Inflação aumenta e os monetaristas se preocupam

Financial Times; “A inflação é sempre, e em qualquer lugar, um fenômeno monetário.” Milton Friedman fez esse comentário em 1963. Na época, poucos macroeconomistas concordaram. Vinte anos mais tarde, uma grande proporção deles concordava. Vinte anos depois disso, a maioria novamente discordou. Hoje, quase mais duas décadas depois, os economistas têm de levar o dinheiro a sério novamente. Se o dinheiro for ignorado, ele se vingará. Como perguntou recentemente Ray Dalio, da Bridgewater: “Onde está a compreensão da história e o bom senso sobre a quantidade de dinheiro e crédito e a quantidade de inflação?”

A ideia de que há um elo entre a oferta de dinheiro e a inflação é muito antiga. Quando as pessoas estão de posse de mais dinheiro do que elas desejam, vão querer se livrar dele. Com qualquer outro bem, isso faria baixar seu preço. Mas o preço nominal do dinheiro é fixo: um dólar é um dólar. O ajuste vem por meio de aumentos dos preços de tudo o mais —ou inflação.

Depois de uma expansão monetária excepcional em 2020, estamos certamente vendo isso. Eu comentei essa possibilidade em maio daquele ano. Tim Congdon, um conhecido monetarista, tinha afirmado isso antes. Segundo o Centro para Estabilidade Financeira, o “Divisia M4” (índice que sopesa os componentes por seu papel nas transações) cresceu 30% no ano até julho de 2020, quase três vezes tão rápido quanto em qualquer período semelhante desde 1967. Nada parecido aconteceu depois da crise financeira de 2008. Muitos se preocuparam na época com a expansão da base monetária. Mas isso não importava porque não afetou os agregados mais amplos.

Uma grande lição da história é que se os economistas pensam que entendem como funciona a macroeconomia eles estão errados. Nos anos 1930, a sabedoria convencional era que a economia se autoestabilizava. Nos anos 1960, que as expectativas de inflação e o dinheiro não tinham importância. Nos 1980, era que só o dinheiro importava. Nos 2000, que a expansão do crédito não desestabilizaria o sistema financeiro. Em 2020, que o dinheiro era irrelevante. Repetidamente nos apaixonamos por histórias ingênuas. Queremos acreditar que a economia é um mecanismo simples, mas não é.

Em 1975, o economista britânico Charles Goodhart afirmou que “qualquer regularidade estatística observada tenderá a desmoronar quando a pressão for imposta a ela por razões de controle”. Sua visão foi aplicada ao fracasso do monetarismo em conduzir a economia. Mas Friedman não teria se surpreendido. Ele tinha afirmado que o dinheiro afetava a economia com “um atraso que é ao mesmo tempo longo e variável”. Mas ele não acreditava em conduzir a economia. Os que acreditavam, em vez disso, passaram a direcionar a inflação.

Mas a “lei de Goodhart” tem um corolário plausível: quando uma medida deixa de ser um alvo, ela novamente se torna significativa. Como comentou Mervyn King, ex-governador do Banco da Inglaterra, em uma importante palestra recente: “O dinheiro desapareceu dos modelos modernos de inflação”. Isso é ridículo. Então por que aconteceu? É porque os tecnocratas têm uma tendência tola a preferir estar exatamente errados a estar aproximadamente certos.

Então, onde estamos hoje? Os otimistas afirmam que a inflação que estamos vendo é apenas o resultado da escassez temporária causada pela pandemia. Essa é de fato uma parte da história, como explica um recente paper do FMI. Mas a necessidade, afirma, é “sustentar uma recuperação ainda incompleta e garantir que a produção acompanhe sua tendência pré-pandêmica —sem permitir que salários e preços entrem em espiral ascendente”. Realmente. A dificuldade é que, como mostrou Robin Brooks, do Instituto Internacional de Finanças, a inflação se tornou geral: nos Estados Unidos, o peso dos artigos com aumento de preços acima de 2% no ano até janeiro de 2022 ficou pouco abaixo de 90% no índice.

Para piorar as coisas, Alex Domash e Lawrence Summers afirmam que medidas que mostram um mercado de trabalho muito apertado nos EUA, como as taxas de vacância e demissão, são melhores indicadores das pressões inflacionárias do que o não emprego. Pior, a rigidez do mercado de trabalho atual antes teria sido associada a um desemprego abaixo de 2%.

Em suma, o gênio inflacionário saiu da garrafa, especialmente nos Estados Unidos. O perigo é que isso ative uma espiral, em que as expectativas de inflação mudem para cima, causando uma fuga do dinheiro e assim desestabilizando ainda mais as expectativas. Não adianta insistir que isso não vai acontecer, porque claramente pode fazê-lo quando a inflação está tão acima da meta e das previsões anteriores. A credibilidade terá de ser preservada, de qualquer maneira.

O que isso significa em políticas hoje é bastante difícil. Mas, como afirma King poderosamente, os banqueiros centrais também precisam reconsiderar algumas de suas doutrinas recentes. Assim como a crise financeira mostrou que o sistema bancário importa, essa alta inflacionária mostra que o dinheiro importa. Ela também indica que a orientação futura pressupõe mais conhecimento do que qualquer um possui. Os bancos centrais podem explicar sua função de reação, mas não podem dizer o que vão fazer, porque eles não sabem o que a economia fará.

Enfim, mas não menos importante, as metas de inflação média são certamente natimortas. Nunca fez sentido definir a inflação futura à luz dos erros passados. O Federal Reserve dos EUA vai realmente baixar a inflação a menos de 2% para compensar um excedente prolongado? O que faz sentido é reafirmar sua determinação a atingir sua meta futura. Mas também é possível que tenhamos um grau de instabilidade financeira que nos obrigue a pensar mais profundamente nisso.

Devemos sempre lembrar quão pouco sabemos sobre a economia. Os bancos centrais devem ser humildes e prudentes. Eles não podem ignorar informação valiosa só porque não gostam do que ela mostra. Não, não podemos conduzir a economia por meio da oferta de dinheiro. Mas também não podemos ignorá-la. Ela encerra advertências.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/martinwolf/2022/02/inflacao-aumenta-e-os-monetaristas-se-realizam.shtml

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