Scholz avança na corrida para liderar Alemanha pós-Merkel

Era para ser o ponto de inflexão para os democratas-cristãos da Alemanha, o dia em que Angela Merkel apostou todo o seu peso no acuado líder do partido, Armin Laschet, e reverteu sua debilitada perspectiva eleitoral. 

Em vez disso, a realidade se impôs. Pesquisa divulgada naquela noite, do dia 21, mostrou que o apoio ao partido, a União Democrata-Cristã (CDU), tinha caído para 22%, empatando com o dos social-democratas (SPD), de centro-esquerda. Números publicados nos dias subsequentes sugeriram que o SPD tinha até mesmo assumido a liderança. Agora está claro que, se sua sorte não virar antes do dia da eleição, marcada para 26 de setembro, a CDU poderá estar se encaminhando para o pior resultado eleitoral de sua história. 

Com menos de um mês de campanha pela frente, uma sensação de pânico está se espalhando entre as fileiras da CDU. “O clima está simplesmente péssimo”, diz um parlamentar do partido. “Será que agora vamos todos perder nossos assentos?” 

Um partido que governou a Alemanha por 50 dos últimos 70 anos e que começou a ver o cargo de premiê como seu direito natural enfrenta hoje a perspectiva real de ser desbancado do poder. Se isso se concretizar, será uma humilhação acachapante para um dos partidos conservadores mais bem-sucedidos da Europa. 

O motivo do problema, dizem parlamentares, assessores e estrategistas da CDU, está claro – seu candidato a premiê, Armin Laschet. Seus índices de aprovação, que nunca foram elevados, sofreram uma grande queda em julho quando ele foi flagrado por câmeras rindo ao visitar áreas devastadas por enchentes. E não se recuperaram desde então. 

Os críticos questionam em voz alta como foi possível a CDU, um partido com um instinto infalível pelo poder e uma fama de manter uma disciplina de ferro, ter escalado um candidato tão fraco. 

“As pessoas da CDU do meu distrito eleitoral dizem que, faça o que fizer, não nos envie nenhum cartaz com o rosto de Laschet estampado”, diz outro parlamentar do partido. “O fato é que ele é um ônus, e não um ativo, para a nossa campanha.” 

Alguns acreditam ter sido um erro fatal indicar Laschet, em vez de seu concorrente Markus Söder, líder do tradicional partido aliado da CDU na Baviera, a União Social Cristã (CSU), um político muito mais popular. “A maioria dos eleitores da CDU… não queria Laschet como candidato a premiê”, diz Manfred Güllner, diretor do instituto de pesquisa Forsa. 

Mas há outra opinião – a de que a queda da CDU tem menos a ver com Laschet do que com o fim da era Merkel. “Todo o tempo em que Merkel ocupou o cargo, a CDU foi definida por sua líder, não por suas políticas”, diz o parlamentar Jens Zimmermann, do SPD. “E, agora que ela finalmente está saindo, fica este vácuo que ele simplesmente não consegue preencher – um vazio que deveria ser ocupado pelas políticas. As pessoas simplesmente não sabem por que deveriam votar nos democratas-cristãos”, observa. 

Não era para ser assim. Poucas semanas atrás, o consenso em Berlim era de que o bloco conservador CDU/CSU venceria a eleição e formaria uma coalizão com os Verdes – a primeira de uma aliança desse tipo da história da Alemanha. 

Mas as mais recentes pesquisas de intenção de voto apontam para um resultado muito mais confuso – um resultado eleitoral inconclusivo, sem qualquer vencedor claro e com uma miríade de diferentes coalizões em potencial. “Nunca tivemos tantas opções de governo na história alemã do pós-guerra”, diz Güllner. 

A confusão poderá aumentar as chances de surgir uma nova aliança, de inclinação à esquerda, sob um premiê social-democrata: o atual ministro das Finanças, Olaf Scholz. Um partido que, nos últimos oito anos, atuou como parceiro menor em uma “grande coalizão” encabeçada por Merkel pode estar a ponto de conquistar o poder pela primeira vez em 16 anos. 

“No passado, as pessoas sorriam com maldisfarçada descrença quando Scholz dizia que ele seria no próximo premiê da Alemanha”, diz Niels Annen, parlamentar do SPD e aliado próximo de Scholz. “Mas um governo liderado pelo SPD deixou de ser uma fantasia. Trata-se de uma possibilidade realista.” 

Os analistas ainda se perguntam o que isso significará na prática. O SPD e os Verdes querem lançar um imposto sobre fortunas e elevar enormemente os investimentos públicos. Mas provavelmente precisarão de um terceiro partido em sua coalizão- o pró-negócios Partido Democrático Liberal (FDP), que defende cortes de impostos e equilíbrio orçamentário. Eles podem simplesmente se neutralizar mutuamente e obter poucas realizações. 

Mesmo assim, esse panorama vai assinalar o fim de uma era. “A ideia de que a CDU poderá não conquistar a maioria das cadeiras e não vir a formar o próximo governo era impensável”, diz o historiador Andreas Rödder, da Universidade de Mainz. “Agora o impensável de repente se tornou possível.” 

