ONU tentará acordo global sobre poluição dos plásticos

 “Em 1945, minha mãe tinha 19 anos. A Dinamarca havia acabado de ser liberada da ocupação alemã. Ela estava em um restaurante tomando um chá e havia dois executivos sentados na mesa ao lado. Mexiam em umas coisas coloridas que ela nunca havia visto. Um dos homens disse ao outro: “O futuro é plástico”. Minha mãe nunca havia visto aquele material. Em apenas uma geração e meia nós poluímos os oceanos, o solo, o ar. Nosso trabalho agora é ser a geração que irá resolver o problema, para que nossos filhos não vivam com ele. Poluímos tudo muto rápido. Agora temos que resolver.” 

Quem conta essa história pessoal ao Valor é a economista dinamarquesa Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma, o braço ambiental da ONU que completa 50 anos. 

Com mais de 30 anos de experiência em desenvolvimento econômico e na formulação de políticas públicas, Andersen estará, na semana que vem, hospedando as negociações que ministros e diplomatas da área ambiental irão fazer na 5a UNEA, a assembleia ambiental das Nações Unidas. 

A expectativa é que o evento dê início a um grande acordo global sobre poluição plástica. Uma das propostas sobre a mesa fala na criação de um comitê intergovernamental de negociação que dê início ao processo que pode levar a um acordo legalmente vinculante. “Acredito que um acordo que estabeleça este processo pode ser o mais importante momento para a comunidade ambiental internacional desde a adoção do Acordo de Paris”, disse Andersen em um discurso recente. 

Inger Andersen conversou com o Valor na semana passada, desde seu escritório em Nairóbi, no Quênia. Ocorriam negociações informais entre diplomatas de mais de 190 países. Ela esclareceu as propostas que estão na mesa e falou também sobre o texto da declaração política que pode fortalecer o papel do Pnuma na governança ambiental mundial. “A consciência do público em temas ambientais nunca foi tão alta”, diz. “Se existe mudança do clima perto de você, também existe perto de mim. Isso é contagioso. É melhor entendermos que vivemos em todos no mesmo planeta e somos dependentes uns dos outros.” A seguir, trechos da entrevista: 

Um novo tópico depois de Paris 

“Como em todas as Uneas, há quase duas dezenas de resoluções sobre a mesa. O que não é comum é que o mundo se junte para olhar uma coisa nova, um novo desafio em termos de manejo ambiental, e onde existe tendência crescente de preocupação com a questão. Foi assim em 1992, quando foi criada a Convenção do Clima. Foi assim depois, com o Acordo de Paris, em 2015. Mas desde Paris, este pode ser o novo caminho para um novo acordo que iremos discutir. Temos aqui a comunidade global discutindo a moldura do que pode ser uma convenção, um acordo, um tratado – esse formato será decidido – sobre poluição plástica. Esperamos chegar a um acordo.” 

Crianças de 5 anos sabem 

O interessante é que este será um novo processo de negociação internacional para lidar com um problema que toda criança com cinco ou seis anos de idade conhece. Se a criança foi a uma praia, sabe que o problema existe. Todo adulto sabe que é uma questão real. Acho que há um momento especial na esfera pública para lidar com esse tema e, portanto, um momento especial nos governos para lidar com isso. Quero muito ver os negociadores encontrando caminhos para este tema com o nível de ambição que o desafio apresenta. 

A proposta Peru-Ruanda 

Temos uma resolução sugerida conjuntamente por Peru e Ruanda, que foi a primeira a surgir depois de um acordo ministerial em Genebra, em 2021. Naquele momento a ideia acordada entre uns 70 países foi de se avançar na ideia de uma resolução. Esta proposta tem, a cada dia, o apoio de mais e mais países. A ideia do texto é que o mundo lide com plásticos da fonte (de produção) até o mar. Que se lide com a inteira cadeia de produção da poluição plástica. O texto sugere o lançamento de um processo de negociação que chegue a um acordo legalmente vinculante. Propõe um Comitê Intergovernamental de Negociação (INC é a sigla em inglês) que irá trabalhar e propor um texto para ratificarmos em algum momento. 

Berço de convenções ambientais 

É assim que nasceram as convenções de Clima, Desertificação, Biodiversidade. Com um processo preparatório conduzido por um comitê intergovernamental. Os países negociam, discutem e o processo culmina adiante, em um acordo. E depois vêm as conferências das partes signatárias, as COPs, que discutem como vamos fazer o que nos propusemos, quais são os objetivos, como vamos implementá-los, como iremos financiar o processo e assim por diante. 

