Grandes bancos entram no universo dos ‘games’

A pandemia intensificou o universo “gamer” – os videogames já são a maior indústria de entretenimento do mundo – e fez os grandes bancos brasileiros perceberem que deviam mergulhar de cabeça nesse mundo. 

Participar dessa comunidade significa conversar com um público jovem enorme e bastante ligado em tecnologia, mas ainda não totalmente integrado aos serviços financeiros, um filão que está cada vez mais na mira das instituições financeiras. Sem falar que muitos atletas dos esportes eletrônicos (eSports) são verdadeiras celebridades, com dezenas de milhões de seguidores nas redes sociais. 

Pesquisa do DataFolha encomendada pela Brasil Game Show mostra que 38% dos entrevistados – ou 67 milhões de pessoas, quando se extrapola esse porcentual para a população brasileira com mais de 12 anos – são adeptos de jogos eletrônicos. A idade média dos jogadores é de 30 anos, 53% são homens e a renda mensal média é de R$ 3.580. A Pesquisa Game Brasil, realizada pela Blend New Research, fala em um porcentual ainda maior, com 72% dos entrevistados afirmando que são usuários de games e 61,6% deles se identificando como “gamers”. Dos jogadores, 75,8% disseram que têm jogado mais durante o período de isolamento social. 

O passo mais recente foi dado pelo BTG Pactual. Sua unidade de banco digital, o BTG+, vai oferecer benefícios aos jogadores do game Tom Clancy’s Rainbow Six Siege, produzido pela Ubisoft, e também para aqueles que tiverem interesse em conhecer o jogo, que tem 80 milhões de usuários no mundo e quase 4 milhões no Brasil. A instituição financeira oferecerá um jogo grátis, que atualmente tem um valor de mercado de R$ 59,99, ou itens “ingame” para que já joga. 

Jaqueline Machado, diretora executiva de onboarding, crescimento e experiência do cliente do BTG +, diz que a indústria de games é um mercado com grande potencial  de negócios. “Queremos criar um diálogo com essa comunidade para entender e ofertar soluções conectadas com a vida dessas pessoas. Não é algo pontual, viemos para ficar no mercado de games”, afirma. 

Bruna Soares, diretora de parcerias estratégicas e diversificação de negócios da Ubisoft, afirma que 80% das vendas do jogo acontecem por canais digitais e, assim, o usuário precisa de um cartão de crédito. “A gente está mostrando para nossos jogadores que o BTG+ oferece diversos benefícios”. 

O Banco do Brasil (BB) foi um dos primeiros a entrar no universo gamer, ainda em 2018, como parte de sua estratégia de transformação digital e rejuvenescimento da base de clientes. No ano passado, criou, em parceria com a Visa, uma plataforma, a #TamoJuntoNesseGame. Em maio, o acordo foi ampliado com o lançamento do cartão KaBuM! e de uma ação de cashback com a plataforma Nuuvem. O KaBuM! é o maior site de comércio eletrônico de tecnologia e games da América Latina. 

Roberta Grunthal, executiva de design da experiência em meios de pagamentos do BB, não abre o número de cartões emitidos, mas diz que o produto está tem boa recepção. “Esse mercado está muito aquecido e o cartão gera principalidade”, conta. O banco também está reciclando sua wallet “Carteira bB”, criada para ajudar na distribuição do auxílio emergencial, e direcionando o público gamer para ela. 

Outra iniciativa do BB foi criar um consórcio para a aquisição de computadores e consoles, já que muitas vezes os clientes mais jovens não têm como comprovar renda e acabam tendo limites baixos no cartão de crédito. A instituição é líder no consórcio de eletrônicos – categoria onde os videogames se inserem – com uma participação de mercado de 67%, ou 84,1 mil cotas. “O consórcio de videogames tem sido um dos puxadores do crescimento dessa categoria. Temos tíquetes de entrada a partir de R$ 79 e toda a jornada é feito dentro do app”, conta Rodrigo Vasconcelos, presidente da BB Consórcios. 

