Indicação de Kamala Harris é bem recebida por Wall Street

A decisão do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, de ter a senadora Kamala Harris como companheira de chapa foi bem recebida por Wall Street. Nem mesmo a lembrança feita por ele das medidas que a, agora, indicada à vice-presidência tomou contra os bancos enquanto ainda era procuradora-geral da Califórnia diminuíram a sensação de alívio. 

As calorosas boas-vindas se devem ao fato de Harris ser uma escolha mais moderada, o que significa que Biden, ao menos por enquanto, evitou ceder aos desejos da ala mais progressista do Partido Democrata, que pedem uma regulação mais rígida do sistema financeiro do país. 

Durante as primárias, Kamala conseguiu impressionar um grupo de executivos que tendem a ser conservadores na área fiscal, mas liberais nos costumes. Para eles, a companhia de chapa está alinhada com o ex-vice-presidente em questões mais caras a Wall Street, o que também se torna um ativo para atrair grandes doadores. 

Líderes empresariais e do mercado financeiro disseram que a senadora deve ser uma voz moderada e comprometida com a reconstrução de uma economia abalada pela pandemia de covid-19, apesar de esperarem alguns confrontos com Wall Street caso os democratas sejam eleitos. 

Como procuradora-geral da Califórnia, ela ajudou a responsabilizar os grandes bancos por seu papel na crise de 2008-2009 e propôs tributar as transações financeiras para pagar por uma reforma no sistema de saúde. As lideranças de Wall Street, porém, disseram não levar o passado de Kamala para o lado pessoal. 

“Acho que ela é uma pessoa racional, razoável, que trabalhou no sistema”, disse Bill Daley, chefe de relações públicas da Wells Fargo. “Ela é progressista? Sim. Ela é alguém que quer derrubar o sistema? Não. Acho que ela quer fortalecê-lo.” 

A senadora democrata já se provou perita em cortejar doadores ricos, enquanto falava com credibilidade sobre as preocupações da classe média. Para sua campanha ao Senado, ela buscou contribuições — e dinheiro — de executivos de todos os setores e elogiou o histórico apoio a pequenos empresários em um evento em Iowa patrocinado pelo Goldman Sachs. 

Blair Effron, cofundador do banco de investimentos Centerview Partnets, doou para campanha de Kamala nas primárias democratas. Para ele, ela é “direta, mas construtiva” e acha que as grandes empresas têm “a responsabilidade de ser parte da solução.” “Mas ela deixa claro como todos nós nos beneficiaremos da prosperidade compartilhada”, disse ele. 

O histórico de Kamala como promotora pode sinalizar uma postura mais dura na proteção dos consumidores, mas uma nova regulação financeira, sistema relaxado durante o governo de Donald Trump, deve ficar em segundo plano. A prioridade mais imediata será recuperar a economia. 

“Ela acha que o que é bom para os negócios deve ser e pode ser bom para o país”, disse Charles Phillips, copresidente da Black Economic Alliance e um apoiador de longa data da senadora. “Ela quer descobrir uma maneira de o sistema funcionar para todos e expandir o bolo”. 

Perfil

Filha de mãe indiana e pai jamaicano, Kamala foi eleita para o Senado em 2016 e não é uma completa estranha para o mundo corporativo. Como promotora distrital de São Francisco e depois procuradora-geral da Califórnia, ela era vista como alguém que, às vezes, simpatizava com a indústria de tecnologia, compreendendo o potencial econômico para o Estado, mesmo que isso promovesse uma crescente desigualdade e reações sociais. 

Segundo alguns executivos de Wall Street, a escolha da senadora sinaliza que o Partido Democrata deve seguir um caminho mais moderado, após recente guinada à esquerda da legenda devido às pressões das alas mais progressistas. 

Para ser a vice de Biden, ela derrotou candidatas mais liberais, em particular a senadora Elizabeth Warren, que defendia regulações bancárias mais rígidas. Agora, Kamala se posiciona como favorita para, um dia, suceder o ex-vice-presidente, de 77 anos, caso ambos sejam eleitos. 

Em discursos, eventos privados de arrecadação de recursos e pronunciamentos, a senadora também deixou claro que não tolerará atos ilícitos. E disse que pode apoiar propostas que possam reduzir as vantagens das grandes empresas ou dos ricos. 

A principal ideia seria criar um imposto sobre transações financeiras, uma política também defendida por Elizabeth Warren que afetaria os lucros de Wall Street. 

Kamala disse que usaria o imposto para pagar um plano de saúde administrado pelo governo, que ainda permitiria uma atuação limitada das seguradoras privadas. 

Kamala não fez parte do Comitê Bancário do Senado ou se envolveu em negociações diretas com Wall Street, mas participou de algumas grandes decisões políticas tomadas pelo Congresso desde então. 

A senadora disse, por exemplo, que o Paycheck Protection Program, programa emergencial criado para emprestar dinheiro a empresas durante a pandemia, não foi “criado para encher os bolsos das grandes corporações”, pedindo mais transparência sobre o destino de dinheiro. 

Em 2011, ela se retirou de um acordo nacional com os grandes bancos, em resposta às práticas das instituições financeiras durante a crise que atingiu o país anos antes. A postura firme catapultou sua carreira política, mas custou caro para a Califórnia. 

“Não é um ótimo [nome] para as [empresas] financeiras, mas não é um divisor de águas”, escreveu Brian Gardner, analista da KBW, em uma nota enviada aos clientes, 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/08/12/indicacao-de-kamala-harris-como-vice-de-biden-e-bem-recebida-por-wall-street.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação