Vida longa para os programas de auditório

Da mesma maneira que alguns ruidosos anúncios fúnebres recentes, propagando o fim da história, dos jornais e do livro, o mais novo, que dá conta da morte dos programas de auditórios após o fim do contrato do apresentador Fausto Silva com a TV Globo, em dezembro deste ano, também carece de atestado de óbito. 

Para os publicitários de algumas das principais agências do país, a despedida do Domingão do Faustão não implica na aposentadoria do formato dos programas de auditório. “Essas falsas profecias são coisa de aprendiz de Nostradamus”, diz Mario D’Andrea, presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap). 

Ele lembra que programas de auditório continuam fazendo sucesso em todo o mundo. “Nos Estados Unidos, o de Ellen DeGeneres e o Saturday Night Live”, lembra. “No Brasil ocupam praticamente toda a grade do SBT, rede que disputa a segunda maior audiência do país.” 

O chefe de mídia da Almap/BBDO, Fabio Urbanas acompanha o apresentador Fausto Silva desde os tempos do programa Perdidos na Noite, (1984-1988). Naquela época disputava ingressos grátis no Teatro Zaccaro, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, onde aconteciam as gravações. 

 “Era a única oportunidade de conhecer as novas bandas de rock brasileiras, como IRA e Camisa de Vênus”, diz. Além disso, o apresentador tinha língua afiada sobre a política do país, que acabara de deixar os tempos de regime militar. 

Fausto, afirma Urbanas, sempre foi uma voz independente e crítica, consistente ao longo de sua carreira. “Ele faz a ponte com um público abrangente e numeroso. Vira a voz da marca e as marcas sabem que têm resultado de mídia na hora”. 

O exemplo clássico de sucesso, citado pelos publicitários, foi o “Avião do Faustão”, que em 2010 passou a promover os produtos da Procter & Gamble (P&G), empresa mais conhecida naquele momento por suas marcas Gillette, Oral B e Ariel. Depois da promoção, a marca-mãe passou a ser familiar a mais de 140 milhões de brasileiros. 

Urbanas cita o exemplo mais recente da promoção de sua agência com a Cielo, máquina de pagamento. Depois da exposição no programa de Luciano Hulk, no ano passado, a marca multiplicou por cinco as buscas no Google, por três as visitas no site e por quase cinco as conversões em venda. 

“As empresas sabem que com apenas um golpe conseguem um grande resultado. Os apresentadores têm grande afinidade e credibilidade com seu público”, observa Urbanas. “É uma bomba publicitária de grande abrangência que atinge pessoas de todos os níveis em todos os locais”, compara. 

O preço da exposição de um produto dentro do programa de Fausto Silva não é fixo, mas pode custar, dependendo do tipo de promoção, tão caro quanto um anúncio no intervalo do Jornal Nacional, considerado o mais caro da TV brasileira. 

Ainda está longe para um influenciador digital conseguir a intimidade com o público e o poder de transferência de um apresentador de TV, de sua imagem para um produto. A diferença mostra D’Andrea é aritmética: “um influencer com 30 milhões de seguidores tem a atenção deles em algum momento, por alguns minutos. Já na TV um apresentador tem a atenção de 30 milhões de pessoas ao mesmo tempo durante horas”. 

Os programas de auditório, acrescenta Hugo Rodrigues, CEO da WMcCann, trazem o dinamismo do acontecimento ao vivo, da improvisação: “levam os produtos para a massa, para os convidados, aproveitam a plateia para fazer degustação, passam veracidade”. 

Além disso, os programas de auditório têm a vantagem da maleabilidade, afirmam os publicitários. Como não têm roteiro fixo, como por exemplo, uma novela ou série, pode-se incluir um quadro novo, um desafio, um sorteio. Isso tudo sem quebrar o diálogo entre apresentador e auditório. 

A pandemia proibiu as aglomerações e as plateias, mas abriu outras formas de interação com o público. Rodrigues lembra o sucesso das lives com público virtual e as interações que, segundo ele, podem ficar mais rápidas e fluidas com a chegada da tecnologia 5G.

“A carta foi substituída pelo QR Code”, diz Urbanas, da Almap. Os sorteios tradicionais nos programas de auditórios são feitos virtualmente, assim como as compras. “O programa de auditório é um modelo em transformação”, diz Maurício Almeida, vice- presidente de mídia da Publicis. 

Para ele, esse formato, longe de acabar, vai adotar novas formas de interação com o público, usando também o ambiente digital: “Os comunicadores vão buscar uma extensão da conversa deles com o público pelos meios digitais”. Em sua opinião, “os programas de auditório são uma fonte importante de receita para as TVs, é difícil substituir o endosso que o apresentador passa para uma marca ou um produto”. 

Almeida destaca a proximidade que o apresentador Fausto Silva tem com as marcas e produtos que apresenta. “Ele procura conhecer a fábrica, o dono, os funcionários e ainda sugere adaptações nas mensagens que passa para seu público”, ressalta. 

O mesmo pode-se dizer de Silvio Santos, que vende em seu programa produtos das próprias empresas. A fórmula é tão lucrativa que fez do apresentador, proprietário do próprio canal de televisão. 

O que é veiculado nas TVs é o grande motivador das conversas no meio digital, lembra o vice-presidente da Publicis. “A transmissão ao vivo da decisão da Libertadores foi o assunto mais comentado no Twitter, no TikTok e em todo o meio digital. Assim como o que acontece nos reality shows.” 

O diretor de marketing do Santander, Igor Puga, chama a atenção para o erro do raciocínio dualista, que exacerba a importância do digital e menospreza a dos veículos tradicionais. Em recente artigo ele mostra que as plataformas digitais, como Google, Facebook, Microsoft e Apple estão ultrapassando empresas tradicionais entre os maiores anunciantes nas TVs, rádios e jornais. 

Almeida dá o exemplo do lançamento do aplicativo de compartilhamento de vídeos TikTok no Brasil durante o reality show A Fazenda, da Rede Record. A exposição na TV fez os downloads aumentarem exponencialmente no mercado brasileiro. 

Quatorze ações de marketing com o líder do programa, o Fazendeiro, durante o programa, fizeram a página de A Fazenda no TikTok se tornar o reality show mais acompanhado em todo mundo, com 5,6 milhões de seguidores na plataforma. E o programa na TV saltou em audiência de 6,9 em 2019 para 11 em 2020. 

O publicitário diz que “tira o chapéu” para comunicadores como Fausto Silva e Silvio Santos, que conseguem entreter um auditório durante horas com espontaneidade e proximidade, sabendo como conduzir as interações com o público. 

A faixa horária ocupada pelos dois, domingo à tarde, segundo Almeida, ficou consagrada para programas familiares. Ele ainda não arrisca palpites sobre como ela será ocupada no futuro, nem quem seriam os possíveis candidatos a substituir os atuais apresentadores. Mas já enxerga alguns talentos despontando com desembaraço e empatia com o público. 

Rodrigues, da McCann, afirma que a publicidade irá aonde for a audiência. “Não adianta fazer uma programação que nós (um pequeno grupo) achamos bacana. O público tem que gostar. Isso é o que define se uma empresa vai patrocinar ou não um programa”, diz. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/02/05/vida-longa-para-os-programas-de-auditorio.ghtml

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