Precificação efetiva do carbono é cada vez mais urgente

As mudanças climáticas, com suas temperaturas malucas, a devastação de colheitas e a migração forçada, vêm impondo custos cada vez maiores. Com grande atraso, governos, empresas e investidores tentam descobrir como impor um custo monetário proporcional sobre os responsáveis. 

Mais do que nunca, isso torna a tarefa de aferir um preço às emissões de carbono uma das questões financeiras mais importantes que o mundo precisa solucionar. O valor é essencial pois cria incentivos para a descarbonização, ao agregar os custos gerados pela emissão de gases de efeito estufa ao preço de mercadorias e serviços. 

O nível previsto para os preços do carbono está subindo. A gigante BP trabalha com um preço do carbono de US$ 100 por tonelada de CO2 em 2030. Calcula que é o patamar necessário para que ocorra uma queda rápida e prolongada nas emissões de carbono. Os bancos centrais agora estão dizendo para outras empresas fazerem o mesmo tipo de análise. O Banco da Inglaterra (o BC britânico) avaliará em junho como bancos e seguradoras se sairiam nesse quesito. Outras agências reguladoras na Ásia e Europa planejam testes de estresse diante dos custos climáticos. 

O valor de US$ 100 seria mais do que o quádruplo do valor médio usado internamente por empresas que usam o preço do carbono para gerenciar riscos e reduzir as emissões, segundo a organização sem fins lucrativos CDP. É ainda dez vezes maior do que a média global em 2019 das iniciativas governamentais de definição de preço. 

A possibilidade de que os preços do carbono cheguem a US$ 100 em 2030 está longe de ser irreal. Em janeiro, o Banco da Inglaterra citou o preço como plausível se os esforços para limitar o aumento médio da temperatura a 2°C acima dos níveis pré- industriais prosseguissem sem solavancos. O preço pode até subir mais, se a transição for repentina, diz o BC britânico. 

Um preço de US$ 100 energizaria os investimentos em tecnologias de baixa emissão, mas também desestabilizaria empresas que não consigam se adaptar ou garantir apoio governamental. Cerca de US$ 2,1 trilhões do valor de mercado das mil maiores empresas de capital aberto no mundo, ou 3,7% do total, podem sumir do mapa, segundo cálculo feito pela consultoria Planetrics, da Vivid Economics, para a coluna Lex, do “Financial Times”. 

As cem empresas menos resistentes perderiam pouco menos da metade de seu valor de mercado. As 100 de melhor desempenho teriam valorização de 28%. 

Em vista do que está em jogo, dependendo do preço do carbono que se usa e de como ele é usado, há uma série de dúvidas que precisam ser resolvidas. Qual é a melhor maneira de se chegar a uma boa estimativa para o preço do carbono? Como os governos devem proceder para implementar um preço? Qual será o impacto na competitividade? E que empresas e setores deverão ser as mais afetadas? 

Como os preços são definidos? As autoridades econômicas têm duas maneiras de pensar o preço. A primeira considera o preço do carbono necessário para induzir mudanças de comportamento – particularmente as que balizam investimentos em tecnologia – suficientes para o cumprimento das promessas feitas no Acordo de Paris, de 2015, sobre o clima, isto é, manter o aumento da temperatura média mundial bem abaixo de 2°C. Uma comissão financiada pelo Banco Mundial em 2017, sob a presidência dos economistas Joseph Stiglitz e Nicholas Stern, filtrou evidências de vários modelos e concluiu que, para atingir a meta, o preço do carbono precisaria chegar a US$ 100 por tonelada em 2030. 

Tais abordagens são incertas por natureza. Nem os mais otimistas previam uma queda de mais de 30% no custo da energia eólica em 2019, para um nível em que ela 

dificilmente precisará de subsídios. A abordagem alternativa, estimar um valor monetário aos danos ambientais futuros, não é menos sensível às suposições usadas. 

Isso ficou evidenciado quando o governo de Donald Trump revisou para baixo o custo estimado para a sociedade da emissão de dióxido de carbono no ar. A mudança foi usada para justificar a rejeição às restrições impostas ao setor energético na era Obama. Uma diferença é que o governo Trump apenas considerou os danos climáticos domésticos. Isso resultou num custo social do carbono sete vezes menor do que a estimativa anterior, baseada no impacto mundial. 

