Spotify encerra a era dos gastos desenfreados

Estas duas semanas estão sendo caóticas para o Spotify. Quando acordaram na segunda-feira da semana passada, milhares de funcionários da empresa de tecnologia ficaram sabendo de demissões em massa na companhia de tecnologia, que vieram acompanhadas de um comunicado cortante do executivo-chefe. No texto, Daniel Ek dizia que havia gente demais no Spotify “trabalhando por trabalhar”, e não para ter algum impacto real. 

No dia seguinte, o diretor de finanças da empresa, Paul Vogel, vendeu US$ 9 milhões em ações, ao que parecia, para aproveitar a reação positiva do mercado de ações aos cortes maciços. Dois dias depois, Ek anunciou outra bomba: Vogel estava entre os funcionários que estavam saindo da empresa. 

Em outra declaração categórica, Ek disse que o Spotify entrou “numa nova fase e que precisa de um diretor de finanças com uma combinação diferente de experiências”. (Um antigo executivo de alto escalão do Spotify descreveu os comentários sem rodeios de Ek como “bem suecos”). 

Vogel, um ex-analista do Barclays que ingressou no Spotify em 2016, não fez declarações. Sua saída está marcada para o fim de março. 

Ao longo deste ano, no total, o Spotify demitiu cerca de 2,3 mil funcionários, aproximadamente 25% da equipe. O próprio Ek admitiu que a profundidade dos cortes seria vista como uma surpresa por muitos funcionários, uma vez que as operações do Spotify, na verdade, vão muito bem. 

Antes do anúncio das demissões em 4 de dezembro, as ações do Spotify acumulavam valorização de 130% em 2023. Nos primeiros nove meses do ano, o Spotify conquistou um total líquido de impressionantes 85 milhões de usuários, dos quais 21 milhões são assinantes pagos. E o conseguiu mesmo depois de aumentar os preços em dezenas de países. 

Na guerra do streaming de vídeo, está ficando claro que a Netflix abriu grande vantagem sobre a concorrência. O Spotify está prestes a alcançar uma vitória igualmente definitiva no streaming de música. 

Apesar da popularidade, o Spotify nunca conseguiu obter lucro de forma constante. Por muito tempo, a simples desculpa era que o modelo de negócios do Spotify em si era falho. Para cada dólar que o Spotify gera em receita, transfere cerca de US$ 0,70 aos proprietários da música veiculada no aplicativo. 

O que o Spotify vinha fazendo com esses 30 centavos? Nos últimos anos, Ek havia embarcado em uma onda de contratações. Quase dobrou o número de funcionários, de uma média de 4.405, em 2019, para 8.359, em 2022, de acordo com documentos enviados às autoridades supervisoras. 

Sem contar o valor pago aos detentores dos direitos musicais, as despesas do Spotify aumentaram de 2,3 bilhões de euros, em 2020, para 3,6 bilhões de euros, em 2022. Em 2021, o Spotify captou empréstimos de US$ 1,3 bilhão, aparentemente para ajudar a pagar o aumento nos gastos. 

Os investidores ficaram por um breve período empolgados com o empenho de Ek quando ele investiu US$ 1 bilhão para fortalecer o Spotify no campo dos podcasts. Em 2022, porém, Wall Street perdeu a paciência. A receita do Spotify estava aumentando, mas os prejuízos também. As ações do Spotify caíram 66% naquele ano. 

Agora, explicitamente, o bilionário sueco deu por encerrada aquela era de gastos desenfreados. 

“Agora, nos encontramos num ambiente muito diferente. E, apesar de nossos esforços para reduzir os custos nos últimos 12 meses, nossa estrutura de custos ainda é muito grande em comparação à que precisamos ter”, disse Ek. “Temos que nos tornar incansavelmente criativos […] ficar enxuto não é apenas uma opção, mas uma necessidade.” 

Isso deverá satisfazer o mercado. O analista da Lightshed, Rich Greenfield, descreveu as demissões em massa da semana passada como “notícias tremendas”. 

Barton Crockett, um analista da Rosenblatt Securities, escreveu em nota aos investidores que o controle de custos poderia permitir uma alta explosiva dos lucros do Spotify. 

Analistas do Macquarie estimam que o enxugamento poderia reduzir os custos do Spotify em 300 milhões de euros em 2024. As ações do Spotify subiram cerca de 10% desde o anúncio dos cortes em 4 de dezembro. 

Isso é apenas um amargo consolo para as milhares de pessoas que ficaram desempregadas. No meio da enxurrada de notícias na semana passada, foi revelado que o Spotify também cancelou dois prestigiados podcasts – “Stolen” e “Heavyweight” – que o consultor especializado em conteúdo de áudio Jay Cowit comparou ao “Breaking Bad” ou à “Família Soprano” do mundo dos podcasts. 

Ao longo dos anos, o Spotify tentou várias estratégias de negócios. (Alguém se lembra do acessório para ser instalado no painel do carro conhecido como “car thing”?). 

As medidas recentes sinalizam que Ek não nutre mais tantas ambições de criar a “Família Soprano” do podcasting. Os próximos anos para o Spotify podem ser mais parecidos a um modo de piloto automático: reduzir custos, aumentar preços e, talvez, até sair de países onde perde dinheiro. 

O ardor revolucionário que marcou os primeiros dias do streaming foi substituído pela realidade de administrar uma empresa de capital aberto. Após anos resistindo aos pedidos para enxugar seus custos excessivos, parece que Ek, enfim, está dando ouvidos. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/12/15/spotify-encerra-a-era-dos-gastos-desenfreados.ghtml

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