Após anos de pesquisa e centenas de milhões de dólares investidos, o Uber decidiu vender sua operação de carros autônomos. Nesta segunda-feira, a empresa anunciou que vai repassar a unidade Advanced Technologies Group (ATG) para a Aurora, uma startup do Vale do Silício. Na negociação, o Uber vai também investir US$ 400 milhões na empresa, considerada uma das mais promissoras no campo da tecnologia que, anos atrás, foi vista como a solução para o Uber se tornar uma companhia lucrativa ao eliminar os motoristas humanos.
Em outras palavras, o Uber está pagando para se livrar do projeto, que se tornou uma dor de cabeça financeira e legal para a companhia. Em troca, a empresa deve licenciar as tecnologias que a Aurora criar, terá uma participação de 26% na startup e uma cadeira em seu conselho, que será ocupada pelo presidente executivo Dara Khosrowshahi. Em comunicado, Khosrowshahi disse que estava ansioso para “ver a tecnologia da Aurora no mercado nos próximos anos”. A empresa se negou a comentar o assunto além da declaração.
Para especialistas, a desistência do Uber também é um sinal das dificuldades que outros projetos de carros autônomos devem enfrentar – a despeito de bilhões em investimentos, as frotas de carros robóticos sem motorista estão longe de ganhar as ruas, conforme se imaginou no começo da década.
Além disso, no caso do Uber, as pesquisas de carros autônomos levaram a acontecimentos trágicos – como a morte de um pedestre no Arizona e um processo da Waymo, empresa-irmã do Google, que acusou um ex-executivo da empresa de transportes de roubar propriedade intelectual. Para piorar, a pandemia do coronavírus fez o Uber sofrer com faturamento, uma vez que as ordens de distanciamento social tiraram as pessoas das ruas – em março, a empresa viu o movimento em algumas cidades cair até 80%.
Projeto teve trajetória tortusa
O projeto do Uber para criar carros sem motorista tinha uma proposta ambiciosa e, até certo ponto, óbvia: tirar os motoristas da jogada. É com eles que hoje a empresa tem seu maior nível de gastos. Se eles pudessem ser substituídos, as margens da empresa criada por Travis Kalanick seriam maiores e talvez, aí, o Uber pudesse se tornar lucrativo.
Criada em 2015, a iniciativa começou como uma parceria do Uber com a Universidade Carnegie Mellon, de Pittsburgh, com 40 funcionários. Em seu auge, a ATG chegou a ter 1,2 mil empregados. Muitos deles vieram da Otto, uma startup de caminhões autônomos fundada por Anthony Levandowski, ex-engenheiro da Waymo, comprada pelo Uber em 2016. Mas a aquisição teve gosto amargo quando a Waymo processou o Uber por roubo de tecnologia – em um caso que se arrastou por meses nos tribunais e terminou com uma multa de US$ 72 milhões e Levandowski preso por 18 meses.
Após o caso, a ATG chegou a levantar diversos investimentos de nomes como Toyota e SoftBank, mas a pesquisa do carro autônomo se tornou cada vez mais dispendiosa e complicada. Nos tempos áureos, a unidade chegou a ser avaliada em US$ 7,25 bilhões. Segundo reportou a imprensa americana, a negociação com a Aurora avaliou a ATG em US$ 4 bilhões.
Em 2018, a morte de uma pedestre no Arizona, atribuída ao motorista que acompanhava o veículo autônomo do Uber e outras falhas de segurança, jogou uma sombra sobre o projeto. Os testes foram interrompidos por meses e quando voltaram a ser feitos, seus resultados ficaram aquém das expectativas. A pandemia foi a pá de cal no desenvolvimento, quando o Uber viu sua receita cair. Os investidores passaram a pressionar Khosrowshahi para vender a unidade.
Agora, com a Aurora, esse projeto de carro autônomo ganha um novo foco. Mas ao menos inicialmente, o foco da Aurora também não será em substituir os motoristas humanos do Uber. Pelo menos é o que diz Chris Urmson, presidente executivo da startup: segundo ele, o primeiro produto da empresa será um caminhão capaz de se dirigir sozinho, e não um serviço como um táxi. Para ele, um serviço de carga tem mais chance de sucesso no curto prazo, pois a direção de um caminhão em autoestradas é mais previsível e não envolve passageiros.
“O Uber ainda vai participar do jogo, mas sem precisar participar dos gastos”, disse Elliot Katz, cofundador da startup Phantom Auto, que ajuda empresas a controlar veículos autônomos remotamente. Para a Aurora, porém, a jogada foi um bom negócio: com 600 funcionários divididos entre o Vale do Silício e Pittsburgh, a empresa vai ganhar um empurrão em suas pesquisas.