As ruas da Cidade do México amanheceram tranquilas neste domingo, 2, quando 100 milhões de pessoas participam da maior eleição na história do país, um processo marcado pela violência. Por volta das 8h (horário local), quando as urnas foram abertas, longas filas já se formavam em frente às sessões eleitorais. Os sentimentos são mistos: da esperança à desilusão com o sistema político.
Cristina Paoli, ilustradora de livros infantis de 44 anos, faz parte do segundo grupo. Ela afirma que sempre votou pela esquerda, mas que vai anular o voto pela primeira vez na vida. “Me dói muito fazer isso, mas sinto que fui traída”, disse ela sobre o presidente Andrés Manuel López Obrador. “Ele abandonou as pautas de esquerda, das mulheres, do meio ambiente, não posso dar o meu voto para o Morena (partido no governo) e sinto que não tenho opção”, acrescentou a ilustradora, que também não gostaria de ver a vitória da coalizão de oposição.
Sem possibilidade de reeleição, AMLO tenta emplacar sua sucessora, Cláudia Sheinbaum. As pesquisas apontam que ela deve ser eleita a primeira mulher presidente na história do México. Ela é seguida pela senadora Xóchitl Gálvez, da coalizão que reúne o Partido Ação Nacional (PAN), Partido Revolução Institucional (PRI) e Partido Revolução Democrática (PRD). Em um distante terceiro lugar, está Jorge Álvarez Máynez (Movimento Cidadão).
Eduardo Suarez, terapeuta de 64 anos, vai votar pela continuidade do governo Morena. “Minha expectativa é que o projeto político atual continue”, disse. “Pela primeira vez as classes mais baixas, que sempre foram esquecidas e prejudicadas pela corrupção foram beneficiadas. Foi um governo que trouxe esperança”, justificou, referindo-se às políticas de transferência de renda.
Durante o governo AMLO, o salário mínimo mais que dobrou, o valor pago nos benefícios sociais aumentou e a pobreza diminuiu. Esse costuma ser mencionado como o principal legado positivo do presidente, que deixa o Palácio Nacional com 60% de aprovação.
Já o aposentado José Ignácio, 63, estava na fila da “castilla”, como são chamadas as sessões eleitorais no México, para votar pela mudança. Mas quando questionado se está esperançoso respondeu: “Na verdade, estou mais cético”.
Sem revelar seu voto, o engenheiro Augusto Boutas, 33, disse que vai votar no que considera “menos pior”, mas também não se demonstrou animado com o processo eleitoral. “É sempre a mesma coisa, sempre fazem muitas promessas, mas nada nunca muda”, disse.
O comerciante Josiel Castrejon, 31, acredita que o governo López Obrador tem qualidades e defeitos, mas voltará em Xóchitl Gálvez, da oposição, na expectativa de mudanças. O principal problema para os mexicanos hoje, afirma, é a violência.
O país enfrenta uma guerra entre os cartéis de drogas, que se refletiu também nas eleições. Foram pelo menos 34 candidatos assassinados durante o processo, segundo o think tank Laboratório Eleitoral, que monitora a política mexicana.
Obrador tem minimizado a crise e afirma que, no seu governo, a tendência de alta nos homicídios se inverteu, com redução de 22%. Em números absolutos, por outro lado, esse é o período de seis anos (duração do mandato no México) com maior número de assassinatos desde que se tem registro: foram cerca de 190 mil.
Tentativa de incêndio em sessão eleitoral
Enquanto o clima na Cidade do México é de tranquilidade, em Querétaro, centro-norte do país, dois homens encapuzados tentaram atear fogo em uma escola que funciona como sessão eleitoral. Nos vídeos que circulam nas redes sociais, é possível ver o momento em que um deles derrama um líquido no chão e sai correndo. Em outro vídeo, ele aparece pulando o muro e subindo na moto do comparsa, que é atingida por uma caminhonete. Os dois fugiram a pé na sequência.
Nas redes sociais, uma página vinculada ao Instituto Nacional Electoral (INE) disse que houve uma tentativa de vandalizar materiais eleitorais, mas que a votação não foi afetada e que a sessão eleitoral opera normalmente.
Por volta do meio dia, quatro horas após o início da eleição, a presidente do INE, Guadalupe Taddei, disse em pronunciamento que votação transcorre de forma ordeira, sem maiores incidentes. E que os pequenos contratempos estão sendo resolvidos de forma rápida pelos presidentes das sessões eleitorais.
Legado controvertido de Obrador
Além da violência, os críticos apontam tendências autoritárias do atual governo e temem que o Morena possa reformar a Constituição, como propõe.
Uma oficial da Guarda Nacional, que passava pelas ruas da Cidade do México, reclama que o governo Obrador marginalizou os agentes, ao atribuir mais funções aos militares. “Morena não”, disse ela. “Não é apenas por nós, mas pelos mais novos, pelas crianças, para que possam crescer em um país livre”. Ela teme que o México possa seguir o caminho de regimes autoritários como Venezuela e Nicarágua.
Criado por Obrador em 2014, o Morena tem atualmente a presidência, o controle do Congresso e 23 dos 32 governadores. A proposta de reforma da Constituição, apresentada por AMLO pode, entre outras coisas, reduzir a independência do órgão eleitoral e mudar a forma como os juízes são selecionados.
Claudia Sheinbaum promete dar continuidade à reforma. Para isso, no entanto, precisaria de maioria qualificada no Congresso, o que, segundo as pesquisas não deve acontecer.
Além do presidente, o México renova neste domingo todo o Congresso (que soma 628 deputados e senadores); elege oito governadores e o chefe de governo da Cidade do México; mais de 19 mil cargos municipais — números que fazem desta a maior eleição da história mexicana.
“Na verdadeira democracia, é o povo que manda. Todo o resto é acessório”, disse López Obrador nas redes sociais depois de votar na Cidade do México. “Hoje a noite saberemos o que os mexicanos decidiram livremente”, acrescentou. A expectativa é de que o presidente de saída emita um pronunciamento após a divulgação dos resultados, prevista para as 22h.
Favorita na disputa, Claudia Sheinbaum se disse entusiasmada ao depositar seu voto em Tlalpan, Cidade do México. “Temos que votar. Temos todos que sair para voltar”, incentivou. “Esse é um dia histórico. Me sinto feliz”, completou.
Do outro lado, Xóchitl Gálvez reconheceu que a disputa será difícil. “Hoje não vai ser uma dia de piquenique. Vai ser uma jornada dura, difícil, árdua”, disse depois de votar.
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