Biden joga o seu futuro na aprovação de pacote econômico

Na volta de uma viagem à Costa Oeste do país, na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez uma parada na frente de painéis solares e um moinho de vento gigante no sopé das Montanhas Rochosas, para fazer a melhor propaganda possível para a sua agenda econômica de trilhões de dólares. 

“Nós estabelecemos uma meta, e a meta é alcançável. Eu prometo a vocês, eu prometo a vocês”, disse o presidente nos arredores de Denver, no Colorado, na terça-feira. “Isso gerará um grande crescimento econômico, reduzirá a inflação e porá as pessoas em uma situação na qual essas lindas crianças aí atrás nunca terão de se preocupar com aquilo que nos preocupa hoje.” 

Com o fim do recesso e a volta do Congresso à atividade plena nesta semana, o governo Biden entra em um período decisivo. 

O veredicto sobre os presidentes da era moderna, mesmo aqueles que são reeleitos, geralmente gira em torno das conquistas legislativas de seus primeiros 18 meses no cargo. Apesar de todo o barulho e recriminações durante o verão americano por causa da retirada caótica das tropas do Afeganistão e da disseminação da variante delta da covid-19, as próximas semanas de negociações a respeito dos planos de gastos do presidente é que serão o verdadeiro momento determinante para Biden. 

Se a Casa Branca conseguir o que quer, o presidente garantirá a aprovação do Congresso para investir quase US$ 5 trilhões, combinados em duas projetos de lei, em infraestrutura, creches, educação, serviços de saúde e combate à mudanças climáticas. E parte desses recursos virão dos aumentos de impostos sobre os mais ricos e as empresas. 

Politicamente, isso representaria uma grande vitória legislativa para Biden, depois de um verão brutal que levou a uma queda nos seus índices de aprovação. Também permitiria aos congressistas democratas – com auxílio do presidente – “venderem” os projetos de lei como uma ajuda concreta para as famílias de renda média e baixa nos Estados Unidos. NO ano que vem o país terá eleições legislativas de meio de mandato presidencial, e os democratas correm o risco de perder suas mirradas maiorias na Câmara e no Senado. 

Mas, se os projetos não forem adiante, isso pode deixar o presidente, de 78 anos, politicamente vulnerável e abalar sua promessa aos eleitores e ao restante do mundo de que pode restaurar o poderio do governo americano. 

“As grandes promessas que ele fez de construir uma economia mais forte e mais estável dependem desses investimentos”, afirmou John Podesta, chefe de Gabinete da Casa Branca na gestão de Bill Clinton. “É o momento do ‘tudo ou nada’ em termos de conseguir aprovar os projetos, e conseguir aprová-los intactos.” 

O que será cortado? 

E garantir a aprovação das medidas no Congresso está longe de ser uma certeza. Enquanto um projeto de lei que destina US$ 1,2 trilhão para gastos com infraestrutura física – de estradas e pontes a banda larga – tem algum apoio republicano, a maior parcela dos planos de despesas de Biden, de US$ 3,5 trilhões, incluídos os aumentos de impostos, só tem respaldo dos democratas, o que não deixa quase nenhuma margem para deserções dentro do partido do presidente. 

Em março deste ano, logo depois da posse de Biden, os democratas se uniram para aprovar seu plano de estímulo fiscal de US$ 1,9 trilhão, para tirar a economia americana da retração de inverno desencadeada pelos novos surtos que surgiam de covid-19. 

No entanto, já era previsível que conseguir fazer com que os parlamentares se unissem em torno de um pacote muito maior, que inclui os aumentos de impostos, seria um trabalho muito mais difícil, especialmente com relação aos democratas moderados e aos conservadores. 

Na semana passada, Biden conversou com alguns dos principais congressistas envolvidos nessas negociações: ele convidou para a Casa Branca os senadores Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema, do Arizona, em uma tentativa de convencer esses democratas moderados, mais céticos. Biden também fez uma teleconferência com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, para refinar sua estratégia de negociação. 

