Parlamento obriga governo a publicar documento de ‘brexit’ em revés histórico para May

A premiê britânica, Theresa May, sofreu nesta terça-feira (4) um revés histórico nos esforços para aprovar o acordo do “brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia. Os parlamentares decidiram que o governo está em desacato e exigiram a divulgação da íntegra da avaliação legal feita pelo procurador-geral sobre o acordo fechado com os líderes europeus.

A líder da Câmara dos Comuns do Reino Unido, Andrea Leadsom, disse que o governo acatará a decisão e publicará o documento nesta quarta-feira (5). Na segunda (3), os conservadores tentaram conter a oposição divulgando um documento de 43 páginas com as avaliações do procurador-geral, George Cox.

Esta foi a primeira vez que um governo britânico sofreu a aprovação da moção de desacato. A medida vem já no primeiro dos cinco dias de intenso debate no Parlamento sobre o acordo. Na terça-feira que vem (11), o Parlamento britânico deve votar se aprova ou não o acordo fechado por May com os líderes da UE para determinar como o Reino Unido deixará o bloco europeu.

Os parlamentares aprovaram ainda uma emenda ao acordo que dá ao Parlamento maior controle sobre os próximos passos do governo britânico caso o “brexit” seja rejeitado na semana que vem.

O secretário trabalhista do ‘brexit’, Keir Starmer, chamou a derrota de May de um “distintivo de vergonha” e afirmou que o governo perdeu a maioria e o respeito na Casa.

O Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP), de quem May depende para obter maioria no Parlamento, votou com a oposição trabalhista pela moção, o que levantou dúvidas se a premiê ainda conseguirá angariar a maioria das cadeiras no voto decisivo da próxima semana. Foram 311 votos a favor da moção e 293 contra.

Os parlamentares trabalhistas celebraram aos gritos a vitória e um deles chegou a gritar: “início do fim”.

O pesquisador Alan Wager, do centro de estudos Changing Europe, diz que May perdeu o apoio de mais de cem parlamentares conservadores e deve ter dificuldades de aprovar o documento.

Cox argumenta que a sua publicação na íntegra vai contra o interesse público. Ele divulgou um resumo do documento e se dispôs a enfrentar sessão de perguntas na Câmara dos Comuns nesta segunda-feira (3).

Durante o debate, Starmer disse que o governo estava se recusando a obedecer a ordem de divulgar os papéis e que a opinião de Cox de que revelar o documento ia contra o interesse público não era argumento suficiente.

O secretário do “brexit” afirmou ainda que a moção teve enorme significado político e constitucional. “Nunca antes a Câmara dos Comuns decidiu que ministros estavam em desacato”, disse. “É triste que o governo tenha deixado chegar a isso, mas os ministros deixaram a oposição sem opção além de avançar com esses procedimentos.”

O governo tentou impedir a aprovação da moção colocando na pauta um pedido, derrotado por quatro votos, uma emenda para levar a discussão para um comitê privilegiado da Câmara dos Comuns.

A líder da Câmara, Leadsom, escreveu uma carta para o comitê de privilégios pedindo uma investigação sobre o voto, alegando que a ação dos trabalhistas coloca em risco a capacidade do atual governo e seus sucessores de obter os melhores conselhos sobre o tema.

A premiê britânica afirmou aos parlamentares que o acordo assinado com a liderança europeia não é perfeito, mas sim o melhor possível para garantir a saída planejada do Reino Unido do bloco europeu. A alternativa, caso o texto não seja aprovado, é um “brexit” sem acordo ou mesmo a permanência do país na União Europeia.

“Eu não digo que este acordo é perfeito. Ele nunca seria. Esta é a natureza da negociação”, afirmou May. “Nós não vamos unir nosso país se procurarmos uma relação que dá tudo para um lado e nada para o outro. Nós não devemos deixar que a busca pelo ‘brexit’ perfeito impeça um bom ‘brexit’ para a população britânica.”

Na prática, a moção desta terça serviu para botar ainda mais pressão sobre o governo de May. A pesquisadora Catherine Haddon, do Instituto para o Governo, afirma que a oposição queria usar toda e qualquer oportunidade para mostrar a instabilidade do governo.

Ela considera que a moção foi uma exibição de força capaz de atrapalhar não apenas o voto previsto para a semana que vem como também as emendas que os parlamentares tentam incluir no texto base do acordo.

O QUE PODE ACONTECER SE MAY PERDER A VOTAÇÃO SOBRE ACORDO DO BREXIT

Pela lei, se o acordo for rejeitado na votação prevista para o dia 11, os ministros têm 21 dias para declarar como pretendem prosseguir. O governo disse anteriormente que, se o texto for rejeitado, o Reino Unido deixará a União Europeia sem um acordo.

Na realidade, a grande incerteza que afeta a quinta maior economia do mundo e uma provável reação adversa de mercados financeiros demandaria uma reação política muito mais rápida.

Abaixo, alguns possíveis próximos passos:

RENÚNCIA

May poderia renunciar como líder do Partido Conservador, desencadeando uma disputa interna para substituí-la, sem uma eleição geral. Entretanto, May disse que espera ainda ser primeira-ministra dentro de duas semanas.

DEPOSIÇÃO

Um prolongado esforço por alguns membros do próprio partido de May para se ver livre dela poderia ganhar nova força. Se 48 dos 315 parlamentares conservadores quiser que May deixe o cargo, o partido realiza uma votação de liderança. Se ela perder, há uma disputa interna para substituí-la sem convocar uma eleição geral.

RENEGOCIAÇÃO

O governo pode tentar renegociar os termos do acordo, pedindo mais concessões da União Europeia e, então, convocar uma segunda votação para que o Parlamento aprove ou sugira emendas aos termos. May e a UE têm dito que o acordo não será reaberto.

MOÇÃO DE CENSURA

O Partido Trabalhista, legenda de oposição, pode convocar uma moção de censura, buscando tomar controle do país sem realizar uma eleição.

Se a maioria dos parlamentares votar contra o governo de May, o Partido Trabalhista teria 14 dias para provar, por votação, que pode comandar a maioria e formar seu próprio governo.

DE VOLTA ÀS URNAS

Se o governo de May perder a moção de censura e o Partido Trabalhista não for capaz de formar um novo governo, uma nova eleição é convocada. May também pode convocar ela mesma uma eleição geral se dois terços dos parlamentares concordarem com a medida. May tem dito que uma eleição geral não é do interesse nacional.

SEGUNDO REFERENDO

O caminho para um segundo referendo sobre o Brexit não é claro, mas um contingente de parlamentares apoia a medida. May tem afirmado que não convocará um segundo referendo.

ADIAR OU CANCELAR O BREXIT

O governo pode tentar estender o período de negociação com a UE para ter tempo de alcançar um acordo melhor, realizar eleições gerais ou conduzir um segundo referendo.

O governo também pode tentar retirar seu aviso de intenção de deixar a UE —algo que o advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) disse ser permitido, em um documento formal, mas não vinculante, que o TJUE costuma respeitar.

May afirmou não querer adiar a saída do Reino Unido da UE, e que não irá revogar o aviso de intenção de deixar o bloco.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/12/parlamento-obriga-governo-a-publicar-documento-de-brexit-em-reves-historico-para-may.shtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação