Executivos investem em carreira internacional

Ex-gerente de logística da Braskem e da Klabin, o engenheiro Alessandro Scapol saiu do Brasil em 2016 buscando experiência cultural internacional e uma chance de criar os filhos no exterior. Sua jornada começou por meio de um mestrado de finanças, nos Estados Unidos, e dois anos depois, ambientado com a família no país, decidiu aplicar para o visto permanente. Contratou uma consultoria, dedicou-se a construir um plano de recolocação e alinhou quais experiências e vivências o provariam apto a conseguir. Com a pandemia, seu processo de visto atrasou, mas foi bem-sucedido. Contou a seu favor, durante a admissibilidade conseguir um emprego, na empresa de logística AdventHealth. 

Aos 44 anos, Scapol faz parte de um grupo de brasileiros que conseguiu obter o visto em 2020, mas também de um tipo de expatriação que vem crescendo nos últimos anos: a por conta própria. Cerca de 2,9 mil brasileiros conseguiram o visto para trabalhar nos Estados Unidos no ano fiscal de 2020 – a despeito do total de vistos concedidos no país ter caído 20%, segundo análise da consultoria de mobilidade global Hayman-Woodward. Mais da metade dos vistos concedidos no ano fiscal de 2020, segundo Leonardo de Freitas, fundador da consultoria, é o EB-2, focado em profissionais qualificados, liberais e empreendedores. “Subiu muito a procura individual, principalmente de brasileiros. A pessoa faz o andamento pela empregabilidade por conta própria ou se habilita para empreender e gerar empregos”, diz. Ele avalia que as empresas estão menos propícias a patrocinar um visto. 

Outra tendência que movimentou o mercado de carreira internacional, e está diretamente relacionada à pandemia, é o trabalho remoto. “Surgiram novos locais de trabalho, de empresas que não tinham grande posicionamento global por conta do home office imposto pelo isolamento social”, diz Freitas. A questão de estar fisicamente na sede das empresas foi flexibilizada, afirma Alexandre Benedetti, diretor da consultoria de recrutamento Talenses Group. “O modelo mais flexível com o home office permitiu que profissionais fossem contratados para posições globais, sem estarem fisicamente no país da sede da empresa”. 

Este foi o caso do administrador Ricardo Cardoso, 31. Até janeiro, ele trabalhava na área de recrutamento do Nubank quando aceitou a proposta de uma startup de bem- estar de Nova York. O salário pesou. Os benefícios também. Mas o que o fez aceitar o emprego, em meio a pandemia, foi a convergência de mais fatores. “É uma empresa menor, de 200 funcionários, mas com clientes em vários países. A missão dela, o aprendizado de morar fora e de networking, também são ótimos para a carreira”. 

Mas desde que Cardoso ingressou na Noom, no fim de janeiro, ele trabalha da sala de seu apartamento em São Paulo. Lidera três pessoas, sendo duas alocadas em Nova York e uma em Las Vegas. O plano é voar para os EUA apenas em outubro, quando o visto de trabalho pode ter saído e há expectativa de que a situação sanitária esteja sob maior controle. 

Os brasileiros também são bem vistos pelas empresas estrangeiras porque, avalia Freitas, possuem uma experiência profissional variada e “são adaptáveis e maleáveis” às circunstâncias. No caso de Cardoso, pesou a favor a experiência internacional prévia (morando em Amsterdã com expatriação financiada pela Uber) e o desejo da empresa atual de expandir pela América Latina. Não estar fisicamente na sede dela, porém, não o faz exceção. 

Com a pandemia cresceu o “expatriamento virtual”, segundo Haroldo Modesto, country manager da Crown World Mobility. “Um executivo brasileiro começou a trabalhar em uma empresa argentina sem sair de casa ainda”, diz. 