Se todos os países adotassem o critério mais estreito, só um décimo do custo dos danos climáticos futuros estaria refletido nos preços do carbono, segundo Kate Ricke, da Universidade da Califórnia (San Diego) e colegas. Os grandes emissores não são necessariamente os mais vulneráveis a mudanças climáticas, com alguns países frios, por exemplo, ganhando o benefício de temperaturas mais quentes. 

Também é importante a taxa de desconto usada para converter os custos futuros dos danos climáticos em valor presente. 

As projeções de taxas de juros de longo prazo caíram, o que provavelmente levará o governo do presidente Joe Biden a usar uma taxa mais baixa, dando um peso maior aos custos futuros em valores de hoje. Essa questão será examinada por um grupo de trabalho reestabelecido por um dos primeiros decretos do presidente. Mudar de uma taxa de desconto de 3% para uma de 2% elevaria o “custo social do carbono” (valor líquido presente do impacto de emitir uma tonelada adicional de carbono) de US$ 53 para US$ 125 em 2021, diz Richard Newell, presidente do Resources for the Future, especializado em economia ambiental. 

O número resultante será usado pelo governo Biden para definir as diretrizes sobre o uso de combustíveis e a regulamentação das usinas de energia, exemplos de precificação do carbono em seu sentido mais amplo. Também será relevante para um esquema de tributação ou de comercialização de licenças de emissões de gases, caso um seja adotado, ainda que a taxa provavelmente será muito menor. 

Ganhar a aprovação do Congresso dos EUA para um esquema tributário ou de compra e venda de licenças de carbono será um desafio, embora algumas empresas estejam começando a aceitar ideia. A Business Roundtable, entidade que representa mais de 200 grandes empresas americanas, jogou seu poder de influência nessa sugestão em setembro. A Câmara de Comércio americana anunciou uma mudança similar em janeiro. 

Implementando o preço do carbono. Cerca de 20% das emissões mundiais estão hoje cobertas por impostos sobre o carbono ou por esquemas de compra e venda de licenças de emissão de carbono. 

Um esquema nacional de comercialização de licenças de emissões para o setor de energia da China, a ser lançado neste ano, será o maior do mundo. Superará o da União Europeia (UE), embora esta use um preço muito maior para o carbono, que está sendo ampliado para incluir o setor marítimo. 

As empresas muitas vezes preferem esquemas de compra e venda aos de impostos. Argumentam que as licenças representam direitos de propriedade definidos legalmente, o que dá uma base sólida para decisões de investimentos. 

Mas os políticos frequentemente cedem a pressões para emitir licenças em excesso, reduzindo o impacto desses esquemas. Os mais críticos também não gostam da complexidade administrativa e da incerteza sobre preços. Os preços do carbono no esquema da UE colapsaram após a crise financeira, embora tenham se recuperado e atingido o recorde de € 38 por tonelada na semana passada. 

De forma correspondente, os tributos impõem diretamente um preço sobre o carbono, mas não garantem o nível de emissões resultante. A principal desvantagem desses impostos, normalmente aplicados sobre os setores de energia e transportes, é que os políticos, sujeitos a grandes pressões, algumas vezes cedem. Isso dificulta o planejamento das empresas. A reversão em 2014 do imposto de carbono da Austrália, após uma campanha eleitoral marcada por promessas de redução tributária, é um exemplo. Mais recentemente, na França, os protestos dos “gilets jaunes” (coletes amarelos) forçaram o governo de Emmanuel Macron a cancelar planos de subir os impostos sobre os combustíveis. O aumento fora anunciado como uma política ambiental, mas foi vista como uma forma de abocanhar mais arrecadação. 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que as contas de eletricidade domésticas subiriam em média 43% ao longo dos próximos dez anos se o carbono fosse tributado apropriadamente. Os aumentos seriam maiores nos países mais dependentes do carvão. Isso poderia gerar reações contrárias em alguns países. 

Uma forma de reduzir a oposição seria reciclar a arrecadação com impostos sobre o carbono ou a venda das licenças de emissões na forma de benefícios ou cortes tributários. Esse conceito de “dividendos de carbono” tem atraído apoio dos dois maiores partidos nos EUA, inclusive da secretária do Tesouro, Janet Yellen. 

Mas, até agora, os governos canalizaram a maior parte dos fundos que arrecadaram com esquemas de impostos ou de compra e venda de licenças para o orçamento público ou em projetos ambientais. Em 2019, pouco mais de 10% dos US$ 45 bilhões arrecadados com impostos e esquemas de licenças foram direcionados a cortes tributários ou transferências diretas, segundo o Banco Mundial. 

