Tarifas podem ser início de guerra comercial destrutiva, dizem analistas

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas sobre importações do Canadá, México e China a partir desta terça-feira pode marcar o início de uma nova guerra comercial global que comprometa o crescimento do mundo e traga volatilidade aos mercados, movimentos dos quais o Brasil não ficaria imune, apontam especialistas.

Trump anunciou ontem tarifas de 25% para compras do Canadá (com isenção parcial para energia) e do México e uma tarifa adicional de 10% para a China.

“Para o mundo, o risco é que isso marque o início de uma nova guerra comercial, algo que vimos na segunda metade do primeiro governo Trump, o que reduziu o crescimento global em 2019. Nesse sentido, podemos observar um período de menor crescimento no mundo, além de uma maior aversão ao risco e aumento da volatilidade nos mercados”, diz Silvio Campos Neto, economista da Tendências. “Isso afetaria o Brasil por esses canais, menor crescimento mundial e um ambiente mais nervoso, afetando fluxos de capitais e mantendo o dólar mais valorizado.”

Paul Ashworth, economista-chefe para América do Norte da Capital Economics, diz, em relatório, que a decisão de Trump “é apenas o primeiro ataque no que pode se tornar uma guerra comercial global muito destrutiva”. Ele afirma não esperar acordos para que as tarifas sejam removidas tão cedo, embora diz ser possível que mais setores entrem na isenção.

Segundo a Capital Economics, Canadá (US$ 419 bilhões), China (US$ 427 bilhões) e México (US$ 475 bilhões) juntos representaram 43% das mercadorias importadas para os EUA em 2023. “O resultado é que esse anúncio de tarifa por si só já é cerca de três a quatro vezes o tamanho do original de 25% imposto em pouco menos da metade das importações da China em 2018 e 2019”, observa Ashworth.

Qualquer chance de mais cortes de juros [pelo Fed] este ano morreu” — Paul Ashworth

Como as exportações para os EUA representam cerca de 20% do PIB do Canadá e do México, diz Ashworth, as tarifas impostas podem mergulhar as economias em recessão ainda neste ano. No caso do Canadá, as finanças públicas estão em boa forma, pondera, e o banco central do país teria espaço para cortar as taxas de juros em pelo menos mais 0,50 ponto percentual, de modo que os estímulos fiscal e monetário limitariam a gravidade de uma recessão.

Para o México, no entanto, a inflação gerada por um peso mais fraco deve impedir o Banxico (banco central do país) de cortar mais as taxas de juros, enquanto a política fiscal precisa ser apertada, diz Ashworth. “Embora esperemos que o impacto no PIB mexicano seja mais próximo de 2%, há pouco espaço para compensar o impacto tarifário afrouxando a política [monetária e fiscal]”, afirma.

Já as exportações da China para os EUA representam menos de 3% do PIB chinês, e uma tarifa adicional de 10% não terá muito efeito na economia do pais, diz Ashworth.

Para os EUA, a inflação resultante dessas tarifas, além de outras medidas futuras, deve vir ainda mais rápido e ser maior do que a Capital Economics esperava inicialmente. Os custos do setor automotivo americano, por exemplo, devem disparar, dado que as peças cruzam as fronteiras várias vezes durante o processo de produção, observa Ashworth.

A equipe do Barclays para Estados Unidos estima que uma tarifa unilateral de 25% sobre importações mexicanas e canadenses, isoladamente, aumentaria índices de inflação americanos em cerca de 0,25 ponto percentual (p.p.), em termos anuais. As tarifas à China adicionariam mais 0,10 a 0,15 p.p., levando o impacto total sobre a inflação para 0,35 a 0,40 p.p.

Os efeitos sobre a economia dos EUA também podem ser significativos, dizem, dada a probabilidade de interrupção em cadeias de suprimentos (especialmente montadoras e refinarias de petróleo), a incerteza comercial, a retaliação tarifária e o dólar fortalecido, o que atuaria como um “imposto implícito” sobre as exportações dos EUA para esses países. As estimativas iniciais do Barclays são consistentes com um impacto temporário ao crescimento do PIB dos EUA de cerca de 0,25 a 0,50 pp.p., em termos de quarto trimestre contra quarto trimestre.

Considerando as tarifas anunciadas, as iminentes a serem impostas à UE e uma tarifa universal em breve, a Capital Economics acha que a inflação dos EUA voltará a ficar acima de 3% já em 2025.

Nessas circunstâncias, a janela para o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) retomar o corte das taxas de juros em qualquer momento nos próximos 12 a 18 meses “simplesmente se fechou”, diz Ashworth. “Como as novas tarifas representam um aumento único no nível de preços, e não um aumento contínuo na taxa de inflação, pelo menos enquanto os efeitos de segunda ordem forem limitados e as expectativas de inflação permanecerem bem ancoradas, o Fed não precisa reagir de forma exagerada. No entanto, qualquer chance de mais cortes nas taxas de juros este ano simplesmente morreu”, afirma.

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