Por que a Evergrande, empresa chinesa do setor imobiliário, assusta tanto os mercados mundiais?

Por mais de duas décadas, uma empresa do setor imobiliário realizou o sonho da casa própria de milhares de chineses. Fundada em 1996, a Evergrande Real Estate (anteriormente chamada de Hengda Group) detém 1.300 projetos em mais de 280 cidades, de acordo com o site da empresa. E é dona de passivos que somam US$ 300 bilhões. Com uma cifra tão alta, o temor é que o conglomerado deixe de pagar a dívida, provocando um efeito cascata no sistema financeiro mundial. 

Supostamente, a Evergrande enviou uma carta para o governo central de Guangdong em agosto do ano passado, alertando as autoridades de que os pagamentos devidos em janeiro de 2021 poderiam causar uma crise de liquidez e potencialmente levar a uma inadimplência cruzada no setor financeiro. Relatos sobre o pedido de ajuda surgiram em setembro do ano passado — confirmados pela Bloomberg –, fazendo com que as ações e títulos da Evergrande despencassem, mesmo quando a empresa descartou as preocupações. A crise foi evitada, quando um grupo de investidores renunciou ao direito de forçar um reembolso de US$ 13 bilhões. 

Mas isso não foi suficiente, pois ainda havia muitas dívidas a vencer. Evergrande traçou um plano para cortar pela metade seu endividamento de cerca de US$ 100 bilhões até meados de 2023, que inclui vendas de ativos e ofertas de ações. 

De fato, o grupo vai muito além da construção de casas, com investimentos em veículos elétricos (Evergrande New Energy Auto), uma unidade de produção de internet e mídia (HengTen Networks), um parque temático (Evergrande Fairyland), um clube de futebol (Guangzhou FC) e uma empresa de água mineral e empresa de alimentos (Evergrande Spring), entre outras. Em 2020, apresentou lucro líquido ajustado de 30,1 bilhões de yuans (US$ 4,7 bilhões), na segunda queda anual consecutiva. A receita não atingiu as estimativas dos analistas. 

Em agosto, a Evergrande levantou cerca de US$ 8 bilhões, ao vender ações de uma empresa imobiliária de Hangzhou e um banco regional. Também está explorando uma lista de seu negócio de turismo e, possivelmente, o negócio de água. Nenhum deles oferece soluções rápidas, no entanto, porque as vendas provavelmente não seriam concluídas antes do próximo ano. Enquanto isso, a dívida da empresa foi rebaixada repetidamente; a Fitch Ratings disse, no dia 8 de setembro, que parecia provável um calote. 

Com isso, o preço das ações e títulos despencou, mas Hui Ka Yan, o proprietário bilionário, tentou tranquilizar banqueiros de que a imobiliária sobreviverá. Os investidores não sabem ao certo como. 

Sabe-se que o governo tem feito pressão para Hui diminuir as dívidas. Até por isso, ele tem tentado atrair magnatas para o seu conglomerado. Ele aumentou os laços financeiros com impérios imobiliários administrados por membros do Big Two Club, assim chamado por causa de sua predileção por um jogo de pôquer chinês. Ao todo, três amigos do pôquer estiveram envolvidos em pelo menos US$ 16 bilhões em transações com Evergrande na última década. Outro benfeitor surgiu em julho, quando a Asia Orient Holdings Ltd., liderada pelo misterioso magnata Poon Jing, aumentou sua grande posição em títulos Evergrande. 

Mas, afinal, quanto Hui tem de pagar no curto prazo?

Até o fim deste ano, precisará desembolsar US$ 669 milhões em pagamentos de cupons, dos quais cerca de US$ 615 milhões estão em títulos em dólar da Evergrande, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Em março do ano que vem, vencem US$ 2 bilhões dos 

títulos da Evergrande, seguidos por US$ 1,45 bilhão no mês seguinte. Embora Evergrande tenha reembolsado todos os seus títulos públicos deste ano, o refinanciamento em 2022 pode se tornar um desafio caso o mercados de capitais se feche para a empresa, disse a S&P. 

Se fechar, por que Pequim não interferiria? É um dilema. Um resgate iria dar sinal verde para esse tipo de empréstimo imprudente que também colocou em apuros empresas como o Anbang Group Holdings Co. e o HNA Group Co. Além disso, criaria uma tolerância nos negócios na crença de que o estado sempre pode salvar a empresa. Só que permitir o colapso de uma grande empresa interconectada como a Evergrande repercutiria em todo o sistema financeiro e também seria sentido por milhões de proprietários chineses.

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/09/20/por-que-a-evergrande-uma-empresa-chinesa-do-setor-imobiliario-assusta-tanto-os-mercados-mundo-afora.ghtml

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