Laschet ridicularizado. Mesmo antes das mais recentes pesquisas, estava claro que esta seria uma eleição sem paralelo. Merkel disse isso no evento da CDU/CSU no Tempodrom de Berlim, quando endossou Laschet: pela primeira vez na história alemã do pós-guerra, um premiê ocupante do cargo não disputaria a reeleição. “As cartas estão sendo reembaralhadas”, disse. 

Isso significou uma maior atenção sobre os três indivíduos que disputam sua sucessão, e não suas políticas ou manifestos. Nenhum deles é tão instantaneamente reconhecível e tão amplamente admirado quanto a própria Merkel. E, para dois deles, os holofotes da mídia têm sido particularmente duros: Annalena Baerbock, a 

lidere dos Verdes, de 40 anos, passou semanas rechaçando acusações de falsificação e de maquiar seu currículo. Por seu lado Laschet, o primeiro-ministro do grande Estado industrial de Renânia do Norte-Vestfália, se viu atacado e ridicularizado o tempo todo. 

Por vezes, a culpa é toda dele. Em recente aparição de campanha na cidade de Wiesbaden, no oeste do país, ele se referiu insistentemente ao parlamentar local da CDU como Ingbert Jung, causando um murmúrio na multidão. “O nome dele é Ingmar”, gritou uma pessoa. 

“É puro desleixo – simplesmente atroz”, disse um político da CDU que testemunhou o incidente. “Jung provavelmente queria morrer de vergonha.” 

Mas muitas vezes a crítica parece vir a troco de nada. Ele foi destroçado nas redes sociais por não usar botas de borracha em viagens a áreas afetadas pelas enchentes, tomar um sorvete durante um evento de campanha e ousar mencionar a tecnologia de hidrogênio em um bate-papo online com Elon Musk. “Laschet agora está nesta espiral negativa, em que tudo o que faz é condenado”, diz Rödder. “E depois que você entrou nessa espiral, é muito difícil sair.” 

Em contraposição, Scholz, que como vice-primeiro-ministro conduziu as finanças públicas da Alemanha habilmente durante a pandemia, não tem cometido nenhum erro. “Parece que os eleitores já formaram sua opinião sobre os três candidatos”, disse uma fonte próxima à CDU. “Eles veem Laschet como embaraçoso, Baerbock como uma fraude e Scholz como o único sério e confiável.” 

A mensagem de Scholz aos eleitores é simples: ele é o sucessor natural de Merkel, uma política que continua a usufruir de índices de aprovação altíssimos, mesmo depois de 16 anos no poder. É uma afirmação ousada: afinal, ele é de um partido rival. Mas é uma ideia que os estrategistas do SPD promovem discretamente já faz meses, e as últimas pesquisas de intenção de voto sugerem que tem surtido efeito. 

De fato, as semelhanças são impressionantes. Como Merkel, Scholz é desapaixonado e pragmático e não é um grande orador: o estilo de seus discursos é tão robótico que ele foi apelidado de “Scholzomático”. Indagado em uma entrevista recente se lhe faltava emoção, ele respondeu que concorria “ao cargo de premiê, não de diretor de circo”. No entanto, assim como Merkel, ele é amplamente visto como idôneo e confiável. 

O próprio Scholz ressaltou as semelhanças sem nenhuma vergonha neste mês, ao aparecer na capa da revista “Süddeutsche Zeitung” com dedos e polegares encostados na forma do “diamante” que é a marca registrada de Merkel. 

“Foi sensacional, porque finalmente enterrou o clichê de que ele não tem senso de humor”, afirma Zimmermann. 

Em uma entrevista recente ao “Financial Times”, Scholz reconheceu tacitamente que tentava mirar os eleitores de Merkel. “Muitas pessoas me veem como a melhor aposta, porque tenho mais experiência de governo do que qualquer dos outros candidatos”, disse. 

“Mas é muito mais do que isso: também tenho uma noção clara de como garantir a prosperidade da Alemanha e também mais respeito na sociedade”, acrescentou Scholz. 

O tema do “respeito” está no centro da campanha do SPD, que se baseia em uma bateria de mensagens simples: salário mínimo de € 12 por hora, moradia mais acessível e aposentadorias estáveis. 

Os social-democratas têm se mostrado excepcionalmente unido e evitado as rixas abertas entre esquerdistas e centristas que prejudicaram campanhas anteriores. E como definiram seu candidato a primeiro-ministro muito antes que seus rivais – há mais de um ano – “pudemos criar uma campanha customizada, exatamente na medida para Scholz”, diz Zimmermann. 

Mas as coisas poderão se voltar contra Scholz. Perguntas desconfortáveis têm sido feitas sobre seu papel em dois grandes escândalos financeiros que abalaram a Alemanha nos últimos anos: o colapso da empresa de pagamentos digitais Wirecard e a fraude fiscal “cum-ex”, de operações com ações que privaram o Tesouro alemão de bilhões de euros em receita. 

