Sally Buzbee vai assumir o ‘The Washington Post’

Quase uma década após Jeff Bezos, fundador da Amazon, adquirir e digitalizar o modelo de negócios do “The Washington Post”, o jornal americano anunciou ontem Sally Buzbee como a nova editora-executiva. O movimento é significativo sob vários ângulos. Sally, até então editora-executiva da agência de notícias Associated Press (AP), é a primeira mulher a ocupar o comando do jornal em 143 anos. 

Com experiência no Oriente Médio, liderando a cobertura de guerra em vários países, e na Casa Branca, comandando cobertura das eleições, Sally chega em um momento no qual o “The Post” expande operações no exterior, abrindo redações em Londres e Seul, planejando escritórios de Sydney a Bogotá. Chega também para chefiar mil funcionários a partir de junho, com a árdua missão de suceder Martin Baron, que guiou o jornal a dez prêmios Pulitzer, executou as mudanças empreendidas por Bezos em tecnologia, jornalismo de dados e coleta de notícias e alcançou os atuais 3 milhões de assinantes digitais – o triplo que tinha em 2016. 

No meio da pandemia e diante da crise de longa data nos modelos de negócios dos jornais em todo o mundo, o “The Post” cresceu em receita e, em janeiro, seus jornalistas receberam bônus. Mas Baron, que anunciou sua aposentadoria, também enfrentou divergências internas a respeito de como lidar com a diversidade e questões étnico-raciais, segundo análise de Paul Farhi, repórter de mídia do “The Post”. 

Da mesma forma que empresas, nos Estados Unidos ou no Brasil, se viram confrontadas em discutir maior diversidade – principalmente étnico-racial – em seus quadros na pandemia, e diante dos protestos que emergiram com o assassinato de George Floyd, a indústria do jornalismo se viu questionada pelos próprios funcionários. 

Manifestações nas redes sociais questionaram a capacidade de cobertura executada por redações pouco diversas. Repórteres do “Los Angeles Times” se reuniram em torno do #BlackatLAT, em junho de 2020, para chamar atenção para a baixa representatividade, tratamento e retenção de repórteres negros em uma cidade que é 11% negra, lembra análise do Nieman Lab. 

Parece que ouviram o recado. No início de maio, o “Los Angeles Times” anunciou o jornalista negro Kevin Merida como seu principal editor, encerrando uma busca de cinco meses por um nome capaz de empreender a transformação digital e liderar 500 pessoas. Merida, aliás, era um dos candidatos que os repórteres do “The Post” aventavam para suceder Baron, lembra Farhi. Mas Sally passou à frente em uma disputa sigilosa, que contou com entrevistas com o próprio Bezos. O “The Post” já teve diversas editoras-chefes mulheres, mas nunca no principal posto de liderança. 

“Que longa jornada de Katharine Grahan a Sally Buzbee”, lembrou Jason Ukman, ex- editor do jornal, no Twitter. Da família dona do jornal, Katharine assumiu o posto de CEO após a morte do marido e foi a lendária publisher que mudou o curso do jornalismo americano e desafiou o governo do país ao publicar os documentos do Pentágono e a história de Watergate. Nos cinemas, foi interpretada por Meryl Streep em “The Post”. 

Mas se até os anos 90, havia poucas referências de liderança feminina para Katharine se inspirar, Sally assume o mesmo jornal agora sem ser a única ao lado de editores engravatados. A liderança feminina vem crescendo nas redações estrangeiras nos últimos anos: “CBS News”, “ABC News”, “NPR”, “Reuters”, “Financial Times”, “The Guardian” e “The Economist” são chefiados por mulheres – brancas ou negras. 

No Twitter, jornalistas estrangeiros celebraram a chegada de Sally e repórteres da AP, lamentando perdê-la, elencaram algumas de suas qualificações: integridade, empatia, capacidade de gestão e de chefiar grandes coberturas. Julia Pace, que chefia a redação da “AP” em Washington também afirmou que Sally foi uma referência a todas as jornalistas ao levar os filhos para reuniões na redação, compartilhar histórias sobre eles e mostrar como conciliar maternidade e trabalho. 

Na reportagem sobre a nomeação, o “The New York Times” aponta falas de Sally, indicando que ela se preocupa em fazer da diversidade na redação uma de suas bandeiras de gestão, já que o “jornalismo reflete experiências e formações pessoais”. Também indicou que ela acredita que Bezos zela pela importância de manter a redação atuando de forma independente. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/05/12/sally-buzbee-vai-assumir-o-the-washington-post.ghtml

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