Unificada, Globo estuda novos modelos de negócio

Quase três anos depois de iniciar seu projeto de reorganização, a Globo concluiu a primeira fase do programa para tornar-se uma “media tech”. A companhia que emerge desse movimento, batizado de “UmaSóGlobo”, é resultado da unificação de quatro companhias – TV Globo, Globosat, Globoplay e Globo.com – e da diretoria de gestão corporativa ou DGCorp. O resultado é uma empresa com 15 mil funcionários e atuação em áreas que vão de TV aberta e fechada até internet e streaming. 

“Foi um processo de mudança radical”, diz Jorge Nóbrega, presidente executivo do Grupo Globo. “Preservamos nossos valores, mantendo o que era importante, mas inovamos em várias frentes nas quais era preciso agir com rapidez por causa dos desafios do mercado, da competição”. 

As mudanças se deram em três dimensões básicas, explica o executivo ao Valor. A primeira foi uma revisão estratégica, com a redefinição dos negócios que a companhia deveria ter. Em paralelo, o modelo operacional foi refeito. “Havia cinco empresas separadas, cada uma com estrutura e CEO próprios, mas que estavam ficando extremamente dependentes entre si.” A unificação, afirma Nóbrega, permitiu aproveitar melhor as competências que estavam espalhadas em lugares diferentes. 

O processo de mudança cultural foi o terceiro pilar. “Não adianta nada desenhar no papel, querer fazer, se não houver uma mudança de postura, de entendimento de que precisamos ser menos burocráticos, mais horizontais, integrados, 

colaborativos”, diz Nóbrega. Um dos meios utilizados para disseminar essa nova visão foi a criação dos PODs, grupos interdisciplinares de profissionais de várias áreas e níveis hierárquicos. Em dois anos, 21 PODs foram organizados, com mais de 500 funcionários envolvidos. A empresa também abriu canais de comunicação para tirar dúvidas e detalhar os passos do processo de transformação. “Cheguei a fazer ‘live’ com 8 mil pessoas, sem assuntos proibidos”, conta o executivo. “Isso foi importante para criar confiança e compartilhar a percepção de que sabemos para aonde ir.” 

O processo de reorganização da Globo foi idealizado em Dublin, na Irlanda, em parceria com a consultoria Accenture, e contou com a participação ativa dos acionistas, diz Nóbrega. A estratégia central foi simplificar a estrutura e transformar o grupo numa “media tech”. É esse formato híbrido que se tornou dominante na indústria global de entretenimento. De um lado estão companhias de tecnologia que ingressaram na produção de conteúdo, como Amazon e Netflix; de outro, grupos de mídia que passaram a investir fortemente na digitalização, a exemplo da Disney e da própria Globo. 

“Somos, hoje, uma companhia com dois corações: a produção de conteúdo, que sempre foi nossa fortaleza, e a tecnologia”, resume o executivo. 

A produção de conteúdo está ancorada nos Estúdios Globo. Em 2019, já com o projeto de reformulação em curso, mais três estúdios foram inaugurados, com investimento de R$ 207 milhões. O complexo, batizado de MG4, dispensa o uso de fios e muitos de seus equipamentos, desenvolvidos em parceria com a Sony, são patenteados pela Globo. Desde a inauguração do MG4, 13 estúdios funcionam simultaneamente em Jacarepaguá, na zona Oeste do Rio. 

A tecnologia, o segundo motor, ganhou tração com a revisão das competências necessárias para ser uma “media tech” e a contratação de profissionais como cientistas de dados e programadores. Atualmente, 1,5 mil pessoas trabalham no “hub digital”, criado para fornecer as ferramentas necessárias à abordagem “D2C”, de relacionamento direto com o consumidor. 

No centro dessa estratégia está o Globo ID, sistema de identidade digital que é a porta de entrada para o consumidor acessar os serviços on-line da companhia. Cerca de 110 milhões de IDs permitem à Globo obter, diariamente, mais de 10 bilhões de registros do que os usuários fazem nas propriedades digitais da empresa. A identidade dos perfis é mantida sob anonimato. 

