Computação quântica entra em nova fase

Começou a corrida para encontrar o primeiro uso prático para a computação quântica. É provável que ela seja insignificante em comparação ao potencial máximo da tecnologia: alimentar um computador capaz de resolver qualquer problema em velocidade alucinante. Mas muitos na área acreditam que um marco menos ambicioso será alcançado dentro de dois anos.

O Google afirmou ter alcançado esse marco há dois anos. No entanto, sua demonstração não envolveu um problema prático – um cálculo que um computador clássico não conseguiria resolver -, e a IBM e outras empresas logo mostraram que os computadores clássicos poderiam ser adaptados para contrariar algumas das supostas vantagens do sistema do Google. 

Desde então, muitos pesquisadores mudaram seu foco para algo menos ambicioso. Conhecido como vantagem quântica, esse é o ponto em que um sistema emprega a tecnologia para trazer uma mudança radical na resolução de uma tarefa de computação prática. 

A primeira aplicação prática baseada na vantagem quântica lançará oficialmente a era da computação quântica, segundo previu Peter Chapman, presidente executivo da IonQ, que em 2021 tornou-se a primeira companhia de computação quântica listada em Wall Street. Ele a comparou ao programa de planilhas VisiCalc, que de repente em 1979 “tornou o PC utilizável para negócios” e lançou a era dos computadores pessoais. 

A perspectiva de se encontrar uma aplicação prática para a tecnologia galvanizou o setor nos últimos meses e desencadeou uma competição para ser o primeiro, diz Matt Johnson, presidente executivo da QC Ware, uma empresa de softwares quânticos. “O desafio é estar entre os primeiros a ajudar os clientes corporativos a obter velocidade quântica”, afirma. 

A mudança de marcha da indústria foi motivada pelas melhorias nos sistemas de hardware quântico anunciadas no fim de 2021, juntamente com projeções dos tipos de sistemas que estarão disponíveis daqui a dois anos. 

O hardware teve uma melhora de dez vezes nos últimos dois anos, de acordo com a avaliação de Will Oliver, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Falando na recente conferência de computação quântica prática Q2B, realizada no Vale do Silício, ele afirmou que isso levanta uma nova questão para o setor: se está se aproximando de produzir “algoritmos comercialmente relevantes”. 

As máquinas quânticas de hoje são conhecidas como sistemas NISQ, sigla de “noisy intermediate-scale quantum”. Seu número de bits quânticos, ou qubits, ainda é limitado e os qubits são incapazes de manter seus estados quânticos por mais do que alguns microssegundos, algo que introduz erros ou “ruídos”, nos cálculos (daí o uso do termo “noisy”). Ainda assim, mesmo esses poderiam ser aproveitados para trazer avanços pequenos mas importantes na resolução de problemas do mundo real, segundo pessoas que trabalham com a tecnologia. 

“Se você a está usando para detectar câncer e obtém uma taxa de detecção 2% melhor, vai usar o sistema inferior em um de seus pacientes?”, diz Christopher Savoie, presidente executivo da Zapata, uma empresa de software quântico. 

Em novembro a IBM lançou seu primeiro sistema empregando 127 qubits e traçou um planejamento que, segundo ela, aumentará isso para mais de mil qubits em dois anos. 

“A capacidade de demonstrar vantagem quântica nos próximos dois anos é possível”, diz Dario Gil, diretor de pesquisas da IBM. Embora admitindo que é uma “questão em aberto”, se os desafios técnicos remanescentes poderão ser superados, ele afirma que os avanços em hardware e melhorias no design de algoritmos abriram o caminho para a redução dos ruídos nos sistemas atuais para um nível em que eles sejam úteis. 

Outros afirmam estar num caminho semelhante. A Rigetti Computing, uma startup que pretende abrir o capital por meio de uma venda para uma empresa de aquisições com propósitos específicos, anunciou um sistema de 80 qubit em dezembro, baseado em um novo design modular que une dois processadores de 40 qubits. 

Usando essa nova arquitetura, “antecipamos ter sistemas de cerca de mil qubits em 2024, e 4 mil qubits em 2026”, disse Chad Rigetti, o presidente executivo da companhia. “Esperamos que esses sistemas nos conduzam através dos marcos de vantagem quântica estreita e depois ampla”, acrescentou. 

O hardware mais recente, embora não seja capaz de suportar aplicativos inovadores, colocará ferramentas mais poderosas nas mãos dos pesquisadores. Isso vai acelerar a compreensão de como programar sistemas práticos, afirmam ele e outros especialistas na tecnologia. 

A IBM afirmou ter 27 sistemas quânticos em uso. Segundo a multinacional, 170 organizações, incluindo muitas empresas, estão usando esses sistemas agora para pesquisas. 

“Nossas máquinas estão agora na velocidade, escala e desempenho em que podem codificar e representar instâncias práticas de problemas, em vez de problemas de ‘faz de conta’”, diz Rigetti. Isso tornou possível avaliar seu desempenho na resolução de problemas práticas contra os computadores clássicos mais rápidos de hoje, dando aos pesquisadores sua primeira compreensão real do caminho para a vantagem quântica, acrescentou ele. 

Um uso amplamente esperado para os computadores quânticos – a simulação de moléculas complexas, abrindo caminho para inovações na descoberta de medicamentos e novas tecnologias de baterias – provavelmente está além do escopo dos primeiros sistemas práticos, segundo especialistas da área. 

A menos que haja um “momento eureca”, os computadores capazes desses tipos de simulações estão a pelo menos três anos de distância, afirma Ilyas Khan, presidente executivo da Quantinuum, a companhia formada pela fusão recente da Cambridge Quantum com a divisão de computação quântica da Honeywell.

Em vez disso, ele e outros profissionais da área afirmam que grande parte das atenções no curto prazo mudaram para tentar usar os sistemas quânticos em conjunto com computadores clássicos para melhorar o aprendizado de máquina, a técnica por trás de grande parte da inteligência artificial hoje. Os enormes conjuntos de dados que já existem para apoiar o aprendizado de máquina, juntamente com a escala e a complexidade dos problemas, tornaram esse campo maduro para uma inovação quântica, disse Rigetti. 

O trabalho mais recente no design de algoritmos quânticos mais eficientes tem se concentrado em iniciativas como a resolução de problemas de otimização e escolher um item especial de um grande conjunto de dados – técnicas que poderiam ser usadas para melhorar a modelagem do clima ou identificar possíveis fraudes em cartões de crédito. O Goldman Sachs está entre os bancos que trabalham no uso da tecnologia para melhorar as opções de preços, enquanto que a Volkswagen vem pesquisando meios para otimizar seus processos de fabricação. 

Quer o primeiro uso prático da computação quântica venha de uma dessas companhias, quer venha de bancos, farmacêuticas ou indústrias que tentam aplicar a tecnologia, poucos duvidam que a corrida já começou. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/01/05/computacao-quantica-entra-em-nova-fase.ghtml

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