A fragmentação da multilateralidade já começou

Núcleo de Estudos e Negócios Americanos

Coordenador: Prof. Dr. Roberto Rodolfo Georg Uebel

A eleição de Donald Trump, baseada em uma plataforma de questionamento das instituições e do modus operandi de seus antecessores, também trouxe críticas às organizações oriundas do multilateralismo e herdeiras de Bretton Woods, no longínquo, mas sempre presente, ano de 1944.

O anúncio da saída da Organização Mundial da Saúde e do Acordo do Clima de Paris, bem como o encerramento do financiamento e da estrutura de agências federais e organismos externos, como a USAID e o Tribunal Penal Internacional, respectivamente, sinaliza aquilo que estamos chamando de uma “fragmentação da multilateralidade”. Talvez o exemplo mais didático para compreender essa mudança de regime seja um copo ou uma garrafa de vidro que, ao serem atirados ao chão, se fragmentam em dezenas de pedaços e que, mesmo que colados com toda a precisão e acurácia, jamais conseguirão exercer plenamente suas funções anteriores. É isso que estamos testemunhando com o multilateralismo e suas instituições, como a própria Organização Mundial do Comércio, cujas medidas contra a “Taxa Trump” sequer foram discutidas nos painéis do Sistema de Solução de Controvérsias.

No âmbito securitário, a Organização do Tratado do Atlântico Norte se vê diante de um dilema no qual, sem ser consultada, Trump, Vance, seu vice-presidente, e Marco Rubio, o secretário de Estado, ensaiam uma aproximação com Putin, chegando ao ponto de convidá-lo a retornar ao G7, bloco do qual a Rússia foi expulsa em 2014 após a anexação ilegal da Crimeia. Para os europeus remanescentes no bloco, resta clara também a desvalorização da organização, que, ainda na primeira administração Trump, foi alvo de duras críticas devido às elevadas cotas de contribuição dos norte-americanos para a defesa de países como Portugal e Islândia.

Enquanto isso, a China e demais nações do Sudeste Asiático, principalmente, observam cautelosamente os próximos estágios dessa mudança de regime, seguindo o velho jeu de rôle, para agir apenas quando provocadas. Afinal, para Xi Jinping, o que representam quatro anos de uma administração Trump considerando os planos chineses de longuíssimo prazo?

Para a União Europeia e para nós, na parte meridional das Américas, cujo golfo ainda se chama do México, resta compreender essas mudanças e fragmentações em curso e levar adiante alternativas, seja com os próprios BRICS — o que obrigaria os europeus a negociarem com os russos — ou com o tão aguardado acordo Mercosul-União Europeia, que, quiçá, será a salvaguarda em um mundo Trump 2.0 e de fragmentação não apenas da multilateralidade, mas da própria multipolaridade.

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