A tarefa de virar uma “media tech” exige tornar mais eficientes as operações tradicionais para manter uma boa gestão de caixa e apoiar novos produtos digitais, como o Globoplay, que têm alto crescimento mas ainda requerem investimento pesado, diz Nóbrega. 

Uma das decisões foi vender a Som Livre, quinta empresa a participar do projeto de reorganização. O acordo de venda para a Sony Music foi anunciado em abril. A venda da gravadora reflete o impacto da tecnologia sobre o cenário competitivo nos últimos anos. Com o advento da música on-line, as gravadoras abandonaram seu papel original, de produzir e vender álbuns, para se concentrar no gerenciamento da carreira de artistas. “Preferimos abrir mão. Música continuará sendo muito importante para a Globo, mas não significa que precisamos ter uma gravadora”, afirma Nóbrega. 

Em contrapartida, a companhia tem investido nos podcasts, que vêm crescendo rapidamente no exterior. Nos EUA, a previsão é que esse mercado supere US$ 1 bilhão em receita este ano, e dobre de valor até 2023, de acordo com dados do Interactive Advertising Bureau (IAB). No Brasil, o momento ainda é de educar o mercado publicitário quanto às possibilidades do formato, diz o executivo, mas a popularidade do áudio digital tem se confirmado, com crescimento médio mensal de 12% na audiência dos podcasts da Globo. 

A conclusão da primeira fase do projeto de reformulação não encerra as mudanças na companhia, ressalta Nóbrega. “Vamos continuar nos transformando. Não vamos parar de mudar”. 

Os próximos passos incluem uma avaliação de como incorporar na nova empresa os ativos da Editora Globo – que publica o Valor – e que estão em acelerada transformação digital. Além disso, indicam o reforço da parceria com outras empresas para aumentar a presença em dois universos considerados essenciais para o futuro: a economia da atenção e a economia da transação. 

A estratégia, no primeiro caso, é aproveitar melhor a capacidade que o conteúdo produzido pela Globo tem de atrair e reter a atenção do público fora de seu meio original, em um momento no qual a disputa pelo tempo do consumidor nunca foi tão acirrada. Um exemplo é o Big Brother Brasil. Neste ano, 94% de todos os tuítes sobre televisão no país tiveram o BBB 21 como tema. O “reality”, que foi ao ar de janeiro a maio, contabilizou mais de 380 milhões de tuítes, recorde mundial para um programa de TV. 

“Temos a capacidade de gerar conversas e referências que extrapolam nosso negócio”, afirma Nóbrega. Para o anunciante, é a chance de prolongar a exposição de produtos e marcas para além do tempo e do espaço originalmente previstos. “Isso é algo que pode ser remunerado. Trata-se de um ativo imenso que temos de monetizar melhor.” 

A Globo também está atenta a fenômenos recentes como a entrada de varejistas na produção de conteúdo. “As fronteiras estão se dissolvendo e a Globo também terá de estar na economia da transação”, diz Nóbrega. “Quando o que fazemos gera uma transação, devemos ficar com uma parte dessa receita.” 

Em linhas gerais, a ideia é fazer alianças com bancos, varejistas e empresas de serviço, entre outros tipos de companhia, para criar modelos de negócio conjuntos. “Não é publicidade”, explica o executivo. A Globo entraria com audiência, conhecimento do consumidor e a capacidade de provocar conversas no mundo digital para ajudar a completar uma venda. Em troca ficaria com uma porcentagem da transação. Os formatos ainda estão sendo estudados e podem incluir modalidades de comércio eletrônico e acordos de compartilhamento de receita. 

“Sempre fizemos parcerias, mas queremos chegar a um novo patamar para somar a economia da atenção com a da transação”, diz o presidente executivo do Grupo Globo. “Esse é o cenário que antevemos para o futuro.” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/07/30/unificada-globo-estuda-novos-modelos-de-negocio-sembarreira.ghtml

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