O Qatar tomou a decisão inesperada de sair da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) depois de 57 anos como membro, declarando que é uma tentativa apolítica de voltar a se concentrar na expansão de suas exportações de gás natural.
Mas a saída alimentou suspeitas de que o governo do Qatar está tentando irritar a Arábia Saudita, sua rival regional, e agradar o presidente dos EUA, Donald Trump.
Saad al-Kaabi, ministro de Energia do Qatar, disse que a decisão permitirá “concentrar esforços” na produção de gás. Mas ela provocou abalos, fazendo do Qatar o primeiro país do Oriente Médio a deixar o grupo de exportadores e dividindo ainda mais o bloco mais poderoso da Opep, o dos países do Golfo.
Mais tarde, o xeque Hamad bin Jassim Al Thani, ex-primeiro-ministro do Qatar, entrou no debate, criticando a Opep e, por extensão, os governantes sauditas, que têm dominado o cartel há décadas. “Esta organização se tornou inútil e não nos acrescenta nada”, disse no Tweeter. “Ela só está sendo usada para propósitos destinados a ferir nosso interesse nacional.”
Sua intervenção reforçou a opinião de analistas de que a saída do Qatar é uma reação ao embargo diplomático e econômico imposto em 2017 pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos – bloqueio que empurrou o país para os braços da Turquia e do Irã.
O objetivo do embargo era punir o Qatar por sua política externa independente, que a Arábia Saudita e os Emirados consideram ter sido arquitetada pelo xeque Hamad, e pelas acusações de que o país apoiava o terrorismo – o que o Qatar nega veementemente. Os sauditas também se irritaram com os aparentes esforços do Qatar para promover movimentos políticos islamistas no Oriente Médio por meio de sua rede de TV Al Jazeera.
“O longo boicote político e econômico liderado pelos sauditas contra o Qatar deve ter desempenhado um papel na decisão”, disse Ashley Kelty, analista no Cantor Fitzgerald Europe. “A saída do Qatar é indicativa de uma insatisfação crescente entre os países da Opep com a liderança saudita.”
Deixar um cartel que historicamente recebe críticas regulares do Ocidente também é um hábil aceno aos EUA, onde Trump tem sido volúvel em pressionar a Opep para manter o preço do petróleo baixo.
“O preço do petróleo ficando mais baixo. Ótimo! É como um grande Corte de Impostos para os EUA e o Mundo. Aproveitem!”, tuitou o presidente no mês passado.
Depois do apoio inicial de Trump ao embargo saudita, nos últimos meses os EUA aumentaram seus esforços para superar a divisão no Golfo, que dividiu aliados dos EUA na região enquanto Washington procura conter o Irã.
Diplomatas têm dito que as potências ocidentais tentariam usar mais influência sobre a Arábia Saudita na sequência do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi para acabar com a disputa dos sauditas com o Qatar.
Poucos analistas veem a saída do Qatar como um grande problema para a Opep, que realizará uma reunião ministerial no fim desta semana, em Viena, para definir as políticas para o petróleo em 2019.
O Qatar, que só produz cerca de 600 mil barris de petróleo por dia, tem um peso marginal no cartel, onde membros – que vão dos páises do Golfo Pérsico à socialista venezuela – tentam superar ideologias políticas divergentes para chegar a um acordo sobre a produção de petróleo.
“Não tem nenhum significado para a operação ou a eficiência da Opep como organização”, disse Paul Horsnell, que dirige a área de pesquisa de commodities do banco Standard Chartered.
O Conselho de Cooperação do Golfo, tido como o único bloco comercial funcional do mundo árabe, já tinha sido posto na UTI pelo embargo dos sauditas ao Qatar.
Por vários anos, Arábia Saudita, Kuait, Emirados e Qatar, todos membros do conselho, se reuniam para se acertar antes que todos os membros da Opep – incluindo o Irã, rival regional – discutissem qualquer mudança na produção. Desde o embargo, porém, o Qatar foi barrado dessas discussões.
Nos últimos dois anos, a Arábia Saudita se concentrou na sua relação com a Rússia e, cada vez mais, com os EUA, pondo em dúvida a importância da Opep. “[A saída do Qatar] pode não parecer grande coisa”, disse um analista da área de petróleo. “Mas é simbólica e foram os próprios sauditas que fizeram isso a si mesmos.”
O Qatar gastou bilhões para proteger sua economia do impacto do embargo, ao mesmo tempo em que se prepara para sediar a Copa do Mundo de futebol em 2022, minando as tentativas de controlar o país rebelde.
A abertura de novas rotas de comércio para “superar o bloqueio” se fortaleceu com a expansão das exportações de GNL, de 77 milhões de toneladas para 110 milhões ao ano, integrando ainda mais o Qatar s à economia global.
O Qatar tem trabalhado com outros países, incluindo a Rússia, para criar um fórum de exportadores de gás, com sede em Doha, apelidado de “Opep do gás”. “Está claro que o Qatar acha que não haverá progresso concreto e preferiu se afastar mais da esfera de influência saudita”, disse Jason Tuvey, da Capital Economics.
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