Não existe ponto final para a evolução da IA, diz Amy Webb

Amy Webb, presidente- executiva do Future Today Strategy Group (FTSG), afirmou que o Brasil tem talento e potencial, mas enfrenta desafios para se tornar um ator relevante no cenário global de inteligência artificial (IA).

“Acho que há um talento bruto fantástico no Brasil. Vocês têm pessoas brilhantes, paixão, trabalho duro. A questão é estrutural”, afirmou a futurista, em entrevista exclusiva ao Valor.

Três anos depois de tomar posse, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dado sinais de inação no tema. Acaba de desistir de publicar um decreto para oficializar o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (Pbia). A justificativa foi que a medida traria engessamento, e que agora quer aproveitar a estrutura do Comitê Interministerial para aTransformação Digital (CITDigital) para os investimentos em IA.

Webb, que já perdeu as contas de quantas vezes esteve em Austin, capital do Texas, para participar do South By Southwest (SXSW), revelou em 2025 o que considera a próxima grande mudança na tecnologia, chamada por ela de “inteligência viva”, possível através da fusão entre inteligência artificial (IA), sensores avançados e biotecnologia.

Segundo a executiva, que recebeu o Valor para uma conversa em um café de um hotel em Austin, a Inteligência Viva não apenas processa dados, mas percebe, aprende, se adapta e evolui de maneira contínua, sem necessidade de intervenção humana direta.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Por que as empresas deveriam mudar o foco que têm hoje na IA generativa para buscar a Inteligência Viva?

Amy Webb: Eu não diria para mudar o foco, mas sim para adicionar algo novo à equação. A inteligência artificial é uma tecnologia de longo prazo, então continuará a se desenvolver e evoluir. Por exemplo, daqui a dois ou três anos, provavelmente não estaremos mais falando sobre grandes modelos de linguagem. Acho que será algo que simplesmente não discutiremos mais, porque outra coisa terá surgido.

O ponto é que muitos líderes foram pegos de surpresa com a IA e agora estão correndo para acompanhar cada novidade. O problema é que todo mundo quer chegar a um ponto final, mas não há um ponto final. Isso significa que os líderes precisam adotar uma nova mentalidade: isso não é a mesma coisa que transformação digital. Uma vez que se alcança um nível, e o Brasil ainda tem muito a avançar, é preciso continuar. Não é uma corrida com linha de chegada, tem que continuar evoluindo.

Valor: Muitas das tendências descritas em seu relatório parecem depender da adoção acelerada de novas tecnologias. Quais fatores sociais, regulatórios ou econômicos poderiam desacelerar ou bloquear esse processo?

Webb: Vou te contar uma história. Eu estava em uma reunião com vários investidores na Flórida, e de repente os celulares deles começam a apitar. Um olha para o outro e diz: ‘Você viu isso sobre o DeepSeek chinês? Eles criaram um [chatbot no estilo do ChatGPT] OpenAI de graça?’ E eu respondi: ‘Eles não criaram o OpenAI, mas clonaram parte dele.’ Então, de repente, eles disseram: ‘Queremos vender nossas ações da Nvidia. O que você acha?’ E eu falei: ‘Acho que vocês deveriam se acalmar. Não vendam suas ações da Nvidia. Isso é um erro, deem um tempo.’ Mas eles estavam tão apavorados que venderam mesmo assim.

O motivo pelo qual estou contando isso é que a inflação existe, temos mudanças políticas gigantes nos Estados Unidos. Tudo isso pode desacelerar, parar ou até acelerar o desenvolvimento tecnológico. Há um fenômeno estranho acontecendo nos EUA agora, entre a administração Trump e os executivos de tecnologia. Na minha opinião, as regulamentações nos EUA podem começar a cair para tornar o desenvolvimento tecnológico mais rápido e fácil. Isso pode resultar em um avanço gigantesco, o que tem seus prós e contras.

Valor: No seu relatório, você enfatiza um futuro em que novas tecnologias, como robotização e agente de IA, tomam decisões. Tudo isso acontecendo ao mesmo tempo implica uma onda de desemprego? Como será o mercado de trabalho no futuro?

