Preços mais atraentes levam grandes companhias a mirar a aquisição de startups

A empresa de tecnologia Locaweb foi uma compradora em série nos últimos anos. Desde 2018, adquiriu 15 startups para complementar seus serviços, que vão desde hospedagem de sites a gestão de redes sociais e e-mail marketing. Após reduzir o ritmo de aquisições nos últimos meses – por considerar os preços pedidos “irreais” –, a companhia começa a ver um cenário mais promissor. 

Segundo Fernando Cirne, presidente da Locaweb, isso ocorre porque a virada na economia fez os fundos fecharem a torneira dos investimentos. Agora, diz ele, o mercado está “caindo na real”.

“Alguns estão ainda cobrando valores altíssimos, mas outros estão caindo na real. Quem não entender isso vai quebrar. Estamos no início de um momento difícil, e não no fim”, afirma Cirne. “E esse momento vai trazer oportunidades.”

Após dois anos de fundos de venture capital investindo bilhões de dólares nas startups, o ecossistema está em meio a uma mudança. E, com os juros subindo no Brasil e no exterior, investidores estão menos afeitos ao risco. Por isso, o dinheiro antes direcionado para empresas de tecnologia deve sofrer um tempo de escassez. 

Com menos dinheiro no mercado, startups e fintechs que dependem de dinheiro para seguir na agenda de crescimento terão de buscar alternativas. As medidas vão de cortes de custos à busca por um sócio que traga dinheiro novo.

Assim surgem as grandes empresas em busca de startups com desconto. “Para quem tiver dinheiro em caixa, a crise vai apresentar uma grande oportunidade, e as grandes empresas devem liderar esse movimento com o uso de ferramentas como os CVCs, ou corporate venture capital (fundos criados por empresas para aquisições)”, diz Renato Mendes, sócio da consultoria F5.

Essas negociações entre startups e grandes negócios devem esquentar a partir do segundo semestre, já que a atividade econômica deve desacelerar até lá. Um indicador que aponta essa direção é justamente a criação desses fundos de aquisição no Brasil – hoje, o País tem cem deles.

Entre os grupos abertos a fazer aquisições está o Bradesco. Em fevereiro, o banco concluiu a compra da Digio – pagou R$ 645 milhões por 50% do negócio. Outras oportunidades podem aparecer, segundo o presidente Octavio de Lazari Jr. “Nunda deixamos de olhar as oportunidade, vamos olhar com mais atenção”, disse o executivo ao Estadão.

Diante da piora do cenário econômico, que deixa as empresas que ainda não dão lucro em posição mais frágil, o movimento de aquisições de startups deve esquentar no segundo semestre. Este panorama tende a reforçar a participação dos fundos criados por grandes empresas – os chamados CVCs (Corporate Venture Capital) – para investimentos nessas companhias “nascentes”. 

Segundo levantamento da consultoria Bain & Company, o número de fundos do gênero de empresas brasileiras teve um salto de nove, em 2015, para 73 em 2021. Para este ano, segundo Andre Fernandes, sócio da Bain e gerente global para o braço de inovação da consultoria Brain Innovation Exchange, o total de CVCs no País deve ultrapassar a marca de cem. 

De acordo com Fernandes, os números seguirão crescendo à medida que a situação da economia se deteriorar, o que é esperado nos próximos meses. 

A previsão se sustenta também na comparação dos investimentos das grandes companhias por meio de CVCs em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). “Essa relação nos Estados Unidos é de 0,45%, três vezes maior do que no Brasil (0,14%). Mesmo os americanos sendo referência, a proporção do Brasil mostra que ainda há muito espaço para esse investimento”, diz o executivo.

Segundo o presidente da Locaweb, Fernando Cirne, o objetivo do fundo é investir em negócios que tenham o potencial de se tornarem eventuais subsidiárias da companhia.

Outra empresa de tecnologia que separou dinheiro para comprar startups foi a Stefanini, pela Stefanini Ventures. Com a política de comprar participações – mas sem interferir no dia a dia da operação –, a Stefanini tenta deixar as startups livres para a criação de tecnologias disruptivas, afirma o fundador e presidente Marco Stefanini. Desde 2020, a empresa investiu mais de R$ 500 milhões em aquisições.

Diante do potencial do mercado, o fundador da Stefanini está criando um novo fundo, que ele pretende manter independente. A ideia é atender à crescente demanda de startups que não necessariamente têm ligação direta com os negócios da Stefanini.

“Nosso sucesso com a Stefanini Ventures nos estimulou a investir em formatos diferentes. A indústria de venture capital no Brasil tem espaço para crescer e estamos bem otimistas com o novo projeto”, diz Stefanini, que busca sócios para o CVC.

Magazine Luiza é o maior comprador

Segundo levantamento realizado pela consultoria Sling Hub, o Magazine Luiza foi o maior comprador de startups no ano passado, com 11 aquisições, à frente da Locaweb e da Méliuz, com oito negócios cada. De 2018 para cá, a liderança fica ainda mais folgada: 24 compras, nove a mais do que a segunda colocada.

Mesmo com esse DNA comprador, o Magazine Luiza seguirá realizando aquisições por meio do próprio caixa, sem optar por um fundo para centralizar as negociações. Isso deve ocorrer, de acordo com Vanessa Rossini, gerente de relações com os investidores do Magalu, porque a ideia é buscar empresas e empreendedores que se conectem ao ecossistema e ao modelo de negócio do Magalu.

O volume de aquisições chamou a atenção do mercado nos últimos anos. Agora, com queda de 80% no valor das ações nos últimos 12 meses, os mesmos investidores cobram a varejista sobre ter exagerado.

Na divulgação de resultados do primeiro trimestre, Frederico Trajano, presidente da companhia, afirmou que o foco agora será na integração das startups já adquiridas. Mesmo assim, segundo Vanessa, a empresa vai olhar para os bons negócios que possam aparecer. “Não nos fechamos para as oportunidades.”

https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,queda-precos-startups-grandes-companhias,70004078592

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