O impacto sobre a competitividade. O impacto do alto preço do carbono sobre a competitividade das empresas é um grande obstáculo. Empresas intensivas em emissão de carbono, como siderúrgicas, poderiam ficar em desvantagem se suas tarifas locais de carbono forem maiores que as dos concorrentes estrangeiros. 

A ArcelorMittal pretende cortar suas emissões na Europa em 30% até 2030, sobre os níveis de 2018. Mesmo assim, seus custos europeus com o carbono poderão chegar perto de US$ 6 bilhões, ou mais do que o seu lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) global de 2019, se ela for submetida ao preço do carbono a US$ 100. Se concorrentes estrangeiros ficarem isentos, o preço será um subsídio às exportações, encorajando a transferência de produção para outros países. 

A UE defende a ideia de uma tributação fronteiriça do carbono ou outro mecanismo de “ajuste de fronteira” do carbono para criar “igualdades de condições ecológicas” enquanto aumenta o preço interno do carbono. “É uma questão de sobrevivência do 

nosso setor industrial”, disse em janeiro Frans Timmermans, encarregado da Comissão Europeia para as questões climáticas. A UE espera definir uma posição comum com Biden, que já disse que vai impor tarifas de carbono ou cotas sobre produtos de países que não cumprirem com suas obrigações climáticas. 

Alguns membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) já manifestaram suspeitas de que a UE tem motivos protecionistas. Bloquear as exportações de setores intensivos em carbono de países em desenvolvimento é algo que poderá desencadear protestos, uma vez que eles estão sujeitos a contenções menos rígidas nas emissões, sob o Acordo de Paris. 

Até mesmo um imposto de fronteira bem menor que o europeu seria algo polêmico. Se, por exemplo, o carbono embutido nas exportações da China para a UE for precificado em US$ 35 a tonelada, isso implicaria numa tarifa de cerca de 3%, segundo cálculo da coluna Lex, usando dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso, a grosso modo, dobraria tarifas médias sobre bens não industriais. 

Desequilíbrios setoriais. Descarbonizar as economias pode trazer benefícios igualitários, mas o impacto financeiro não será distribuído igualmente. Alguns setores, como os que dependem muito de energia, arcarão com custos maiores do que outros. 

Na Europa, as empresas vêm informando sobre suas emissões de dióxido de carbono há algum tempo. Em algum momento, serão forçadas a reconhecer o custo das emissões, que poderão ser grandes para setores responsáveis por mais emissões, como aço, serviços públicos (água, eletricidade e transportes), cimento e energia. 

Com base nas emissões informadas, pode-se fazer uma estimativa decente do custo do carbono para empresas específicas. Isso permite o cálculo da potencial despesa (passivo) das emissões para os setores. Levando-se em conta as emissões das 29 maiores companhias europeias de setores relevantes, tem-se uma indicação do que está por vir. Suas emissões diretas e indiretas totalizaram 965 megatoneladas (mt) em 2019. A US$ 100 a tonelada, isso equivale a US$ 96 bilhões, ou 45% do Ebitda de 2019. 

Nesses setores, siderúrgicas como ArcelorMittal e empresas de energia, como a RWE, da Alemanha, são as que têm mais a perder. Em termos de intensidade de CO2 por tonelada de produção, a Anglo American é uma das maiores entre os grupos de siderurgia e mineração, com 7,7 megatoneladas de CO2, segundo o Deutsche Bank. Entre as mineradoras, a Glencore possui a maior pegada de emissões diretas e indiretas, avaliada em um quarto do seu Ebitda de 2019. 

Esses números dão uma ideia do que esperar – e parte disso os investidores já precificaram. Outros setores merecem ser considerados, como refino de petróleo, químico e papel. Eles usam muita energia e terão grandes obrigações com o carbono a US$ 100 a tonelada. Mas seus custos diretos não deverão ser proporcionalmente tão altos quanto os das siderúrgicas. As 19,4 mt de CO2 da BASF equivalem a um quinto do Ebitda da empresa. 

Mas a crise do clima não pode ser resolvida sem uma precificação efetiva do carbono. Se os governos demorarem, isso poderá resultar em preços maiores no futuro. Fazer empresas arcarem com o custo total de suas emissões é algo que terá um grande impacto sobre seu valor no longo prazo. Se as empresas e os investidores não computarem as emissões em seus cálculos financeiros, eles estarão voando às cegas. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/02/09/precificacao-efetiva-do-carbono-e-cada-vez-mais-urgente.ghtml

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