Nova diretora-geral da OMC terá pouca margem de manobra

A nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala será a primeira mulher a ocupar o cargo de diretor- geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Sua escolha está praticamente consolidada, após o anúncio do novo governo dos EUA de apoiá-la. Ela substituirá o brasileiro Roberto Azevêdo, que partiu um ano antes do previsto e agora é vice- presidente mundial da PepsiCo. 

No ano passado, um comitê de seleção anunciou que a representante da Nigéria havia recebido o maior apoio na rodada final de consultas junto aos 164 membros da OMC. Mas o governo do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, reagiu vetando a nigeriana, no que foi interpretado como sinal do desengajamento americano na entidade. Agora, o governo Biden aceitou o nome da nigeriana, descartando a possibilidade de recomeçar o processo de seleção do zero. 

A questão é saber o que Iweala poderá fazer para revigorar a OMC, entidade-chave na governança global. Aos 66 anos, ela tem ampla experiência internacional. Mas será difícil ter um papel ativo na reconfiguração das regras globais. Sua margem de manobra é muito estreita, para enfrentar enormes desafios. Os membros, sobretudo EUA e China, é que darão o tom. A futura diretora-geral poderá concentrar sua retórica no combate à covid-19, recuperação econômica, desenvolvimento. 

O primeiro grande desafio na OMC é o clima de tensão entre os EUA e a China, as duas maiores economias do mundo. O ex-presidente americano Donald Trump lançou uma forte ofensiva para criar regras que pudessem conter o modelo chinês e distorções que apontava, como subsídios escondidos, sistema financeiro totalmente controlado pelo Estado, roubo de propriedade intelectual. Essa é uma agenda difícil de ser alterada pelo governo Biden. A tensão EUA-China continuará e marcará o ritmo da reforma da OMC. 

Tampouco se sabe o que vai acontecer com as sobretaxas impostas unilateralmente contra a China por Trump sob alegação de segurança nacional. Essas sobretaxas, assim como as retaliações adotadas por Pequim, continuam em vigor e são todas ilegais, violando as regras da OMC. Esse é outro desafio para a credibilidade do sistema multilateral de comércio. 

Outra questão é como a demanda de reciprocidade tarifária, que o governo Trump colocou na agenda, vai ser encaminhada agora na OMC. A equipe de Trump reclamava que não tinha sentido os EUA terem tarifa de importação baixa, enquanto parceiros mantêm alíquotas elevadas contra produtos americanos. Washington chegou a exemplificar os casos da Índia e Brasil. A tarifa de importação média aplicada é de 3,4% nos EUA comparado a 17,1% na Índia, 13,4% no Brasil. 

Os americanos já sugeriram uma grande renegociação de tarifas de importação, para equalizar com as taxas americanas. Ou seja, criação de um sistema de reciprocidade, que vira a OMC de pernas par ao ar. A questão é se Biden será atraído por essa ideia, empurrado por democratas protecionistas. 

Também continua na agenda como reativar o Órgão de Apelação da OMC, espécie de corte suprema do comércio internacional. Está esvaziado, com o bloqueio de Trump à nomeação de novos juízes. Mas a queixa americana de que os juízes criavam regras novas não é apenas dos republicanos, e começou com Barack Obama na Casa Branca. É altamente improvável que Biden aceite que o Órgão de Apelação volte à a situação anterior, com força para impor retaliação contra países que não respeitam regras internacionais. 

Há várias alternativas sobre a mesa. Por exemplo, rotação maior dos juízes, para minimizar a possibilidade de precedentes serem usados nas disputas. O governo Trump chegou a sinalizar com fim do sistema em duas instâncias (painel e órgão de apelação). Sugeriu uma espécie de “arbitragem comercial”, no qual um tribunal “ad hoc” deve resolver disputas rapidamente. As decisões devem ser aplicadas apenas para os beligerantes, sem criar jurisprudência. 

Em vez de um órgão de apelação, os EUA sugerem um mecanismo que permita aos países “anular uma opinião errada do painel em casos excepcionais”. Esse é um tema que vai exigir muita barganha entre os países. 

A futura diretora-geral da OMC mencionou seu desejo de reativar verdadeiras negociações multilaterais. Na prática, porém, isso dificilmente acontecerá. Índia, África do Sul e vários outros países não querem novas disciplinas para o comércio, porque acham que elas diminuirão seu espaço para políticas públicas. 

Acordos globais, que se aplicam a todos igualmente, tendem a ser substituídos por acordos plurilaterais, onde participa quem quiser. Atualmente, há negociações desse tipo em comércio eletrônico e acordo de facilitação de investimentos, por exemplo. 

Outro desafio, que não tem a ver com Trump, mas provavelmente surgirá com Biden, é na área ambiental. Medidas de “ajuste na fronteira”, com sobretaxa contra importações que envolvem taxas de emissões, estão na agenda. 

Regulamentos que a Europa e certamente os EUA vão impor aos seus mercados deverão aumentar o custo de produção para suas empresas. Não permitirão, por exemplo, que um carro fabricado por eles seja feito com emissão zero, enquanto importados não tenham esse compromisso. 

Uma “taxa de carbono” – sobretaxa ou cota de importação – contra países poluidores e que não respeitarem os compromissos internacionais sobre clima e ambiente é inevitável. De fato. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/02/08/nova-diretora-geral-da-omc-tera-pouca-margem-de-manobra.ghtml

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