“Há os que querem ver o pacote cortado. E há os que querem que o pacote seja totalmente financiado sem nenhum tipo de gracinha. Acho que a dinâmica mais importante é quanto dinheiro eles podem levantar, e quanto investimento isso cobrirá. E, se não chegarem aos US$ 3,5 trilhões, o que poderá ser cortado?”, afirma Podesta. 

Para complicar ainda mais a questão, os EUA correm contra o relógio, pois têm até o fim do mês para garantirem o financiamento do governo ou podem sofrer uma paralisação federal e correr o risco de um default na dívida soberana se não aumentarem seu limite de tomada de crédito logo. 

“O fracasso não é uma opção para os democratas e nem para o presidente. Mas como tudo isso se encaixa… talvez seja o cubo de Rubik mais complicado que se pode imaginar”, disse o senador democrata Mark Warner ao “Financial Times”. 

No início de seus governos, os democratas que antecederam Biden aprenderam da maneira mais dura como pode ser difícil conquistar o tipo de grande objetivo legislativo que determina um legado – apesar do fato de que tinham maiorias muito mais amplas no Congresso. Barack Obama teve de aguentar meses de negociações dolorosas sobre sua bandeira de mudança dos serviços de saúde e sobre as reformas de Wall Street até serem finalmente aprovadas, enquanto os esforços de Bill Clinton para reformar o sistema de saúde deram em nada depois de mais de um ano de negociações. 

As ramificações mundiais das negociações fiscais de Biden também são significativas. A adoção de suas medidas contra as mudanças climáticas seria um sinal do compromisso dos EUA de reduzir as emissões de carbono – o que daria um ímpeto a mais para um acordo na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CoP-26) de Glasgow, em novembro. 

Já as promessas dos Estados Unidos sobre a definição de um novo regime tributário internacional para empresas na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) dependem de que as disposições do acordo sejam aprovadas pelo Congresso. 

De modo mais geral, as autoridades americanas têm dito que seria crucial para o governo Biden aumentar os seus investimentos internos de forma maciça, pelo menos de início, para projetar seu poderio ao redor do mundo mais efetivamente e provar que os sistemas democráticos podem ser funcionais. 

“É preciso redefinir o quadro em termos de fortalecimento das instituições, mas, ainda mais importante, fortalecer a ideia de que o governo pode fazer coisas boas para ajudar a vida das pessoas”, diz Warner. 

Josh Lipsky, diretor do centro de estudos GeoEconomics Center, do Atlantic Council, disse que nas próximas semanas os EUA poderiam ver Biden “não conseguir avançar com o cerne de sua agenda interna”, de forma concomitante a uma crise sobre o teto da dívida no país, ou, por outro lado, ver Biden conseguir um aumento no limite de endividamento juntamente com “um importante acordo” tanto na infraestrutura física quanto na humana, que permitiria ao país gastar do que qualquer outro mais numa “reconstrução”. 

“São dois cenários muito diferentes que o mundo poderá ver se desdobrando em outubro. E ambos são possibilidades neste momento”, diz Lipsky. 

Desaceleração no crescimento 

A incerteza e as divisões sobre o destino dos planos de gastos do governo Biden coincidem com um ponto de inflexão na recuperação dos EUA da pandemia. A fortíssima expansão registrada no início de 2021 já deu lugar a um crescimento mais lento e a uma súbita desaceleração na criação de empregos, em decorrência da alarmante disseminação da variante delta do coronavírus, mais contagiosa. Como resultado, os economistas apressaram-se em reduzir suas projeções para o ano, consolidando o ponto de vista de que o ritmo de recuperação da economia dos EUA já deixou seu ponto mais alto para trás. 