Os críticos do SPD também questionarão cada vez mais se Scholz realmente representa seu partido. Centrista, ele perdeu a disputa de 2019 pela liderança do SPD para uma dupla de esquerdistas, Saskia Esken e Norbert Walter-Borjans, que se mantiveram quietos durante a campanha, mas ainda possuem uma grande base de admiradores no partido. 

“As pessoas realmente não conhecem Scholz – ele é apenas uma tela em branco na qual elas estão projetando todas as suas esperanças e desejos”, diz Manuel Hagel, importante membro da CDU. “Mas é apenas uma questão de tempo até ele ser submetido a exatamente o mesmo escrutínio imposto a Baerbock e Lachet.” 

Defendendo o legado de Merkel. 

Por ora, entretanto, as pesquisas favorecem Scholz – e o nervosismo no campo dos conservadores está aumentando. 

Isso ficou claro quando Söder seguiu Merkel no palco do Tempodrom no começo deste mês. Ele disse que o bloco conservador CDU/CSU está enfrentando a mais difícil campanha eleitoral desde 1998, ano em que o veterano premiê Helmut Kohl foi tirado do cargo pelo SPD e os Verdes. 

“Sejamos honestos por um momento – está apertado”, disse Söder. Os democratas- cristãos especularam por meses sobre os partidos com quem poderiam formar coalizões. “Mas a questão agora não é como devemos governar, e sim se vamos de fato governar”, acrescentou ele. 

A campanha tem sido dolorosa para Söder. Ele viu suas taxas de aprovação disparar durante a pandemia, quando ele surgiu como um dos mais eficientes e resolutos gerentes da crise. Laschet, por outro lado, foi visto como um comunicador fraco, inseguro sobre qual linha seguir. “Seus ziguezagues realmente prejudicaram suas taxas de aprovação”, afirma Güllner do instituto de pesquisas Forsa. Mas mesmo assim a CDU escolheu Laschet, o candidato da hierarquia do partido, em vez de Söder, o favorito dos parlamentares e da base do partido. 

Desde o início, a campanha de Laschet a primeiro-ministro tem sido criticada por sua incoerência e falta de políticas cativantes. Ele começou prometendo aos eleitores uma “década de modernização”. “Mas então as pessoas disseram: ‘bom, então porque vocês não usaram os 16 anos que passaram no poder para modernizar o país?’”, diz uma fonte próxima da CDU. Nos últimos dias, esse slogan foi silenciosamente deixado de lado. 

Isso resume o problema de Laschet: ele precisa ser o herdeiro natural de Merkel, ao mesmo tempo em que também sinaliza um novo começo. “Ele não pode se apresentar como um tipo de super-herói que salvará todos do governo – porque o governo é a CDU”, diz uma fonte próxima dele. 

Outros afirmam que Laschet ainda poderá salvar a situação definindo claramente quais partes do legado de Merkel ele preservará e o que ele fará diferente. Há quem pense que ele também poderia melhorar as chances da CDU anunciando sua equipe dos sonhos – os membros de um suposto Gabinete liderado por Laschet. “Se o seu principal candidato não está se saindo bem, você precisa mostrar todo o espectro do partido”, diz um parlamentar da CDU. “Ele não está fazendo isso.” 

Mas os críticos afirmam que o problema da CDU/CSU é a falta de novas ideias. “É uma ‘aldeia Potemkin’”, diz Oliver Krischer, um experiente parlamentar dos Verdes. “Não há nada além de uma fachada”, acrescentou. 

CDU procura um lado positivo. Com as preocupações aumentando, alguns democratas-cristãos estão pressionando por medidas cada vez mais desesperadas. Uma pesquisa divulgada em 25 de agosto mostra que 70% dos eleitores da CDU/CSU querem que Laschet desista em favor de Söder, que continua muito popular entre as bases da CDU. 

“Muitos membros ainda estão muito irritados com a maneira como Söder foi posto de escanteio”, diz um parlamentar da CDU. Segundo ele, alguns voluntários locais do partido o alertaram na ocasião que não fariam campanha por Laschet se ele fosse escolhido candidato – “e eles mantiveram sua palavra”. 

Dirigentes da CDU afirmam que seria errado subestimar Laschet, um político renomado por sua resiliência. “Quatro semanas antes das eleições de 2017 na Renânia do Norte-Vestfália, a CDU estava seis pontos atrás do SPD, mas ainda assim saiu vitoriosa”, lembra Hagel. “Isso mostra que você pode vencer quando realmente luta.” 

Muitos eleitores ainda se mostram indecisos. E estrategistas da CDU apontam para pesquisas que mostram que 30% dos eleitores alemães são basicamente conservadores – um contingente que pode fazer o pêndulo oscilar a favor da CDU no dia da eleição. “Ainda podemos mudar a situação”, diz Hagel. “Todas as eleições são decididas nas últimas três semanas da campanha.” 

Mas a portas fechadas outros democratas-cristãos se mostram menos otimistas. “O fato é que não conseguimos apontar um candidato que pudesse realmente convencer os eleitores”, afirma um parlamentar. “E agora estamos sendo punidos por isso.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/09/01/scholz-avanca-na-corrida-para-liderar-alemanha-pos-merkel.ghtml

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