Golpe em Mianmar eleva influência da China e é teste para Biden

Uma parte importante da estratégia dos EUA para conter a ascensão da China tem sido um esforço para reunir as democracias da Ásia, para que elas apoiem uma região “livre e aberta” que contraste com o regime de partido único de Pequim 


Ao tomarem o poder ontem, os generais de Mianmar impuseram um teste ao esforço dos EUA de conter na Ásia o apelo do modelo político autoritário chinês. 

O chefe do Estado-Maior do Exército de Mianmar (antiga Birmânia), Aung Hlaing, já enfrenta sanções dos EUA pela repressão brutal contra a minoria muçulmana rohingya, o que levou a acusações de genocídio. Enquanto isso, o governo chinês demonstrou- lhe respeito. Numa reunião no mês passado, o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Li, classificou os dois países como “irmãos”, elogiando a “revitalização nacional” promovida pelos militares. 

“Sem dúvida o golpe terá alguns custos, mas os militares acreditam claramente que eles valem a pena”, disse Sebastian Strangio, autor de “In the Dragon’s Shadow – Southeast Asia in the Chinese Century” (“À sombra do dragão: O Sudeste da Ásia no século chinês”). “Os eventos recentes no Sudeste da Ásia mostraram que, com o poder crescente da China e a deterioração da democracia no Ocidente, os EUA e seus aliados não têm mais a autoridade moral ou econômica, nem os meios políticos, para estabelecerem a agenda da região.” 

Uma parte importante da estratégia dos EUA para conter a ascensão da China tem sido um esforço para reunir as democracias da Ásia, para que elas apoiem uma região “livre e aberta” que contraste com o regime de partido único de Pequim. Ainda assim, defensores da democracia em países como Malásia e Tailândia perderam terreno sem consequências sob o governo de Donald Trump. 

O presidente Joe Biden agora enfrenta um dilema: elaborar uma resposta que punirá os generais de Mianmar sem prejudicar a população do país, que sofreu sob as sanções duras impostas nos anos 90, antes de sua guinada para a democracia uma década atrás. 

Em comunicado, Biden disse ontem que “a comunidade internacional deveria se unir numa única voz para pressionar os militares de Mianmar a renunciarem ao poder que eles tomaram, libertar os ativistas e autoridades que eles detiveram, acabar com todas as restrições às comunicações e conter a violência contra os civis.” 

Os EUA removeram as sanções (…) ao longo da última década, com base no progresso rumo à democracia”, disse ele. “O retrocesso desse avanço necessitará de uma revisão imediata de nossas leis de sanções e autoridades, seguida de medidas apropriadas”. ameaçou.

A Casa Branca será pressionada a agir. O democrata Bob Menendez, novo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, pediu “sanções econômicas duras” aos líderes militares. 

Embora a imagem de ícone da democracia da líder mianmarense deposta, Aung Suu Kyi, tenha sofrido um golpe por ela ter defendido às ações militares contra os rohingya, ela ainda tem aliados importantes no Congresso. Devido à onda de repressão, os EUA impuseram sanções direcionadas contra alguns líderes militares, incluindo Aung Hlaing, que agora está no comando, mas evitaram sanções mais amplas contra o país. 

Autoridades americanas achavam que sanções econômicas amplas enfraqueceriam o governo civil de Suu Kyi, puniriam pobres de Mianmar e colocariam o país mais próximo da China. Suu Kyi, que foi detida juntamente com outros líderes civis importantes, divulgou nota pedindo aos 55 milhões de mianmarenses que se oponham à volta de uma “ditadura militar”. 

Mianmar era muito dependente de Pequim antes do início da transição democrática, uma década atrás, parte do motivo, segundo analistas, de o Exército ter procurado abrir o país e diversificar seus laços externos. A China ontem evitou fazer um chamado para os militares desistirem do golpe. 

O Ministério das Relações Extetiores chinês chamou Mianmar de um “vizinho amigável” e exortou todos os lados a “resolverem adequadamente suas diferenças”. Até o fim de 2020, a China era o segundo maior investidor externo em Mianmar (atrás só de Cingapura). Pequim responde por um terço do comércio de Mianmar – cerca de dez vezes mais que os EUA. 

Ainda assim a China será cautelosa para evitar se indispor com os apoiadores de Suu Kyi. Em visita em janeiro, o ministro Wang encontrou-se com Suu Kyi e falou sobre cooperação em uma série de projetos de investimentos ligando a China ao Oceano Índico. “Para os chineses, a política mianmarense é altamente volátil e imprevisível”, disse Yun Sun, diretora do Programa China do Stimson Center. “A China já se queimou lá antes.” 

Reino Unido, Austrália, Canadá e União Europeia uniram-se aos EUA também condenaram o golpe. Já a reação da maioria dos países asiáticos foi mais contida. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/02/02/golpe-em-mianmar-eleva-influencia-da-china-na-asia-e-e-teste-para-biden.ghtml

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