“As palavras de ordem poderiam ser, ‘já passamos da [recuperação em forma de] V’”, diz Michael Gapen, economista-chefe do Barclays para os EUA, referindo-se ao tipo de recuperação desde o impressionante colapso de 2020. “Nós tivemos uma grande contração e tivemos uma grande recuperação. Estamos entrando em algo que parece ser uma fase tradicional de recuperação, na qual as taxas de crescimento devem estar se desacelerando.” 

Ainda assim, o Federal Reserve também se prepara para moderar sua política de estímulos econômicos, a começar pela redução do programa de compra de ativos de US$ 120 bilhões ao mês, adotado em 2020 para fortalecer os mercados financeiros e incentivar a recuperação. 

“Esta vem sendo uma recuperação respaldada pelo governo num grau nunca antes visto na história, mas o que estamos vendo agora é uma passagem de uma economia sustentada pelo governo a uma economia que precisa ficar de pé por conta própria”, diz Nela Richardson, economista-chefe do ADP Research Institute. 

O panorama da inflação também ficou mais complicado. Surgem os primeiros sinais de que alguns dos fortes aumentos nos preços dos setores mais sensíveis às interrupções provocadas pela pandemia (como os de carros e de despesas de viagens) estão desaparecendo, mas eles poderiam estar sendo substituídos por pressões inflacionárias mais persistentes em outros setores. 

“Estamos vendo a inflação transitória se transformando em deflação transitória em algumas categorias, embora em outras categorias exista a impressão de que há certa disseminação da inflação”, diz Michelle Meyer, chefe de economia nos EUA do Bank of America Merrill Lynch. 

Benefícios para todos 

Muitos republicanos veem os planos de gastos de Biden como uma grande tolice nesta fase da recuperação. Argumentam que tais investimentos são desnecessários, que os aumentos nos impostos serão prejudiciais e que o resultado será alguma forma de estagflação. “Eles estão ávidos por lançar mais uma onda maciça e imprudente de gastos e de impostos multitrilionários – um esforço para levar nosso país à esquerda para sempre”, disse o senador Mitch McConnell, líder da minoria republicana, no plenário do Senado nesta semana. “É a última coisa que as famílias americanas podem arcar.” 

Mas os democratas e a Casa Branca tentam dissipar qualquer preocupação de que essa parte de sua agenda econômica seja inflacionária, já que os gastos serão espalhados por dez anos e serão custeados principalmente por aumentos na arrecadação do governo, ao contrário dos estímulos imediatos, financiados por déficit. 

No longo prazo, eles esperam que isso impulsione o a taxa de crescimento potencial dos EUA, ao conseguir finalmente solucionar a falta crônica de investimento em bens públicos essenciais e tornar o código tributário menos inclinado a favor dos ricos. Dessa forma, reduziria também as desigualdades raciais e a falta de mobilidade no que se refere à renda. De acordo com Jay Campbell, um pesquisador democrata da Hart Research, mesmo se o projeto final for diluído e tiver o tamanho encolhido para agradar os democratas de centro, ainda será um resultado politicamente benéfico para o partido. 

“[O projeto] impactará a vida das pessoas de muitas maneiras diferentes, de maneiras que serão essencialmente úteis para elas – e os democratas terão algo para apontar como tendo sido um feito real nos primeiros dois anos de governo do partido unificado”, diz ele. 

Depois de voltar do Colorado para Washington e de ter visto os republicanos continuarem atacando o pacote e os democratas ainda brigando, Biden fez um novo discurso na Casa Branca, que parecia pensado para conclamar as próprias tropas a se unir e a seguir em frente na reta final do processo legislativo. 

“Esta é uma oportunidade para sermos a nação que sabemos que podemos ser – uma nação onde todos nós, não apenas os que estão no topo, ganhem uma parcela dos benefícios de uma economia que estará em alta nos próximos anos”, disse Biden. “Não desperdicemos este momento tentando preservar uma economia que não tem funcionado muito bem para os americanos há muito tempo.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/09/21/biden-joga-o-seu-futuro-na-aprovacao-de-pacote-economico.ghtml

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