Natalia Fingermann
Coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Africano
O Núcleo de Estudos e Negócios Africanos realizou sua primeira atividade externa com uma ida ao Cinema Bela Artes para assistir ao documentário indicado ao Oscar “Trilha Sonora de um Golpe de Estado”. Lançado em 2024 e dirigido pelo cineasta belga Johan Grimonprez, o documentário inova ao delinear a trama por trás do processo de independência da República Democrática do Congo e o assassinato de Patrice Lumumba.
Por meio da edição de arquivos históricos de reuniões na Assembléia das Nações Unidas e de performances de jazz de Dizzy Gillespie, Dave Brubeck e Louis Armstrong realizadas no continente africano, o documentário evidencia como os interesses nos minérios do Congo e o contexto da Guerra Fria dificultaram a unificação do país, impactando diretamente as lideranças negras que lutavam pela independência na África e pelos direitos civis nos Estados Unidos.
As relações entre o Movimento dos Países Não-Alinhados (1955) e a luta pela descolonização africana ganham destaque em discursos proferidos na ONU por líderes como o ganense Kwame Nkrumah, o cubano Fidel Castro, o russo Nikita Khrushchev, o estadista indiano Jawaharlal Nehru e o líder egípcio Gamal Abdel Nasser, além das falas do então novo líder do Congo, Patrice Lumumba. Intercalando esses momentos históricos, o documentário também aborda as missões de jazz dos músicos norte-americanos, financiadas pelo Departamento de Estado dos EUA, que tinham o objetivo de propagar o soft power do país na região e, em alguns casos, serviam como “cortina de fumaça” para suas ações políticas.
Paralelamente ao cenário político oficial, o documentário ressalta o papel de Malcolm X, ativista dos direitos humanos e líder do movimento negro norte-americano, nos processos de descolonização da África. A aproximação entre os líderes afros descendentes dos Estados Unidos e as lideranças pan-africanistas foi essencial para impulsionar, simultaneamente, a luta pelos direitos civis nos EUA e pela independência no continente africano.
Por fim, destaca-se o papel do Secretário-Geral das Nações Unidas, Dag Hammarskjöld (1953-1961), tanto dentro da República Democrática do Congo quanto no contexto da Guerra Fria. Seu apoio direto garantiu a continuidade da exploração do urânio congolês na província de Katanga, além de facilitar o assassinato de Patrice Lumumba. Hoje, a RDC segue marcada por conflitos internos, com a atuação do grupo ruandês M23, provavelmente financiado por interesses privados externos ligados às minas de cobalto, ouro, tântalo e cobre localizadas nas províncias de Kivu do Norte e Kivu do Sul.
“Trilha Sonora de um Golpe de Estado” é, portanto, um documentário essencial para a nova geração de internacionalistas, pois ele nos convida à reflexão sobre como as Organizações Internacionais e os interesses externos das grandes potências moldaram – e ainda moldam – o destino de nações em busca por soberania e autodeterminação.