Há um questionamento, indicado por consultores, se uma carreira internacional pode ocorrer “de forma remota”, sem a vivência cultural e interações que a residência em um novo país gera. Cardoso, da Noom, diz que seu onboarding remoto foi produtivo e ele tem se sentido parte da cultura da empresa, mas sente falta do contato mais próximo com seus colegas americanos. “Para networking, é essencial. Quem me indicou para essa vaga foi um profissional que conheci quando morava na Holanda. Espero ter as interações presenciais em breve de novo”. 

Essa desvantagem é sentida também por quem mora no estrangeiro, mas está isolado em casa. “Antes da pandemia, saía com meus colegas alemães em festas e para tomar cerveja. Era bacana ver as visões de mundo e hábitos deles. Ainda troco ideia com eles fora do trabalho, mas não há comparação ao que era antes na empresa”, diz Gabriel Rufino, 27, que mora em Berlim, onde estuda e trabalha para uma startup de análise de dados. Formado em sistemas de informações foi contratado poucos meses antes da pandemia, voltou por um tempo ao Brasil, quando o escritório alemão foi fechado, mas retornou na expectativa da reabertura – o que não ocorreu. 

Quanto às movimentações in loco, Modesto diz que a consultoria viu uma queda de 30% nas transferências no começo da pandemia, entre março, abril e maio. Mas o movimento voltou a subir e a Crown World Mobility registrou, ao fim de 2020, 120 mil transferências. Esse total, o mesmo obtido em 2019, inclui brasileiros indo para o exterior e estrangeiros para o Brasil – a empresa atua em 58 países. “Esses números mostram que o mercado de carreira internacional permaneceu estável, a despeito da pandemia”. Não que tenha ficado mais fácil. Longe disso”. 

A história de Marcelo Brasil, que conseguiu em janeiro uma posição sênior em uma multinacional do Reino Unido, ilustra os desafios. O seu “projeto Europa” (visando uma “experiência tripla: profissional, educacional e cultural) começou há três anos. Em 2018, deixou uma posição sênior na área tributária da Shell e partiu para um sabático de seis meses na Espanha. De lá, rumou para Londres, onde ingressou em um mestrado de dois anos. No início da pandemia estava para ser aprovado em uma grande empresa de tecnologia quando ouviu do recrutador: “Gostamos muito do seu perfil, mas todas as vagas foram congeladas”, diz. 

Brasil percebeu, enfim, que precisaria de mais paciência – e, nesse momento, as reservas financeiras montadas para o médio prazo lhe deram mais tranquilidade. Isolado em casa, ocupou seu tempo para montar um projeto social para aumentar a inserção de profissionais negros na área tributária. Ao fim de 2020, foi procurado no LinkedIn por uma headhunter. Adaptou seu currículo e seu discurso, mais alinhado à cultura britânica. À essa altura, já obtido um visto – o que facilitou a recolocação. Desde janeiro, trabalha no novo emprego de forma remota, já que os escritórios estão fechados. 

Tanto Brasil quanto Scapol avaliam que a expatriação por conta própria exige planejamento bem definido, reservas financeiras altíssimas e paciência. Falar inglês fluente é fundamental, mas pesa a adaptação à cultura do país. “Muita gente vem por conta própria e fica correndo atrás do green card, pensando que a vida começará só depois dele, até que o visto chega e a pessoa diz: ok, e agora?”, diz Scapol. Foi fundamental para o seu passo de carreira, mas também para o bem-estar da sua família, a ambientação prévia com a comunidade e cultura americana. 

O auditor italiano Giuseppe Grimaldi, que mora no Brasil desde 2016 trabalhando para uma empresa internacional, também avalia que adaptar, vida e trabalho, no exterior exige uma “mentalidade preparada para lidar com incógnitas e incertezas”. “É para quem gosta de sair da zona de conforto”. No seu caso, ajudou ter o suporte da empresa que financiou a sua vinda, mas houve um esforço para entender o “cheiro da cultura brasileira”. “Hoje, minhas duas filhas adolescentes nem pensam em voltar para a Itália”. 

https://valor.globo.com/carreira/noticia/2021/02/22/executivos-investem-em-carreira-internacional.ghtml

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