‘Big Techs’ fazem aquisições em ritmo recorde

As maiores empresas de tecnologia do mundo compraram rivais de menor porte em ritmo recorde neste ano. A onda de aquisições pelas chamadas “Big Techs” ocorre enquanto políticos e autoridades reguladoras dos Estados Unidos se preparam para coibir negócios sendo feitos “fora do radar”. 

Dados da Refinitiv analisados pelo “Financial Times” mostram que as empresas de tecnologia gastaram pelo menos US$ 264 bilhões comprando possíveis futuros rivais por menos de US$ 1 bilhão desde o início de 2021- o dobro do recorde anterior, registrado em 2000 durante a onda das empresas ponto.com. 

A enxurrada de aquisições chega em meio a uma maior fiscalização da Casa Branca, órgãos reguladores e parlamentares, que têm acusado as grandes empresas de tecnologia – em particular, Apple, Facebook, Google, Amazon e Microsoft – de coibir a concorrência e prejudicar os consumidores. 

A Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC, na sigla em inglês) está investigando as aquisições do Instagram e do WhatsApp feitas pelo Facebook, e avisou que pode examinar outras transações já concluídas. A agência tem o poder de desfazer negócios, se os considerar ilegais, e de vetar outros no futuro. 

Na semana passada, a FTC divulgou os resultados de um estudo sobre fusões e aquisições no setor de tecnologia de 2010 a 2019, mostrando um período de dez anos de atividade frenética. Lina Khan, presidente da FTC, disse que o estudo ressalta a necessidade de examinar de perto as exigências de notificação das operações e identificar áreas nas quais a FTC pode ter criado brechas que estão permitindo que negócios fiquem fora do radar. 

Transações cujo valor é calculado em menos de US$ 92 milhões não precisam ser notificadas às autoridades reguladoras dos Estados Unidos. 

A análise de dados feita pelo “Financial Times” mostra que, apesar de tais alertas, o ritmo das fusões e aquisições aumentou nos anos seguintes ao período incluído no estudo. Desde o início deste ano, as empresas de tecnologia assinaram um recorde de 9.222 contratos para comprar startups com valor de menos de US$ 1 bilhão, cerca de 40% acima dos níveis do ano 2000. 

“Isso era inteiramente previsível – em tempos difíceis, as empresas que já estão enraizadas ficam muito mais enraizadas”, disse Barry Lynn, diretor do Open Markets Institute, com sede em Washington. “Essa onda de aquisições é ruim porque torna essas empresas muito mais poderosas. Aumenta seu poder sobre as pessoas que trabalham para elas, sobre os mercados de capitais e os investidores, e obstrui o tipo de competição que pode trazer inovação.” 

As fusões e aquisições de tecnologia de todos os tamanhos atingiram novo patamar em 2021 em parte porque as empresas tiveram de acelerar seus processos de digitalização, à medida que milhões de pessoas se voltaram cada vez mais à internet e ao comércio eletrônico durante a pandemia. 

O estudo da FTC revelou que, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2019, Apple, Facebook, Amazon, Google e Microsoft fizeram 819 aquisições que não foram registradas por não entrarem nos requisitos de notificação. Além do tamanho, os negócios dispensados da obrigação também podem incluir transações internacionais em que o comprador não está assumindo o controle. Khan disse que o estudo colocou em evidência como as grandes empresas de tecnologia se valeram sistematicamente de aquisições de startups para eliminar futuros concorrentes. 

“[O estudo] captura até que ponto essas empresas dedicaram enormes recursos para adquirir startups, portfólios de patentes e equipes inteiras de tecnólogos – e como eles conseguiram fazer isso em grande parte fora do nosso alcance”, disse Khan. 

Negócios com valores inferiores ao limite de notificação de US$ 92 milhões também atingiram um recorde histórico neste ano, de acordo com dados da Refinitiv, com US$ 66 bilhões gastos comprando ativos nessa categoria, em 8.451 transações – 35% a mais que no mesmo período de 2020. 

A Microsoft tem sido a maior compradora de ativos nessa faixa entre as cinco empresas apresentadas no relatório, com nove transações abaixo do limite da FTC. A empresa fundada por Bill Gates também fez negócios maiores, incluindo a aquisição da Nuance, de tecnologia de voz, por US$ 16 bilhões. 

A segunda que mais comprou nessa faixa foi a Amazon, gigante do comércio eletrônico, com oito transações. A empresa de Jeff Bezos também fez um meganegócio ao comprar o lendário estúdio cinematográfico MGM por US$ 8,45 bilhões. 

O relatório da FTC surge em meio a uma batalha para transformar a atividade antitruste dos EUA, liderada pelo governo Biden e pela agência, que ganhou novo poder de fogo na gestão de Khan, agora uma das figuras mais influentes na vanguarda da ofensiva governamental pela concorrência justa. 

Os dados chegam depois de um amplo decreto assinado por Joe Biden em julho com o objetivo de conter a influência das grandes empresas, eliminando práticas anticompetitivas. O decreto, que incluiu diversos setores, desde os de tecnologia e transporte aos bancário e de saúde, é parte da estratégia mais ampla do governo Biden para combater a concentração de poder empresarial em vários setores. 

Apple, Facebook, Amazon, Google e Microsoft fizeram 616 aquisições avaliadas em mais de US$ 1 milhão, sendo que mais de 75% delas incluíam cláusulas de não concorrência para os fundadores e funcionários importantes das empresas-alvo, de acordo com o estudo da FTC. Pelo menos 40% dos negócios em que o tempo de atividade das companhias adquiridas estava disponível envolveram empresas com menos de cinco anos. 

“Eu penso nas aquisições em série como uma estratégia Pac-Man: cada fusão individual, vista de forma independente, pode não parecer ter um impacto significativo, mas o impacto coletivo de centenas de aquisições menores pode levar a um monstro monopolista”, disse Rebecca Kelly Slaughter, uma comissária da FTC. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/09/21/big-techs-fazem-aquisicoes-em-ritmo-recorde.ghtml

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