“Risco de morte” ou “Graças ao acidente”

Por Luciano Segura
Professor do Intergraus

“Ontem, em virtude de um acidente, o trânsito ficou parado por horas”, disse a jornalista de uma importante emissora de São Paulo. Quem se preparou para sair, ficou confuso. Se há trânsito, não pode estar parado. Carro parado não transita. Quando há congestionamento, por outro lado, não há trânsito. Pior: se houve um acidente, não foi uma virtude. Nem uma graça, por isso não pode ser “graças ao acidente”. Por causa do acidente, devido ao acidente, aí, sim, há um problema.
Não se trata exatamente de erros, mas formas que a mídia brasileira adota e reproduz sem parar. Dois outros exemplos: “a exemplo” e “mais cedo”. “A exemplo” quer dizer “segundo o exemplo de”, “conforme o exemplo de”. Assim, dizer “a exemplo, para que se entenda melhor a situação, tem-se o caso do goleiro…” é uma péssima construção. Quanto ao “mais cedo”, trata-se da clara influência do inglês “early”. “Ontem, o presidente Cicrano viajou para Portugal. Mais cedo, o presidente se encontrou com fulano…”. Mais cedo quando? Pela manhã? À tarde? Mais cedo…
A esses exemplos ainda somar o famoso “risco de morte”. Em algum momento, alguém, provavelmente por influência de outras línguas em que essa disputa de vida ou morte também ocorra, resolveu que risco de morte seria mais preciso, “porque as pessoas não correm risco de viver”. Em espanhol (riesgo de vida/riesgo de muerte), em inglês (risk of life/risk of death), em francês (risq de vie/risq de mort), por exemplo, as duas formas concorrem. Em Português, por muito tempo, “risco de vida” reinou absoluto e nunca causou confusão a ninguém. Hoje, por um modismo apoiado na suposta precisão, modismo adotado por muitos veículos de comunicação, “risco de morte” começa a tornar-se, ao menos na comunicação oficial, preferido.

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