O anjo exterminador

Por João Carlos Gonçalves
Professor ESPM

O cineasta francês François Ozon sempre provoca seus espectadores com filmes que jogam com temas sedutores como a instigante e sutil fronteira que separa o Real do Imaginário. Em seus filmes a Vida Real se mistura com Ficção, Fantasia e Representação, comprovando que o bom cinema pode ser complexo e inteligente sem ser hermético.
Talvez por esta razão “Dentro de Casa”, seu mais recente trabalho que acaba de estrear no Brasil, fez 1,2 milhão de espectadores na França. Tal sucesso também se deve ao fato da narrativa esbarrar em um tema atual: a invasão de privacidade e o fenômeno contemporâneo dos reality shows.
“Dentro de Casa” conta a história de Claude, um adolescente de 16 anos que, literalmente, invade a casa e a privacidade de um colega da escola e sua família. O garoto, que transmite um ar de inocência, mas arma um jogo cruel e devastador que envolve todos que habitam seu cotidiano, registra suas observações em forma de narrativa ficcional, em textos dirigidos ao seu professor de literatura que acaba por se interessar por seu dom criativo.
Partindo desta ideia central, Ozon envolve seu espectador num jogo de espelhos, onde ficção e realidade se embaralham. Claude acaba por seduzir, por meio de sua escritura (aquilo que Roland Barthes chama de Prazer do Texto), todos aqueles que estão ao seu redor: o amigo, seus pais, o professor e sua esposa.
Apesar do falso formato de thriller psicológico, o encanto do filme está justamente na ideia de misturar gêneros narrativos de forma lúdica, sempre apontando para a crônica de costumes.
Para o espectador com um campo repertorial um pouco mais elaborado, Ozon permeia sua obra com várias e sutis relações intertextuais do campo das artes: Paul Klee, Flaubert, Kafka, Pasolini, Thomas Mann etc.
“Se está fazendo todo este sucesso, é por ser uma espécie de retrato da juventude atual. Isso pesou mais do que sua relação indireta com a histeria em torno dos programas de TV que devassam a vida privada”, comenta Ozon, já indiciando que estamos diante de um retrato enigmático, cruel e sedutor: decifra-me ou devoro-te.

Comentários estão desabilitados para essa publicação