Pensando um setembro verde: reflexões sobre a mobilidade (parte 2)

Carlos Frederico Lucio

Considerando todo o complexo que envolve pensar soluções para o grave problema da mobilidade urbana (especialmente nas grande metrópoles), enxergo alguns pontos fundamentais que, no meu entendimento, precisam ser levados em conta: a) adensamento demográfico; b) consequente adensamento da frota de veículos (públicos e privados; pequenos, médios e grandes); c) eficácia e eficiência do sistema de transporte público; d) descentralização das atividades econômicas e, consequentemente, dos postos de trabalho; e) equacionamento e adequação das malhas de locomoção.

Desta forma, o que se vem constatando no Brasil nos últimos tempos é que um dos maiores problemas relacionados à mobilidade urbana está na total falta de planejamento das políticas de desenvolvimento urbano no país como um todo. Isso, a partir da segunda década do século XX levou a um “inchaço” demográfico em algumas regiões metropolitanas que, aliado à falta de investimento em políticas de locomoção – que, como é fácil constatar, priorizou o transporte privado motorizado, em detrimento do transporte público de massa, em especial, aquele sobre trilhos -, promoveu o agravamento da crise da mobilidade urbana como ficou evidenciado a partir das manifestações de junho de 2013.

No caso brasileiro, pensar este problema envolve, pois, um emaranhado de variáveis que precisam ser consideradas pelos gestores municipais. Elas vão desde as mais diretamente ligadas à demanda por transporte (população, malha viária, frota disponível, tipo e porte de transporte) como aquelas indiretas, como é o caso do planejamento de descentralização dos postos de trabalho e áreas de lazer em função da localização dos bairros mais populosos, o que minimizaria os efeitos dos deslocamentos de massa. Isso ficou um pouco evidente nas últimas eleições municipais, quando houve algumas tímidas propostas de incentivos fiscais para que empresas migrassem para áreas densamente populosas de São Paulo mas com pouca oferta de emprego.

No post anterior, propus pensarmos uma solução  emergente nesse emaranhado que é o da implementação das ciclovias na cidade de São Paulo. Embora esta seja uma demanda antiga, principalmente daqueles que desejam a melhoria da qualidade do ar (uma vez que a emissão de CO2 pelos carros é um dos principais causadores da poluição), é evidente que, como alternativa de transporte, está longe de ser considerada a única ou mesmo a melhor para resolver o problema da locomoção em massa. Claro que a medida é necessária e ajuda muito. Sob vários aspectos. Mas não é a única que precisa ser tomada.

Mesmo não sendo especialista em urbanismo, gostaria de propor aqui um exercício simples – com um peso simbólico – que tenho feito em sala de aula: qual o tamanho da nossa frota na cidade de São Paulo e qual extensão efetiva, em quilômetros, das vias disponibilizadas para sua circulação? Junto com isso, vamos pensar essa interrelação (frota veicular x vias para circulação) com o dado de crescimento populacional. Sei que a matemática não é direta e tampouco simples, mas é bastante simbólica para nos apontar o tamanho do problema e indicar, pela força dos números, que é urgente encontrar  uma solução definitiva e adequada. Vamos lá.

Segundo dados da Associação Nacional de Infraestrutura de Transportes, a cidade de São Paulo possui uma malha viária de 17.000 km, dos quais cerca de 4.000 km não são pavimentadas. Esse é o total de ruas, ruelas, alamedas e avenidas na cidade. Este dado não traz, claro, a precisão do número de faixas de rolamento de cada uma. Mas, como veremos abaixo, vai ser compensado com outros dados. Por isso, optei por mantê-lo como referência para pensar o problema.

Na outra ponta, as estimativas do Detran-SP apontam para uma frota veicular com um total estimado em 7,5 milhões de veículos (somente aqueles emplacados na cidade de São Paulo), assim especificados:

1 – Ciclomoto, motoneta, motociclo, triciclo e quadriciclo: 970.265

2 – Micro ônibus, camioneta, caminhonete e utilitário: 819.152

3 – Automóvel: 5.345.468

4 – Ônibus: 43.509

5 – Caminhão: 148.513

6 – Reboque e semi-reboque: 78.813

7 – Outros: 6.897

(Fonte: http://www.nossasaopaulo.org.br; esses dados são de 2013)

Brincando com esta tabela, podemos estabelecer um cálculo da extensão desses veículos somados, baseado num tamanho médio aproximado deles, obtendo o seguinte resultado:

1 – Ciclomoto, motoneta, motociclo, triciclo e quadriciclo: 970.265 x 1,5m = 1.355.397,5m

2 – Micro ônibus, camioneta, caminhonete e utilitário: 819.152 x 4,0m = 3.276.608m

3 – Automóvel: 5.345.468 x 3,5m = 18.709.138m

4 – Ônibus: 43.509 x 5m = 217.545m

5 – Caminhão: 148.513 x 5m = 742.565m

6 – Reboque e semi-reboque: 78.813 x 4m = 315.252m

7 – Outros: 6.897 x 3m = 17.242,5

Total da frota: 24.733.748m ou 24.733,75 Km.

Assim, o tamanho do brinquedo que temos na cidade de São Paulo seria uma frota de 24.700 km para um total de vias de 17.000 km. Note-se que os dados da frota fornecidos pelo Detran são apenas relativos aos veículos emplacados em São Paulo. Como sabemos, por ser metrópole, aqui diariamente circulam veículos de outras localidades (principalmente os caminhões, já que a cidade ainda é um elo importante de ligação entre as principais rodovias do centro sul do país). Por isso, proponho aqui não levarmos em conta o fato de que, dos 17.000 km de vias, muitas sejam vias mais de uma faixa de rolamento o que poderia implicar num abrandamento do choque estatístico. Ou seja, mesmo levando isso em conta, concluímos aquela verdade óbvia que constatamos quando temos, por exemplo, greve de metrô e que mais pessoas tiram os carros da garagem: se todos os veículos circulassem simultaneamente, faltariam cerca de 7.000 km de vias para comportar toda a frota da cidade. E nem estou propondo pensar o fato de que a densidade de veículos nas regiões centrais é muito maior que nas periféricas, o que agrava mais ainda o problema.

Para finalizar, este dado se torna ainda mais alarmante se levarmos em conta que a curva de crescimento demográfico segue numa intensidade menor do que a do crescimento da frota. Esta relação (entre crescimento demográfico e crescimento da frota) está acessível nos dados consolidados pela Associação Nossa São Paulo. Segundo o portal, que traz informações atualizadas em 2013, São Paulo possui atualmente uma população de aproximadamente 11 milhões de habitantes (dados esses comprovados recentemente pelo censo liberado pelo IBGE). O gráfico abaixo fornecido pela associação mostra a evolução dos dados ao longo de 2005 (1) a 2011 (7). Curioso à parte o crescimento da população e da frota de carros, caminhões e motos, a frota de ônibus permaneceu praticamente estável.

Ou seja, desesperador.

E o poder público ainda insiste em não ouvir urbanistas e especialistas em mobilidade! E muita gente insiste em não fazer a sua parte. Preocupante.

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