A proposta do Japão 

O Japão é muito ativo neste tema e tem outra proposta. Na UNEA passada, havia uma resolução que chamava a atenção para que o mundo lidasse com a poluição plástica e falava em criar um comitê técnico intergovernamental que olhasse para o desafio. Foi o Japão quem presidiu este comitê e fez um grande trabalho. Os japoneses foram muito ativos em chamar a atenção para a poluição dos mares no G 7. Têm sido protagonistas. O Japão colocou na mesa uma resolução que fala sobre a poluição plástica marinha – a Peru-Ruanda fala de poluição plástica. Um olhar atento ao texto japonês revela que fala da fonte até o mar e em algo que seja legalmente vinculante. 

Sem drama 

Ter duas abordagens não é algo dramático. Já vimos isso antes. Tenho sido informada que nas negociações informais das últimas semanas há muitas consultas sendo feitas. Acredito que há espaço para que uma proposta poderosa emerja destas duas abordagens. 

A ideia da Índia 

Há outra resolução, que é da Índia e fala sobre plásticos de um único uso. Não menciona algo legalmente vinculante nem a constituição de um Comitê Intergovernamental Negociador. Vamos ver como tudo isso tudo avançará. 

O Brasil 

O que posso comentar, porque é uma declaração pública feita na reunião ministerial de Genebra, em 2021, é que o Brasil disse que havia muitos elementos no conceito de Peru e Ruanda -naquele momento era apenas um conceito- que via com interesse, mas queria ver outros elementos na mesa. Buscava mais detalhes. 

Os Estados Unidos 

O secretário de Estado Antony Blinken veio aqui no Pnuma (em novembro, depois da COP 26) e disse que os EUA são favoráveis que se tenha uma resolução que estabeleça um comitê intergovernamental de negociação na Unea. 

Os europeus e a China 

A União Europeia, como bloco, tem sido muito favorável a este processo. Não escutamos ainda a China falar, mas não ouvimos oposição nas sessões informais. 

A liderança africana 

Os países do continente africano lideram o banimento dos plásticos de um só uso. São cerca de 30 países com esta iniciativa. No Quênia foram banidos há cinco anos, em Ruanda há 10 anos. Quando se chega no aeroporto de Nairóbi ouve-se uma voz dizendo: “Se você tem sacola plástica, melhor deixá-la no avião ou pode ser multado com US$ 1.000 se for visto com uma delas”. Aqui isso é real. 

A indústria 

Estão reagindo. Não quero parecer ingênua. Mas o que se entende quando, há poucos dias, 74 CEOs de grandes indústrias e bancos assinaram uma declaração dizendo que querem um acordo legalmente vinculante sobre plásticos? Querem que todos joguem pelas mesmas regras. 

Uma revolução 

Creio que vai começar de várias formas. Quando se olha quem financia e produz plásticos percebe-se que não são muitos. A poluição plástica provoca desgosto nos habitantes de uma pequena ilha do Pacífico e naqueles de um grande país costeiro. Não se pode culpar a indústria porque nós somos os consumidores, mas queremos encontrar soluções. Creio que não é uma ideia brilhante para fundos de pensão investir neste campo. Os acionistas não ficarão muito felizes. Há 20 produtores de polímeros no mundo responsáveis por produzir mais da metade dos plásticos de uso único. São só vinte empresas. Sim, há interesse econômico. Mas no Pnuma estamos acostumados a lidar com isso -tirar chumbo da gasolina, eliminar o mercúrio. O interesse global é muito maior, são pessoas que votam. Este é o momento de mudar. 

O prazo 

Meu desejo é conseguir ter isso pronto [um acordo sobre plásticos] em alguns anos. Mas sou realista. São 193 países que temos que ter debaixo deste grande guarda- chuva. Não ajuda muito ter um acordo com grandes economias fora dele. Gostaria de ver nossos netos livres disso. 

Pnuma, 50 anos 

Na Assembleia Geral da ONU há quatro anos ocorreram conversas de como fortalecer a governança ambiental. Isso se traduz em fortalecer o Pnuma. Todas as convenções nasceram aqui. Estamos conseguindo fechar o buraco da camada de ozônio. É o momento de refletir sobre estas realizações. Mas não há sentido em temer que o Pnuma fique mais forte que as COPs. Isso não vai acontecer. Se lidamos com clima e há outra convenção que trata de gases que têm impacto climático, há que assegurar que elas conversem. A Unea é uma plataforma de diálogo. 

Onde estamos? 

A consciência do público em temas ambientais nunca foi tão alta. Jovens estão ativos e têm voz. Mas temos trabalho a fazer, como humanidade. Queremos garantir que todos tenham acesso a energia, acabar com a pobreza, a fome, a desigualdade de gênero. O climapode tirar o tapete dos nossos pés. A poluição também. Estamos fazendo progressos, mas não tanto quanto alguém impaciente como eu gostaria de ver. Se existe mudança do clima perto de você, também tem perto de mim. Isso é contagioso. É melhor entendermos que vivemos em um planeta e somos dependentes uns dos outros. 

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/02/23/onu-tentara-acordo-global-sobre-poluicao-dos-plasticos.ghtml

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