Futuro digital dos EUA está ameaçado, diz ex-CEO do Google

Em um mundo onde a tecnologia da computação é chave para a inovação e a competitividade, uma infraestrutura digital forte é fundamental para a vitalidade econômica e a segurança nacional. Investir em redes de telecomunicações móveis 5G deve ser uma prioridade urgente dos Estados Unidos e de seus aliados – especialmente porque seu principal rival geoestratégico, a China, já está muito à frente nessa área. 

O leilão de espectro realizado no mês passado pela Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC, na sigla em inglês), que levantou um recorde de US$ 81 bilhões, é celebrado como uma vitória do 5G. Na verdade, é um revés na área digital que os EUA e seus aliados não poderiam se dar ao luxo de sofrer. 

O Leilão 107 disponibilizou 280 MHz no valioso espectro da Banda C – as faixas de frequência ideais para 5G – às empresas de telecomunicações móveis para desenvolvimento de redes. Mas não impôs nenhum requisito significativo para a construção da infraestrutura de rede necessária. As enormes somas que os vencedores do leilão pagaram pelo espectro reduzirão sua capacidade financeira para usá-lo de fato. Ao contrário, isso provavelmente resultará em desinvestimentos e cortes. 

Ao mesmo tempo, US$ 81 bilhões não passam de uma ninharia na escala governamental, o equivalente a menos de um mês de emissão de dívida dos EUA, e é pouco provável que o dinheiro seja gasto na rede 5G de que o país precisa. 

Os resultados são previsíveis: os americanos terão pela frente preços mais altos e serviços digitais mais fracos – a internet de ontem, amanhã. Foi o que aconteceu quando as empresas de telecomunicações europeias pagaram preços excessivos durante os leilões de 3G no início dos anos 2000. A Europa ainda não terminou de se recuperar de sua década digital perdida. 

O que está em jogo não é apenas a velocidade da internet, mas a preservação da prosperidade. Hoje, as empresas líderes de tecnologia são americanas porque foram elas que desenvolveram os principais componentes da infraestrutura de dados de alta velocidade na era 4G LTE, o que significa que seu software estava posicionado para ser bem-sucedido. 

Esse não é o caso para o 5G. Apenas 24% dos europeus tiveram acesso a uma rede 5G no outono passado. O 5G dos EUA é mais marketing do que um salto qualitativo de verdade na velocidade de transmissão de dados. Em contraposição, a China logo terá uma rede nacional com velocidades de 1 gigabit por segundo. Com essa vantagem de sair na frente, a próxima geração de gigantes da tecnologia – e os produtos e serviços que eles desenvolverem – não será europeia ou americana, mas chinesa. 

Minha equipe de pesquisa estima que uma rede gigabit de banda C que cubra 80% dos americanos exigirá 1 milhão de novas estações celulares e custará US$ 70 bilhões para ser construída. Sem isso não haverá 5G e nenhuma base sobre a qual desenvolver o 6G. A economia digital dos EUA se tornará uma concorrente de menor importância.

Precisamos de estratégias inovadoras e agressivas para estimular uma rápida expansão da infraestrutura. Isso mostrará ao mundo que existem alternativas viáveis à hegemonia digital chinesa. Aqui estão três maneiras de fazer isso: o Congresso deve usar os recursos obtidos com o Leilão 107 para um fundo especial de infraestrutura de dados que ofereça ajuda direta aos Estados que constroem infraestrutura física para 5G. O dinheiro poderia ser alocado para promover uma expansão rápida e equitativa. A renúncia de receitas seria compensada pelo impulso econômico documentado obtido com velocidades de transmissão de dados mais altas. 

Se os EUA fizerem mais leilões de espectro, devem insistir em conseguir infraestrutura. Uma rede 5G de verdade exigirá mais do que os 280 MHz de espectro deste leilão. Japão, China, Coreia do Sul, Reino Unido e Canadá atribuirão, cada um, uma média de 660 MHz de espectro de banda média para 5G até 2023. Leilões futuros devem determinar requisitos de construção rigorosos, com punições para desempenho abaixo do esperado. 

Buscar alternativas aos leilões. O Departamento de Defesa dos EUA já propôs compartilhar o espectro controlado pelo governo com fornecedores comerciais se eles construírem infraestrutura rapidamente. 

O Leilão 107 cravou o que pode ser o penúltimo prego no caixão da liderança mundial dos EUA em tecnologia. Os formuladores de políticas devem buscar todos os meios disponíveis para fortalecer a infraestrutura digital, em vez de se concentrar em encher os cofres do governo. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/09/futuro-digital-dos-eua-esta-ameacado-diz-ex-ceo-do-google.ghtml

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