Abdulrazak Gurnah conquista o Prêmio Nobel de Literatura de 2021

A Academia Sueca anunciou hoje o Prêmio Nobel de Literatura para o romancista Abdulrazak Gurnah, nascido em Zanzibar (Tanzânia) e residente no Reino Unido, onde chegou como refugiado. Gurnah se aposentou como professor e diretor dos estudos de graduação do Departamento de Inglês da Universidade de Kent. Tem 73 anos e escreve em inglês

O prêmio foi concedido, segundo o porta-voz que fez o anúncio em Estocolmo, “por sua intransigente e compassiva investigação dos efeitos do colonialismo e do destino dos refugiados no abismo entre culturas e continentes”. Gurnah é um dos poucos escritores negros – entre eles Toni Morrison e Wole Soyinka – a ganhar o prêmio. Soyinka, nigeriano, Nobel de 1986, havia sido o mais recente autor africano negro a ganhar o prêmio. 

Em sua primeira declaração, Gurnah considerou a premiação “maravilhosa” e mencionou o fato de ser distinguido entre grandes escritores. Mais tarde, no Twitter, ele dedicou o prêmio “à África, aos africanos e a todos os meus leitores”. O escritor, cuja primeira língua foi o suhaili, saiu da Tanzânia nos anos 1960 para fugir da perseguição da ditadura de Abeid Karumen por ter origem árabe. Só retornou ao país em 1984, quando seu pai morreu. Ele disse hoje que os temas dos deslocamentos humanos são até mais atuais do que naqueles tempos. “As pessoas estão morrendo e sendo feridas em todo o mundo”, declarou. “Precisamos lidar com esses assuntos do modo mais cuidadoso.” 

Nenhum livro de Gurnah foi traduzido no Brasil. Sua obra se compõe de dez romances, além de coletâneas de contos e ensaios. Entre seus romances mais conhecidos estão “Paradise” (1994), que foi finalista do Booker Prize, “Desertion” e “Gravel Heart”. 

Anders Olsson, presidente do Comitê do Nobel, disse que os romances de Gurnah, desde a estreia com “Memory of Departure” (1987), sobre uma rebelião mal- sucedida, até o mais recente, “Afterlives” (2021), “fogem das descrições estereotipadas e abrem nosso olhar para a diversidade da África Oriental, desconhecida em outras regiões do mundo”. 

Numa entrevista em 2016, perguntado se chamaria a si mesmo de autor pós- colonial, Gurnah respondeu: “Eu não usaria essas palavras e não me chamaria de escritor de nenhum tipo. Na verdade não estou certo se me chamaria de qualquer coisa além do meu próprio nome.” 

Olsson destacou ainda que “Paradise” é “uma óbvia referência a Joseph Conrad em seu retrato de um herói jovem e inocente, Yusuf, e sua jornada para o coração das trevas”, assim como uma fábula sobre o amadurecimento e uma triste história de amor. Já o recente “Afterlives” trata de Ilyas, que foi sequestrado de seus pais por tropas coloniais alemãs quando criança e volta a sua aldeia depois de anos de combate numa guerra contra seu próprio povo. 

Nobel de Literatura 2019 vai para nomes envoltos em polêmicas 

O escritor chegou ao Reino Unido em 1968. Entre 1980 e 1982 foi conferencista na Bayero University Kano da Nigéria. De volta a Kent, Gurnath obteve o PhD. Além de obras de ficção, publicou ensaios sobre literatura africana. 

O jornal inglês “The Guardian” descreveu sua obra mais recente, “Afterlife”, como “um romance instigante, que se aproxima de todos os que estão destinados a ser esquecidos mas recusam seu apagamento”. Olsson disse ainda que “no universo de Gurnah, tudo está mudando – lembranças, nomes, identidades. Isso provavelmente porque seu projeto não se completa em nenhum sentido definitivo. Uma permanente análise conduzida por paixão intelectual está presente em todos os seus livros, de forma tão proeminente agora como na época em que ele começou a escrever, quando era um refugiado de 21 anos”. 

Mais uma vez a escolha do Nobel contrariou todas as expectativas. O nome de Gurnah não constava nem das mais longas listas de favoritos e das casas de aposta divulgadas nos últimos dias. O porta-voz disse que Gurnah foi informado pela manhã de que era o ganhador do prêmio e que o encontrou “na cozinha”. Disse que havia questões práticas a tratar, já que, devido à pandemia, a entrega do prêmio, como em 2020, não será feita num encontro na Suécia no fim do ano, como é tradicional. O ganhador recebe 10 milhões de coroas suecas, o equivalente a US$ 1,14 milhão

Tendência pacificadora 

O Nobel com viés fortemente humanista e diversificado deste ano segue a tendência pacificadora do ano passado – quando foi premiada a poeta americana pouco conhecida Louise Glück – depois de um período de controvérsias

Em 2019, a premiação causou revolta ao ser conferida ao austríaco Peter Handke, um defensor do líder sérvio Slobodan Milosevic, que morreu quando estava sendo julgado por crimes contra a humanidade no Tribunal de Haia. 

No ano anterior, o anúncio havia sido adiado em razão de um escândalo sexual entre os membros do comitê de premiação (o nome da escritora polonesa Olga Tokarczuk foi anunciado em 2019, junto com Handke). Em 2016, a escolha recaíra sobre Bob Dylan, que, embora seja um nome que não corresponde aos requisitos habituais de literatura, não chegou a ser totalmente imprevista. 

https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2021/10/07/abdulrazak-gurnah-conquista-o-premio-nobel-de-literatura-de-2021.ghtml

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