Em junho, outro banco a lançar um consórcio gamer foi o Santander. No mesmo mês, já tinha anunciado o lançamento da campanha “Tem Santa, tem game”, em parceira com a equipe de eSports Fúria. E no início do ano tinha se tornado o patrocinador oficial da Liga Brasileira de Free Fire (LBFF) na temporada 2021. Igor Puga, diretor de marketing e marca, comenta que a pandemia acelerou muito a expansão desse mercado no Brasil. 

Quando anunciou o patrocínio da liga de Free Fire, o Santander causou um alvoroço na comunidade gamer com um prêmio de mais de 1 milhão de “dimas”, a moeda usada dentro do jogo, equivalente a algo entre R$ 40 mil e R$ 45 mil. Além disso, quem abrisse uma conta digital ou pedisse um cartão de crédito, ganharia uma quantidade mensal de dimas, ao longo de um ano. A campanha acabou atraindo mais de 100 mil pessoas. “Deu muito trabalho operacional e tecnológico para implementar isso, mas valeu a pena. O índice de desistência é de menos de 2%”, diz Puga. 

Ao patrocinar um time em um campeonato de Counter Strike, um dos assuntos com os quais o Santander se deparou foi como lidar com a questão da violência nos jogos eletrônicos. Enquanto Free Fire e Fortnite têm visuais mais lúdicos, o realismo das armas e ferimentos em outros jogos levanta uma discussão importante. “O jogador de Counter Strike geralmente é mais velho. Ali está se vivendo uma guerra. Mas essa questão da violência é importante sim. Tanto que o volume de patrocínio para jogos mais realistas é muito menor”, explica Puga. 

A mesma questão também existe para o Itaú Unibanco. Robson Harada, chefe de crescimento e marketing do banco, diz que sua equipe busca observar como as fabricantes de jogos lidam com a questão da violência. “Existem pesquisas que mostram que esse tipo de violência não é acionável, e alguns campeonatos têm iniciativas de travar funções [mais violentas]. A gente quer abraçar essa comunidade e estar em todas as esferas. Sabendo dos riscos envolvidos, tomamos os cuidados necessários para observar e garantir que a gente esteja em ambientes saudáveis.” 

Ele explica que o Itaú tem acompanhado e estudado o universo gamer para entender as necessidades desse público e criar, em conjunto, os produtos e serviços necessários. Neste mês, o banco anunciou uma parceria com a Twitch, um serviço de streaming ao vivo que se concentra em videogames, e em maio havia começado a patrocinar a equipe de atletas Loud, usando o mote #IssoMudaoGame. 

Apesar dos patrocínios, o Itaú ainda não desenvolveu produtos específicos para esse universo e Harada diz que isso está sendo feito com cuidado e sem pressa. “É um público muito exigente, tecnológico, avançado, então estamos tomando cuidado para criar coisas que façam sentido para eles.” 

Questionado se não teme ficar para trás em relação a outros bancos, ele diz que há espaço para todos. “Não ter pressa também não quer dizer que vamos demorar anos. Mas esse é um território tão grande, em franca expansão, que tem espaço pra todo mundo”. 

No Bradesco, a interação com o universo gamer é feita principal por meio do seu banco digital, o next. A instituição patrocina a equipe Fluxo e tem como um de seus embaixadores o jogador “NoBru”, eleito o melhor do mundo no Free Fire em 2019. O outro embaixador é o Fallen, jogador celebridade que também tem uma loja de acessórios para games. Uma nova embaixadora, a primeira mulher, será anunciada em breve. Também haverá uma campanha especial para o Dia Internacional do Gamer, celebrado no próximo dia 29. 

O chefe de marketing do next, Paulo Aguiar, afirma que, desde janeiro, quando o banco intensificou a atuação nesse universo, já cresceu em 78% o resgate de “mimos” (descontos e ofertas especiais) na área de games. O banco tem apostado na produção de conteúdo e já teve mais de 1,5 milhão de interações orgânicas nas suas redes sociais com esse público. “Temos estudado bastante o cenário e é um evolução natural ter produtos específicos para esse público no futuro próximo”. 

https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/08/18/grandes-bancos-entram-no-universo-dos-games.ghtml

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