista (“este mundo está acabando e estes jovens de hoje são vazios e superficiais”, ou ainda, “não há nada de novo nisto, é só o de sempre”) mostra não ter ainda conseguido compreender o que há de potencial de criação nestes processos. Certos modos de ser estão desaparecendo e outros estão sendo traduzidos e, mesmo, criados; novas formas de subjetivação podem estar surgindo.

Concluí o texto anterior evocando a obra de Étienne de la Boétie- “Discurso da servidão voluntária”- do século XVI. O livro era um manifesto contra a tirania e tinha como título alternativo “Le Contr’un” (“Contra o um”). A difusão e a fragmentação sofrem da dificuldade de não serem propositivas, mas podem ter seu poder subversivo e criativo justamente na recusa de discursos e dispositivos unificadores.

Os vídeos podem ser assistidos em:

http://www.proxxima.com.br/home/mobile/2013/06/06/Projeto-On-The-Go-traz-videos-que-mapeiam-o-comportamento-do-consumidor-mobile-no-Brasil?utm_source=Virtual+Target&utm_medium=email&utm_content&utm_campaign=Newsletter-Proxxima_-semanal&utm_term

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