Adriana Carolina Rojas Torreyes
Karolyne Byanca de Brito Prado
Núcleo de Estudos e Negócios Americanos
Coordenador: Prof. Dr. Roberto Rodolfo Georg Uebel
Com pouco menos de dois anos de Javier Milei na presidência da Argentina, já é possível observar que suas abordagens não vêm produzindo os resultados esperados. Em um contexto de décadas de crises econômicas persistentes, inflação crônica e sucessivas estagnações, Milei soube posicionar-se de maneira precisa diante da população: seu discurso carismático e disruptivo tornou-se atraente para eleitores cansados do peronismo — movimento político histórico no país, marcado por políticas progressistas e pela forte presença estatal na economia. A sociedade, ansiosa por romper o ciclo peronista, apostou em Milei como uma saída para os problemas nacionais. Contudo, a esperança que o levou ao poder começa a ceder espaço ao ceticismo.
A crescente incerteza econômica e a desconfiança em relação às instituições criaram, em 2023, o ambiente perfeito para a vitória de um outsider com promessas de “limpar” o sistema político. Milei apresentou-se como o líder capaz de pôr fim à corrupção, controlar a inflação e até dolarizar a economia. Mas essas mesmas promessas, ainda não cumpridas, tornaram-se hoje parte de seu maior passivo político. Suas políticas ultraliberais, implementadas de forma abrupta e sem coordenação institucional, somadas à dificuldade de negociar com o Congresso e à repetição de erros estratégicos, transformaram o entusiasmo inicial em frustração diante de sua incapacidade de governar com competência.
Recentemente, a credibilidade do governo sofreu novos abalos. O partido La Libertad Avanza foi envolvido em escândalos que colocaram em xeque os princípios pelos quais Milei foi eleito. Um áudio vazado expôs acusações de que Karina Milei, irmã do presidente, teria recebido propinas ligadas ao pagamento de medicamentos destinados a pessoas com deficiência. O episódio alimentou protestos e aprofundou a percepção de incoerência entre o discurso moralizador da campanha e a prática no poder. As controvérsias, embora não únicas, somam-se a decisões econômicas impopulares, ampliando o desgaste de sua base de apoio.
O ponto de inflexão veio nas eleições legislativas de 7 de setembro, quando o peronismo de centro-esquerda, liderado por Axel Kicillof, venceu em seis das oito seções eleitorais da província de Buenos Aires, além de conquistar espaço em outras regiões do país. A derrota do partido governista simboliza mais uma pressão da sociedade argentina sobre Milei, que se vê obrigado a “recalcular a rota”. No entanto, mesmo diante de um ambiente doméstico conturbado, onde a política segue polarizada e a economia não dá sinais consistentes de melhora, o presidente parece pouco disposto a revisar seus posicionamentos extremistas.
A resistência em admitir falhas e ajustar estratégias revela um traço recorrente de líderes populistas de extrema-direita: basta insistir no discurso radical para manter apoio, mesmo quando a realidade é contrária. Diante disso, a frustração de parte expressiva da sociedade indica que a paciência com seu projeto começa a se esgotar.
Se a tendência se consolidar, a população Argentina passará a buscar um novo caminho com alternativas mais moderadas que possam unir a responsabilidade fiscal, diálogo institucional e políticas públicas eficazes. Assim, Milei reforça um alerta tantas vezes esquecido: projetos que dependem unicamente de carisma e discursos incendiários com promessas infundadas tendem a implodir rapidamente. No entanto, embora pareça óbvia, esta lição parece precisar ser reaprendida a cada vez que um populista ascende ao poder.
CNN Brasil. Em derrota para Milei, oposição vence eleição provincial de Buenos Aires. CNN Brasil, 08 set. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/em-derrota-para-milei-oposicao-vence-eleicao-provincial-de-buenos-aires/#goog_rewarded. Acesso em: 08 de setembro de 2025.
CNN Brasil. Milei quer dolarizar e Massa promete reduzir inflação no final da campanha na Argentina. CNN Brasil, 16 nov. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/milei-quer-dolarizar-e-massa-promete-reduzir-inflacao-no-final-da-campanha-na-argentina/. Acesso em: 8 de setembro de 2025.
BBC Mundo. 4 razones que explican la peor derrota electoral de Javier Milei en Argentina desde que es presidente. BBC Mundo, s.d. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/articles/cp3vnezljxvo.amp. Acesso em: 8 de setembro de 2025.
BBC News. Por que Perón segue tão influente (e polêmico) na Argentina, 50 anos após sua morte. BBC News, s.d. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cq5x92drxpdo. Acesso em: 8 de setembro de 2025.
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
