Sem iPhone novo, Apple lança linha de acessórios

As apresentações mais memoráveis da Apple sempre acabavam com “mais uma coisa” – “slogan” famoso de Steve Jobs para a revelação-surpresa de um produto. Neste ano, no entanto, o evento de lançamentos da empresa, marcado para amanhã, terá uma coisa a menos. 

Pela primeira vez em quase dez anos, o tradicional evento de setembro da Apple não contará com o produto mais famoso e lucrativo da empresa, após o lançamento do iPhone 5G ter sido adiado para outubro devido à desestabilização da cadeia de suprimentos gerada pelo coronavírus. 

Em vez disso, amanhã, a empresa mostrará uma linha de acessórios e outros equipamentos “inteligentes”, inclusive a sexta versão do Apple Watch, um novo iPad Air, e um rastreador de coisas perdidas que, ao que tudo indica, terá o nome de AirTags. “O oxigênio obtido por esses produtos será sem precedentes”, disse Ben Wood, analista da CCS Insight. “Eles serão a coisa em si, em vez de se limitar a ser ‘mais uma coisa’.” 

A ausência do iPhone 12 criou uma oportunidade para a Apple demonstrar para o público o que Wall Street já reconheceu – que a empresa migrou de sua dependência do smartphone para uma carteira cada vez mais diversificada de produtos. 

No ano fiscal que se encerra neste mês prevê-se que a Apple exibirá uma receita de US$ 274 bilhões e US$ 57 bilhões em lucros – altas de apenas 17% e 7%, respectivamente, em relação à receita de US$ 234 bilhões e aos lucros líquidos de US$ 53,3 bilhões contabilizados pela empresa em 2015. Embora o crescimento pareça baixo, nesse período as ações da Apple quadruplicaram para um valor de mercado superior a US$ 2 trilhões. 

Com as vendas do iPhone deixando de ser a força motriz de outrora para a empresa, outras áreas vêm se tornando cada vez mais importantes para os negócios. 

Nos últimos cinco anos, a receita do iPhone caiu 16%. A porcentagem em relação à receita total da empresa passou de 63% para 44% no trimestre passado. As divisões de acessórios e produtos tecnológicos vestíveis, por sua vez, decolaram, empurradas pelo sucesso do Apple Watch e dos AirPods, com crescimento de 144% na receita, para US$ 6,45 bilhões. A receita da unidade do iPad cresceu 45%, também para US$ 6,45 bilhões. A da unidade de serviços aumentou 162%, para US$ 13,2 bilhões. 

O evento desta terça-feira é uma oportunidade para a Apple colocar em evidência as diversas formas que encontrou para impulsionar seu crescimento a partir dos quase 1 bilhão de usuários de iPhone, fazendo com que não saiam de seu “jardim murado” e comprem produtos relacionados que a ajudem a dar sustentação ao lucro e à receita em anos sem grandes vendas de iPhones. 

Para cada cem iPhones vendidos, a Apple vende 49 pares de AirPods e 14 Apple Watches, segundo estimativa da firma de análises e consultoria Canalys. Em constraste, para cada cem unidades vendidas dos telefones Galaxy S, a Samsung vende 34 Galaxy Buds e 14 relógios inteligentes. 

Os aparelhos da Apple normalmente são vendidos com uma margem de lucro maior. Por exemplo, a Samsung vende os Galaxy Buds por US$ 85 e, na versão Plus, por US$ 140. Os AirPods custam US$ 134 e, na versão Pro, US$ 229. 

A Apple ficou com 40% do mercado mundial de relógios inteligentes no segundo trimestre deste ano, o dobro do rival mais próximo, a Huawei, segundo a Canalys. 

Uma novidade para a divisão de serviços da Apple seria uma assinatura única incluindo, música, vídeos, jogos e notícias, entre outros conteúdos, que, segundo rumores, receberia o nome de “Apple One”. 

Os mais otimistas acham que o crescimento dessas outras divisões apenas está começando. Gene Munster, da firma de capital de risco Loup Ventures, estima que apenas 9% dos usuários de iPhone atualmente têm um Apple Watch (cerca de 100 milhões de pessoas), mas ele projeta que isso poderia chegar a 50% nos próximos dez anos, o que implicaria a venda de 50 milhões de unidades por ano. 

Na categoria de fones de ouvido “realmente sem fio”, a Apple ficou com 38% do mercado no segundo trimestre, quatro vezes mais do que a concorrente mais próxima, a Xiaomi. Jason Low, analista da Canalys, diz que a Apple pode manter o crescimento das vendas, uma vez que está apenas começando agora com sua investida no “áudio espacial”, uma forma de oferecer um som “surround” imersivo por meio de sensores nos AirPods.

Ele disse que os fones de ouvido da Apple em breve devem poder ter acesso ao processador do iPhone, com o que ganharia novas funções e teria uma vantagem na integração dos aparelhos que rivais tradicionais como a Bose não teriam condições de igualar. 

“Ter o acesso direto do smartphone cria essa vantagem e a oportunidade de uma integração mais fluída para a primeira parte, e isso é uma enorme barreira para marcas de terceiros.” 

O atraso do iPhone 12, ainda assim, poderia afetar as vendas das atualizações do Apple Watch, iPad Air e outros aparelhos com previsão de lançamento, segundo Bajarin, da Creative Strategies. 

“Fico preocupado com o adiamento das vendas porque as pessoas estão esperando para ver o que virá com o novo iPhone.” 

Por outro lado, com uma janela de vendas truncada nas festas de fim de ano e a pandemia complicando os fretes e o varejo, a Apple ainda pode correr o risco de não conseguir atingir as previsões de venda de Wall Street para o trimestre de dezembro, disse Bajarin. 

“Vendas adiadas não são vendas perdidas, então isso seria simplesmente empurrado para o primeiro trimestre do próximo ano”, disse. “Mas, historicamente, o trimestre dos feriados de fim de ano é um grande trimestre em receitas e um grande trimestre para o iPhone. Isso está em risco.”

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/09/14/sem-iphone-novo-apple-lanca-linha-de-acessorios.ghtml

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