Biden aposta em posição prudente

O ex-vice-presidente Joe Biden apostou numa posição prudente na segunda-feira 8 ao defender uma reformulação das forças policiais, mas não uma retirada de financiamento para os departamentos de polícia, rebatendo novo ataque republicano de que tenta se aproveitar do crescente ativismo contra o racismo sistêmico, mas não se indispor com os manifestantes ou eleitores mais moderados.

Diante das persistentes manifestações para “retirar o financiamento da polícia” em todo o país, após a morte de George Floyd, a campanha de Biden emitiu declaração de que ele “ouve e compartilha da profunda dor e frustração daqueles que exigem mudanças e a apoia “a necessidade urgente de reforma”. Mas o porta-voz da campanha do democrata, Andrew Bates, disse enfaticamente que Biden é contrário a um corte de verba para a polícia e entende que mais gastos são necessários para aprimorar as forças policiais e o policiamento comunitário.

Essa tentativa de Biden para atender aos apelos dos manifestantes e, por outro lado, apoiar os órgãos de segurança acontece depois que vídeos repugnantes exibidos e protestos vigorosos vêm mudando a opinião da população sobre o problema da discriminação racial e ao que parece abrindo uma janela importante para novas políticas que podem resultar numa ampla reformulação das agências de segurança pública acusadas há muito tempo de práticas racialmente discriminatórias.

Divisões

Mas já há sinais de divisão entre os ativistas ansiosos para desmantelar os departamentos de polícia e os democratas no Congresso que defendem mudanças menos drásticas nesse âmbito.

A campanha do presidente Donald Trump e republicanos de vanguarda procuraram semear a discórdia entre os apelos imediatos, mas progressivos, no sentido de mudanças, da parte dos democratas eleitos e as demandas dos manifestantes em áreas como Minneapolis, onde a morte de Floyd pela polícia provocou manifestações em todo o mundo exigindo mais justiça racial.

Trump, por seu lado, não endossa nenhuma mudança dos procedimentos da polícia ou quanto ao financiamento das forças de segurança. Na segunda-feira, ele se reuniu com autoridades policiais na Casa Branca e as elogiou, afirmando que todos os policiais “são ótimas pessoas”, e alardeando no Twitter que o crime diminuiu em todo o país.

O debate dentro do Partido Democrata ficou bem à mostra na segunda-feira, quando líderes congressistas anunciaram um amplo programa legislativo sobre a polícia, incluindo novos limites para o uso de força letal e com relação às proteções concedidas a policiais acusados de má conduta. Horas antes, progressistas em Minneapolis prometeram acabar com o sempre turbulento departamento de polícia da cidade e fazer uma completa reorganização.

Indagado por Norah O’Donnel, da CBS, se apoiava a retirada de fundos para a polícia, Biden respondeu: Não. Não apoio isto, mas defendo condicionar a ajuda federal para a polícia desde que ela atenda determinados critérios básicos de decência e probidade”.

A posição de Biden, que outro importante democrata, Bill Clinton, resumiu com a frase “conserte, mas não elimine”, aproximou-o mais dos legisladores em Washington do que dos ativistas e parlamentares de esquerda no plano municipal. Sua posição atraiu um amplo apoio de autoridades do Partido Democrata e de vários líderes de grupos de defesa dos direitos civis, como também de políticos de Estados considerados decisivos quanto ao resultado da próxima eleição geral.

Isto em parte porque alguns democratas apoiam as demandas dos ativistas no sentido de cortes importantes nos orçamentos destinados à polícia ou mesmo do fechamento completo de departamentos de polícia. Respondendo a tais apelos, muitos líderes do partido têm mostrado simpatia pelas queixas formuladas pelos críticos da polícia, mas rejeitando, como Biden, ideias como uma abolição da polícia.

Vários líderes jovens negros afirmam que Biden deve implementar um reexame completo da justiça criminal e buscar e promover ativistas que vêm organizando manifestações pacíficas. “Isso o colocará diante de pessoas com as quais normalmente não depara e demonstrará que tipo de líder ele é”, afirmou o governador de Michigam, Garlin Gilchrist.

Quentin James, que dirige uma organização dedicada a eleger autoridades afro-americanas, afirmou: “não acho que precisamos que Biden diga para ‘retirar o financiamento da polícia’, mas ele pode ajudar a promover grupos como o Collective PAC que vêm tentando eleger promotores defensores de reformas”.

Campanhas 

As tentativas de Trump para montar uma campanha mais branda nesse assunto se contrapondo a Biden podem ser problemáticas. A eleição de 2020 afinal não é a primeira tentativa de Biden para equilibrar o apetite da sociedade por mudanças com um conservadorismo profundamente enraizado em grande parte do país.

Ele canalizou a cólera dos eleitores jovens furiosos com a guerra do Vietnã e o escândalo do Watergate e se elegeu para uma vaga no Senado no mesmo ano que Nixon foi reeleito por uma maioria esmagadora graças aos evidentes excessos cometidos pela esquerda democrática e seu indicado para disputar a eleição, George McGovern.

Desde então, Biden, de 77 anos, tem equilibrado cuidadosamente as paixões dos ativistas com as sensibilidades do centro político, apresentando-se como um defensor da igualdade racial e um aliado confiável das forças encarregadas da segurança pública.

Sua declaração na segunda-feira e um discurso que proferiu na semana passada na Filadélfia refletiram os impulsos de uma pessoa que, durante grande parte da sua carreira, representou um Estado que era politicamente competitivo e dividido entre uma camada fortemente urbana e uma rural, ao sul, “mais lenta”.

Biden também vem descobrindo ser mais fácil apoiar uma reformulação da polícia porque as pesquisas mostram uma mudança considerável no tocante a este assunto, o que torna mais difícil para Trump influenciar com seus apelos repetidos de respeito “à lei e à ordem”.

Uma nova pesquisa da NBC News/Wall Street Journal indica que somente 27% dos eleitores estão mais preocupados com as manifestações, algumas delas violentas, do que com a morte de Floyd e a conduta da polícia.

“Com as gravações de vídeo que estamos vendo agora, mesmo o eleitor típico que defende totalmente a lei e a ordem não pode ignorar o fato de que algumas delegacias de polícia, dentro do departamento, não respeitam a lei e a ordem”, afirmou Anthony G. Brown, democrata de Maryland, que equiparou este momento à violência da polícia contra os manifestantes em favor dos direitos civis nos anos 1960, época em que “os americanos decentes acordaram e disseram, ‘hei, algo está errado, temos de fazer alguma coisa’”.

No momento, encorajados pelas pesquisas sobre a questão policial, muito democratas dentro do partido estão cautelosos em manter excessiva confiança nas manifestações de apoio da parte dos eleitores brancos que historicamente abominam ver autoridades públicas em discordância com a polícia.

Em parte por esta razão, os líderes negros estão ansiosos para ver os democratas pressionarem fortemente nas próximas semanas no sentido de mudanças no âmbito da polícia que foram propostas na segunda-feira, esperando que sejam aprovadas rapidamente num clima que hoje é favorável, mas pode se tornar frágil.

Marc Morial, presidente da National Urban League, acredita que o país está “num momento de transformação” e a morte de Floyd abalou os eleitores brancos, os quais, da simpatia passiva passaram a manifestar um apoio ativo a uma reformulação das forças de segurança pública. “Acho que sempre houve um apoio, mas calado”, afirmou Morial, que foi duas vezes prefeito da cidade de Nova Orleans. Segundo ele, agora existe uma nova maioria e ela não é silenciosa.

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