Na Argentina resultado das prévias deve agravar situação econômica

As prévias partidárias realizadas ontem na Argentina apontam para uma disputa presidencial muito dura e apertada em outubro. A incerteza aumentou, e isso deve abalar ainda mais a economia do país nos próximos meses. 

Nesse cenário, Banco Central elevou hoje a cotação do câmbio oficial em mais de 22%, para 350 pesos por dólar e a taxa de juros em 21 pontos percentuais, para 118%. O dólar no mercado paralelo abriu com alta de 11%, cotado em cerca de 670 pesos e fechou em 585 pesos. Os principais títulos da dívida externa argentina caíram em níveis acima dos normais. 

O motivo disso foi o ótimo resultado obtido pelo ultraliberal Javier Milei, que foi o candidato presidencial mais votado nas Paso (primárias abertas, simultâneas e obrigatórias). A votação de ontem era uma prévia partidária para escolher os candidatos de cada coligação. 

Milei, que era candidato único na sua coligação A Liberdade Avança, ficou com 30% dos votos. Já a coligação Juntos pela Mudança (centro- direita) tinha dois candidatos e ficou 28,3% dos votos (a vencedora foi Patricia Bullrich, com 17%). Em terceiro lugar ficou a coligação governista União Pela Pátria (centro-esquerda), que também tinha dois candidatos e obteve 27,3% (o vencedor foi Sergio Massa, com 21,4%). 

Isso significa que Milei, Bullrich e Massa serão os principais candidatos nas eleições presidenciais de outubro.As Paso deram algumas sinalizações importantes. 

1. Milei se mostrou um candidato competitivo. Havia dúvidas sobre seu desempenho, mas ele conseguiu atrair um imenso voto de protesto no país. E foi surpreendentemente bem no interior do país, apesar de ter pouca estrutura partidária. 

2. A coligação de Bullrich, ligada ao ex-presidente Mauricio Macri, foi pior do que as pesquisas indicavam. A candidata terá agora de captar os votos que foram para o seu adversário na disputa interna da coligação. 

3. A coligação governista obteve o pior resultado eleitoral do peronismo, mas também mostrou que poderá ser competitiva no primeiro turno. 

4. Pela primeira vez na sua história recente a Argentina tem um quadro eleitoral com três grandes forças políticas. Até agora havia sempre o peronismo contra um único adversário. 

Tudo isso aponta para um cenário eleitoral muito indefinido, e a disputa deverá ser apertada. É impossível hoje cravar quem irá para o segundo turno. 

Nas Paso votaram 69,6% dos eleitores. Já na eleição presidencial, o comparecimento na Argentina costuma ficar acima de 80%. Logo, milhões de eleitores que não votaram ontem deverão ir às urnas em outubro. Em quem eles votarão? Não está claro. Quem conseguir capturar uma parcela maior desses votos irá para o segundo turno. 

Milei sai com 30%, mas parte desses votos pode ter sido apenas de protesto. Não necessariamente vão se repetir em outubro. A partir de agora, ele será mais duramente atacado pelos adversários. 

Bullrich foi a grande perdedora de ontem. A expectativa era que sua coligação ficasse em primeiro. Mas por pouco não ficou em terceiro. Ela terá de aglutinar os votos da sua coligação e atrair mais eleitores. Como ela se posicionou bem à direita, acabará disputando eleitores com Milei. 

Já Massa terá o desafio de ser o candidato de um governo que deixa o país numa forte recessão e com inflação que deve fechar o ano perto de 150%. E isso sendo o atual ministro da Economia. Ainda assim, sua coligação obteve mais de 27% dos votos. É difícil pensar que o peronismo fique muito abaixo de 30% na eleição presidencial. 

E por que esse cenário eleitoral incerto afeta a economia

Principalmente pela perspectiva de Milei ser eleito presidente. Apesar de ser um liberal, ele não tem o apoio da imensa maioria dos agentes econômicos na Argentina e no exterior. Empresários, economistas e investidores temem que as propostas de Milei agravem ainda mais a crise econômica e levam o país a um novo default. 

Milei tem propostas consideradas radicais, como a abolição do Banco Central e um “corte brutal”, como ele mesmo diz, dos gastos públicos. E fala ainda em dolarizar a economia – uma experiência parecida com o que já deu errado no país, quando a Argentina adotou o currency board, com a paridade entre o peso e o dólar. 

Além disso, sua coligação provavelmente ficará longe de ter maioria no Congresso. É difícil imaginar como ele conseguirá negociar o apoio dos demais partidos, aos quais ele costuma se referir como “casta parasitária e inútil”, que ele promete exterminar. 

Era esperado que, se Milei fosse bem nas Paso, haveria um abalo na economia. A disparada do dólar e a queda nos títulos da dívida argentina indicam que os investidores e a população em geral estão buscando proteção contra esses riscos, que agora precisam ser levados a sério. 

A candidata preferida dos mercado é Bullrich, justamente a que se saiu pior nas Paso. Massa, apesar de ser ministro da Economia, não é um kirchnerista e é visto mais como um centrista do que como um esquerdista. 

Essa incerteza toda poderá antecipar o agravamento da situação econômica, que era esperado para o começo do ano que vem, na esteira dos ajustes que terão de ser feitos pelo próximo governo. Massa deverá agora tentar jogar a culpa em Milei pela piora da economia daqui até o final do ano. Não está claro o quanto isso irá colar junto ao eleitorado. 

https://valor.globo.com/mundo/coluna/avano-de-milei-deve-agravar-situao-da-economia-na-argentina.ghtml

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