Queda da migração ameaça a economia de países ricos

Países que resistiram bem à pandemia estão diante de um entrave econômico prolongado por causa do colapso mundial da migração de mão de obra qualificada, que prejudicará o crescimento de sua população em idade economicamente ativa, alertam economistas. 

A crise decorrente da covid-19 encerrou uma década de crescimento constante dos fluxos de migrantes em todo o mundo, segundo dados coletados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Embora poucos países tenham publicado dados finais de 2020, Jean-Christophe Dumont, que dirige a pesquisa sobre migração na OCDE, disse que a queda anual nos fluxos de entrada de migrantes dos países ricos variou de 30% a 70%, chegando a 80% na Austrália e na Nova Zelândia, que fecharam suas fronteiras quase totalmente. 

Segundo Dumont, como muitos países endureceram controles de fronteira, a migração em 2021 ficará “longe do normal” e “pode ser semelhante à de 2020, se as coisas não melhorarem rapidamente”. 

Os migrantes sofrem as consequências, dos trabalhadores impedidos de começar em seus empregos e famílias separadas até estudantes obrigados a adiar cursos e refugiados parados em campos. 

Também haverá efeitos persistentes para países que nos últimos anos contaram com o fluxo constante de recém-chegados para preencher vagas de emprego, sustentar o crescimento da força de trabalho, impulsionar o setor de educação e compensar a carga fiscal do envelhecimento populacional. 

Por exemplo, na Austrália e Nova Zelândia, o crescimento do PIB foi puxado uma população em expansão, em boa parte devido a níveis altos de migração líquida (imigrantes menos emigrantes). 

Mas mesmo que a migração líquida volte aos níveis anteriores à pandemia até 2024, as populações em idade economicamente ativa dos dois países serão, respectivamente, 2% e 2,8% menores no médio prazo, segundo o FMI. Isso equivale a uma perda potencial do PIB de entre 1,2% e 1,7%. 

Marcel Thieliant, da Capital Economics, disse que a queda da migração é razão pela qual a economia da Austrália não deve voltar ao curso de antes da pandemia. 

Philip Lowe, presidente do Reserve Bank (o BC australiano), disse recentemente que a expansão populacional moldou a economia do país, ao impulsionar o crescimento do PIB, compensar o envelhecimento da população, estimular o setor de educação e os setores de construção e infraestrutura. 

Mas em 2020-21, o crescimento populacional será o menor desde 1916, “quando muitos australianos deixaram o país para lutar na Primeira Guerra Mundial”. “Se o crescimento populacional for mais lento no mundo pós-covid, a trajetória de nossa economia também será diferente”, disse Lowe. 

Já o Canadá – que há muito tem uma política de buscar o crescimento populacional – elevou sua meta de migração líquida. Seu objetivo anterior era trazer 1 milhão de pessoas para o país entre 2020 e 2022. Agora, para responder à escassez, o governo quer trazer 400 mil novos residentes permanentes por ano pelos próximos três anos – o que seria o maior nível de migração líquida de sua história. 

Outros governos não veem a queda na migração como um problema imediato, pois os níveis gerais de desemprego têm aumentado na maioria dos países. Uma exceção são as áreas essenciais, como serviços de saúde e agricultura. No ano passado, alguns países importaram trabalhadores sazonais mesmo durante as quarentenas. 

“No curto e médio prazo, pode ser bom que menos pessoas estejam vindo agora”, disse Madeleine Sumption, membro do Comitê Consultivo sobre Migração, que assessora o governo do Reino Unido. Segundo ela, imigrantes que chegam durante recessões têm maior probabilidade de competir diretamente com os trabalhadores locais e ter dificuldade para se estabelecerem no mercado de trabalho. 

Mas uma queda persistente na mobilidade entre fronteiras pode prejudicar os países onde a migração compensou as pressões fiscais do envelhecimento populacional. 

Sem a migração, a taxa de declínio da população da Alemanha era de cerca de 150 mil pessoas por ano antes da pandemia, enquanto a população da Itália caia mais de 200 mil por ano. A combinação de baixa migração, maior mortalidade e menos nascimentos devido à pandemia significa que a população alemã caiu em 2020 pela primeira vez em uma década. 

“Se tivermos alguns anos de migração líquida muito limitada… não conseguiremos recuperar esses números”, disse Dumont. 

É provável que a migração internacional aumente quando as fronteiras forem reabertas, mas os economistas não esperam que ela alcance os níveis anteriores à pandemia por algum tempo. Empregadores ainda não estão contratando, estudantes podem preferir não se matricular-se em cursos neste ano e os migrantes atuais podem adiar os planos de trazer parentes. 

A pandemia fez governos perceberem o valor da migração de trabalhadores pouco qualificados em setores como assistência, transporte e abastecimento de alimentos. “Alguns grupos de migrantes são ainda mais importantes do que antes”, disse Carlos Vargas-Silva, professor de estudos sobre migração na Universidade de Oxford. 

Mas ele diz que as quarentenas aceleraram a automação e a tecnologia pode reduzir a demanda por mão de obra pouco qualificada. 

Já a demanda por migrantes qualificados pode cair drasticamente. Empresas multinacionais veem menos necessidade de enviar funcionários para trabalhos de curto prazo que podem ser realizados por videoconferência ou de pagar pela transferência, já que o o trabalho remoto tornou mais fácil a contratação transfronteiriça. 

Uma mudança de longo prazo desse tipo poderia reduzir a população economicamente ativa – e, portanto, a base tributária – de alguns países desenvolvidos, diz Vargas-Silva. Mas também pode abrir oportunidades para trabalhadores qualificados de países em desenvolvimento, que antes tinham de migrar para seguir carreira. 

Assim, o trabalho remoto pode tornar menos provável a escassez de mão de obra nos países desenvolvidos, ao mesmo tempo em que atenua a fuga de cérebros do mundo em desenvolvimento. “Nem tudo é negativo”, disse Vargas-Silva. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/02/10/queda-da-migracao-ameaca-a-economia-de-paises-ricos.ghtml

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