‘Humilhação’ de enviado europeu congela as já frias relações Rússia-UE

O tratamento duro dado pela Rússia ao principal diplomata da União Europeia (UE) durante uma visita histórica ao país provocou indignação política – mas pouca expectativa de que o bloco europeu dará fim a suas divisões sobre como lidar com o Kremlin. 

A maioria dos observadores afirma que a rusga dificultará ainda mais relações, que já são frias, e aumentará as chances de os europeus adotarem sanções contra a Rússia pela prisão do ativista opositor Alexei Navalny. 

Mas poucos creem que isso poderá provocar uma mudança fundamental dos países mais poderosos da UE, líderados por Alemanha e França, em direção a uma política mais agressiva, dados os interesses econômicos, energéticos e estratégicos em jogo. 

Parlamentares da UE tiveram na terça-feira uma dura reação contra a Rússia e contra Josep Borrell, principal autoridade de política externa do bloco, em razão da sua conturbada visita a Moscou na semana passada, contra a qual alguns países da UE se opunham. 

Kati Piri, deputada social-democrata holandesa, disse a Borrell que a Rússia o usou para “humilhar e ofender” a UE, acrescentando que a culpa por sua viagem deveria ser dividida com os países-membros do bloco europeu. 

“Isso também teria acontecido se os líderes da UE tivessem adotado uma postura mais dura?”, disse Piri sobre a primeira visita de uma autoridade de alto escalão da UE a Moscou desde 2017. “O que precisamos é de uma estratégia unida para a Rússia – e não de um apaziguamento, em vista dos desafios que a Rússia representa para a nossa segurança.”

Borrell foi muito criticado, a portas fechadas, por alguns diplomatas do bloco, pela condução do que ele posteriormente classificou como uma coletiva de imprensa “fortemente encenada” na sexta-feira, com Sergei Lavrov, o veterano ministro das Relações Exteriores da Rússia. No entanto, governos da UE estão ainda mais irritados com a decisão de Moscou de constranger Borrell ao expulsar diplomatas da Alemanha, Polônia e Suécia enquanto ele ainda estava no país. 

Borrell defendeu sua viagem e disse que as relações UE-Rússia completaram um “ciclo completo” desde a queda do Muro de Berlim, há mais de três décadas, enquanto Moscou não “cumpriu as expectativas de se tornar uma democracia moderna”. 

“Em vez disso, há uma grande decepção e uma crescente desconfiança entre a União Europeia e a Rússia”, disse ele. “Muitos dos pilares tradicionais das relações Rússia- Europa estão cedendo.” 

Na Alemanha, houve indignação generalizada com o comportamento do Kremlin. Berlim assegurou a imposição de sanções econômicas da UE contra a Rússia em 2014, depois da anexação da Crimeia, mas desde então vem adotando postura menos conflitiva. 

“É um verdadeiro golpe para todos aqueles, na Alemanha e na Europa, que defendem o diálogo com a Rússia”, disse Jürgen Hardt, porta-voz de relações exteriores da União Democrata Cristã, o partido da premiê Angela Merkel. “Cada vez que estendemos nossa mão para eles, eles a empurram.” 

Mesmo assim, há uma discordância profunda sobre como reagir. A oposição na Alemanha insiste que Berlim deixe o projeto Nord Stream 2, novo duto que levará gás russo diretamente para a Europa, atravessando o mar Báltico. Mas a posição do governo de Merkel é pela manutenção do projeto. 

Mas os parceiros da coalizão que sustenta Merkel afirmam que a UE deveria intensificar o uso de sanções contra os escudeiros de Putin e os empresários que apoiam o seu regime. “Precisamos de sanções contra a elite russa, os oligarcas pró- Kremlin”, disse Nils Schmid, porta-voz de relações exteriores dos social-democratas alemães, que formam a coalizão de Merkel. “Não há sentido em ter mais uma discussão sobre os erros e acertos do Nord Stream 2.” 

Moscou não demonstrou sinais de arrependimento sobre a visita de Borrell ou suas consequências, que incluíram as expulsões, na segunda-feira, de diplomatas russos por Alemanha, Suécia e Polônia. 

 “Quem está se afastando de quem?”, perguntou Lavrov, em resposta aos comentários de Borrell de que a Rússia está “progressivamente se desconectando da Europa”. “Talvez seja a própria UE que esteja alienando a Rússia, o idioma e a cultura russas.” 

Lavrov disse que usou suas conversas com Borrell para “reafirmar” o desejo da Rússia de redefinir as relações “com base não em exigências unilaterais, mas sim no respeito mútuo e consideração pelos interesses um do outro”. 

O porta-voz de Putin, Dmitry Peskov, disse que a expulsão pela Rússia de diplomatas da UE demonstrou “claramente que [o governo] não tolerará” interferências em seus assuntos internos. “A Rússia continua interessada em restabelecer as relações entre Moscou e Bruxelas [UE]. Não fomos nós que começamos a cerceá-las”, disse. 

Para Andras Racz, pesquisador do Conselho Alemão de Relações Exteriores, o objetivo da Rússia tem sido passar uma mensagem clara aos europeus – e nisso vem sendo bem-sucedida. “Essa mensagem é: ‘Não interfiram em nossos assuntos internos’. E, para eles, Navalny é uma questão interna”, disse. “Eles também queriam mostrar que estão interessados em boas relações com a UE, mas se ocorrerem nas condições da Rússia.” 

O repúdio incisivo cria um desafio fundamental para os países da UE, liderados pelo presidente da França, Emmanuel Macron, que apoia a aproximação com o Kremlin. 

Essa facção está agora enfraquecida, enquanto os defensores de uma postura mais dura, como os três Estados bálticos e a Polônia, se sentem justificados. 

Arnaud Dubien, diretor do centro de estudos Observatório Franco-Russo, disse que Macron insistiu em continuar negociando com Putin mesmo diante da resistência de alguns em seu próprio governo. Ele conversou com o líder russo durante quase toda a semana. 

“Os resultados não são fracos, mas piores do que isso. São verdade inexistentes”, disse Tatiana Kastouéva-Jean, especialista em Rússia do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), sobre as aproximações do líder francês. “A única coisa que a Rússia quer com esse diálogo é que a UE mude seu comportamento. A Rússia não está disposta a mudar em nada o seu próprio comportamento.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/02/11/humilhacao-de-enviado-europeu-congela-as-ja-frias-relacoes-russia-ue.ghtml

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