Webb: Estou um pouco preocupada com a Índia agora. A Índia funciona como um “back office” para muitas empresas no mundo, com call centers, digitalização de documentos e várias outras tarefas. A economia indiana depende desse tipo de trabalho administrativo. Mas a inteligência artificial está automatizando tudo isso. Nos Estados Unidos, não acho que a IA vá eliminar uma quantidade massiva de empregos da noite para o dia. Mas me preocupo muito com a Índia, que é uma das maiores economias do mundo e agora o país mais populoso, ultrapassando a China. Se a Índia tornar-se instável, será ruim tanto para o povo indiano quanto do ponto de vista geopolítico. E eu não sei se a Índia tem um plano para isso.

Já no Brasil, não vejo um grande impacto imediato no desemprego por conta da IA. A economia brasileira ainda se baseia em indústrias do século XX, como mineração e agricultura, que ainda não se modernizaram de verdade. O Brasil tem agora a chance de modernizar esses setores usando tecnologia. O país poderia tornar-se o epicentro agrícola do mundo reinventando a forma de produzir alimentos. Se eu fosse presidente do Brasil, investiria nisso.

Valor: Você diz também no relatório que as organizações precisam ser ágeis. Isso é algo que as autoridades brasileiras não são. Elas ainda estão tentando discutir qual tipo de lei pública criar para incentivar investimentos em IA. Como você vê o Brasil nesse cenário? Ele pode competir com os EUA ou a China?

Webb: Acho que há um talento bruto incrível no Brasil. Eu vou ao Brasil com frequência e vejo pessoas brilhantes, apaixonadas, trabalhadoras. O problema é estrutural. Vocês têm cerca de 4.000 pequenas empresas de telecomunicações. É muito difícil fazer 4.000 empresas se alinharem e caminharem na mesma direção.

Não estou dizendo que precisa haver consolidação, mas o Brasil poderia ter mais parcerias público-privadas para expandir esse ecossistema. Há muitas oportunidades ali.

Valor: Diante disso, você acha que o Brasil pode competir?

Webb: Não sem uma ação rápida, para ser honesta.

Valor: Você acha que os EUA ainda lideram essa corrida ou a China já tomou a frente?

Webb: Vou colocar desta forma: muita gente sempre viu a China como um país de “copia e cola”. Mas essa nunca foi toda a história. Os EUA, em particular, demoraram muito para enxergar a China como uma ameaça econômica, diplomática e tecnológica. Isso foi um erro que custou caro. A China está avançando muito rápido em robótica e biotecnologia. Mas há uma diferença fundamental na estrutura de competição. Nos EUA, a competição entre empresas impulsiona a inovação. Na China, o governo centralizado pode tanto impulsionar o setor ao remover barreiras quanto criar limitações por causa do controle estatal. Então, acho que a visão que muitos tinham da China estava errada.

Valor: Se você pudesse reescrever o livro “The Big Nine” hoje, qual seria o título? A OpenAI estaria nele? [o livro, publicado por Webb em 2019, aborda o impacto das “big techs” sobre a humanidade]

Webb: A OpenAI não pode existir sozinha. Ela precisa de uma empresa de infraestrutura gigante. OpenAI sem a Microsoft não existe comercialmente, existe apenas como uma ferramenta de pesquisa. O ponto do “The Big Nine” não era só falar sobre as empresas que fazem pesquisa ou criam produtos pequenos. O diferencial do Google, da Microsoft e até da IBM (que ainda é um player) é que eles têm tudo: pesquisa, parcerias com universidades, capital. Então, honestamente, eu não mudaria o título. Apenas adicionaria um capítulo explicando onde a OpenAI e a Nvidia se encaixam, mas o jogo ainda pertence às gigantes.

Valor: Pode citar uma grande previsão de outros futuristas que você acha completamente errada?

Webb: Acho que todo mundo errou feio sobre o metaverso. Nós sempre dissemos que era uma tecnologia emergente que evoluiria para outra coisa. Mas muitas pessoas achavam que, em 2025, no South by Southwest, estaríamos todos dentro do metaverso. E bem… isso claramente não aconteceu. Foi uma moda passageira, não umatendência real.

O jornalista viajou a convite do Itaú Unibanco.

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/03/12/nao-existe-ponto-final-para-a-evolucao-da-ia-diz-amy-webb.ghtml

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