China sinaliza que já prioriza menos o crescimento

Era inevitável que o ritmo da recuperação global da pandemia de covid-19 fosse lento. Reabrir uma economia pode ocorrer em fases, mas só pode acontecer uma vez. A súbita onda de crescimento que se segue à retomada da atividade econômica após um “lockdown” não pode ser repetida, e a flexibilização de restrições menos severas não levará ao mesmo tipo de impulso. Mas o enfraquecimento recente de alguns dados importantes preocupa. Isso não só reflete a disseminação da variante delta, mais contagiosa, e temores com as cadeias de suprimentos, como ainda uma desaceleração da China. 

O crescimento acelerado de uma China industrializada, turbinado por estímulos governamentais, ajudou a economia mundial a se recuperar da crise financeira de 2008. Também no ano passado a forte recuperação da produção industrial fez da China um dos poucos países a registrar crescimento. Mas agora há sinais de que sua recuperação está perdendo fôlego. Isso se deve em parte ao ressurgimento de preocupações antigas com os níveis de endividamento de consumidores e empresas, assim como as mudanças nas prioridades do Partido Comunista. 

Ontem, o índice Caixin dos gerentes de compras do setor industrial, um dos mais seguidos indicadores independentes da força daquela que é, por algumas medidas, a maior economia do mundo, apontou para contração do setor manufatureiro chinês. É a primeira vez que isso acontece desde abril de 2020, quando grandes partes do mundo entraram em lockdown para enfrentar a pandemia. 

Em parte, essa desaceleração da atividade reflete os mesmos fatores que dificultam a recuperação em outros lugares. A disseminação da variante delta levou muitas áreas da China de volta ao lockdown, e o governo retomou restrições a viagens internas. Os problemas nas cadeias de suprimento também estão impedindo os fabricantes de responder ao aumento dos pedidos com a rapidez de que gostariam. A falta de chips e contêineres combinaram-se a um surto de covid-19 no Vietnã, que também é uma potência industrial, para limitar a produção. 

Nos EUA, a variante delta também levou a um menor crescimento, e um número crescente de casos vem minando os gastos dos consumidores. Na Europa, os problemas nas cadeias de suprimentos contribuíram para a alta da inflação. Em julho, os aumentos dos preços na zona do euro atingiram o maior nível em uma década. Em parte isso se deve a efeito da base de comparação, uma vez que os números anuais são comparados aos preços muito baixos do ano passado, mas as fábricas também estão sendo inibidas pela mesma escassez que afeta as empresas chinesas. 

Na China, porém, há a preocupação adicional com o endividamento e o possível fim de um longo boom imobiliário residencial. A incorporadora imobiliária Evergrande, a mais endividada das construtoras chinesas, alertou que está à beira da inadimplência. Empresas de todo o setor de construção agora enfrentam custos maiores com juros. Em parte, esse é o resultado pretendido pelas medidas tomadas pelo Partido Comunista no ano passado para reduzir a dependência da economia do setor imobiliário e limitar o endividamento das incorporadoras. 

Em geral, o governo da China não está priorizando o crescimento como antes. Em vez disso, vem tentando conter o capitalismo desenfreado, seja o poder das grandes empresas de tecnologia ou o aumento da desigualdade econômica. Isso pode ser compreensível – uma desaceleração na produção de alumínio foi atribuída a uma determinação do governo para reduzir a poluição – mas significará que o país não é mais o motor do crescimento econômico mundial que foi depois da crise financeira de 2008. Desta vez, o resto do mundo terá de encontrar outros motores para mover a recuperação. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/09/02/china-sinaliza-que-ja-prioriza-menos-o-crescimento.ghtml

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