O Google e a Universal Music estão em negociações para licenciar o uso de melodias e vozes de artistas em canções geradas por inteligência artificial, enquanto a indústria da música tenta monetizar uma de suas maiores ameaças.
As discussões, confirmadas por quatro fontes familiarizadas com o assunto, têm o objetivo de formar uma parceria em um setor que tem tido dificuldades para lidar com as implicações da nova tecnologia de IA.
O avanço da inteligência artificial generativa deu origem a uma onda de músicas “deepfake” [falsificação profunda] que conseguem imitar de forma convincente vozes, letras ou sons de artistas consagrados, frequentemente sem seu consentimento.
A voz de Frank Sinatra foi usada em uma versão da música hip-hop “Gangsta’s Paradise”, enquanto a de Johnny Cash foi utilizada no single pop “Barbie Girl”. Um usuário do YouTube que se identifica como PluggingAI (algo como “conectado na IA”) oferece músicas que imitam as vozes dos falecidos rappers Tupac e Notorious B.I.G.
“A voz de um artista costuma ser a parte mais valiosa de seu sustento e de sua imagem pública, e roubá-la, não importa com que intenção, é errado”, disse o principal advogado da Universal Music, Jeffrey Harleston, aos parlamentares americanos no mês passado.
As discussões entre o Google e a Universal Music ainda estão em estágio inicial e não previsão de lançar um produto, mas o objetivo, segundo fontes que acompanham de perto a situação, é desenvolver uma ferramenta para que os fãs criem músicas de forma lícita e paguem aos donos dos direitos autorais. Os artistas teriam a opção de aceitar isso ou não.
A Warner Music, a terceira maior gravadora, também tem discutido com o Google sobre um produto nas mesmas linhas, de acordo com uma fonte familiarizada com o assunto.
Executivos da indústria da música comparam o surgimento de canções geradas por inteligência artificial com o início do YouTube, de propriedade do Google, quando usuários começaram a usar músicas populares como trilhas sonoras dos vídeos que criavam. A indústria da música passou anos em disputa com o YouTube por violação de direitos autorais, e os dois lados estabeleceram um sistema que hoje paga à indústria da música cerca de US$ 2 bilhões por ano por esses vídeos.
À medida que a IA ganhou força, algumas grandes estrelas manifestaram preocupação com a possibilidade de que seu trabalho seja diluído por versões falsificadas de suas músicas e vozes.
A questão chamou atenção este ano, quando uma música feita por inteligência artificial que imitava as vozes de Drake e The Weeknd viralizou na internet. A Universal, gravadora de Drake, Taylor Swift e outros músicos populares, conseguiu a remoção da música das plataformas de streaming por violação de direitos autorais.
Em abril, Drake criticou duramente outra música que usava IA para imitar sua voz e disse que era “a gota d’água”, enquanto o rapper Ice Cube descreveu essas faixas clonadas como “demoníacas”.
Outros artistas adotaram a tecnologia. A artista eletrônica Grimes já propôs deixar pessoas usarem sua voz em músicas geradas por IA e repartir os royalties.
“Há algumas coisas boas”, disse ela à revista “Wired” esta semana, ao falar das músicas geradas por IA que usam sua voz. “Elas estão tão alinhadas com o que meu novo álbum poderia ser que isso foi até meio perturbador… Por outro lado, é como ‘oh, genial, eu posso viver para sempre’. Estou entusiasmada com a autorreplicação.”
O CEO da Warner Music, Robert Kyncl, disse nesta terça-feira aos investidores que, “com a estrutura certa”, a inteligência artificial pode “permitir que fãs prestem o maior dos elogios a seus ídolos por meio de um novo nível de conteúdo impulsionado pelo usuário… que inclui novas versões cover e combinações de músicas”.
Do ponto de vista do Google, a criação de um produto musical pode ajudar a empresa a competir com rivais como a Microsoft, que investiu US$ 10 bilhões na OpenAI, principal empresa de inteligência artificial e criadora do ChatGPT. A Microsoft já integrou o modelo a seu mecanismo de busca, o Bing, e o Google corre para alcançá-la, com o lançamento de produtos de IA como o chatbot Bard.
A Universal Music pediu em abril que as plataformas de streaming impeçam que os serviços de inteligência artificial copiem músicas sem permissão ou pagamento. A empresa, que controla cerca de um terço do mercado mundial da música, pediu ao Spotify e à Apple que neguem acesso a seu catálogo de músicas para desenvolvedores que o usam para treinar a IA.
Lyor Cohen, ex-executivo de uma gravadora que comanda a divisão de música do YouTube, trabalha no projeto para o Google, segundo fontes próximas ao tema. Em janeiro, o Google publicou um ensaio em que apresentava uma prévia de um software de música com inteligência artificial capaz de gerar músicas a partir de descrições de texto como “videogame animado” ou “reggaeton fundido com dança eletrônica”.
Na época, a empresa informou que “não tinha planos” de lançar a ferramenta comercialmente, e os autores apontaram suas limitações, entre elas a possível violação de direitos autorais quando o software reproduzisse músicas de artistas específicos a partir dos dados usados para treiná-lo. Em maio, porém, o Google lançou a ferramenta experimental conhecida como MusicLM para consumidores e anunciou que trabalhava com artistas para desenvolvê-la.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/08/09/gogle-e-universal-negociam-acordo-sobre-ia.ghtml