Era só por 20 centavos

Por Eduardo Benzatti

Na semana passada realizamos na ESPM um debate (melhor, uma conversa) entre alguns professores e alunos sobre as expectativas em relação às manifestações que estavam programadas para o feriado de 7 de Setembro – que, segundo algumas convocações pela Redes Sociais, prometiam ser “as maiores da história” do Brasil recente.

Pois bem, quem as acompanhou ao vivo – ou pelos telejornais – pode observar o quão distantes ficaram daquelas grandes mobilizações do mês de junho deste ano que levaram às ruas do país milhares de pessoas de diversas classes socioeconômicas – ainda que para alguns analistas tenham sido manifestações com predominância da chamada “classe média” (seja lá o que isso significa sociologicamente).

Nesse 7 de setembro, em diversos lugares ao longo do território nacional – em especial nas grandes e médias cidades – verificou-se a presença de grupos sociais também heterogêneos: em alguns, houve a predominância daqueles mais organizados e que já há 19 anos marcam presença nesse dia através do “Grito dos Excluídos”, organizado pelos setores mais progressistas da Igreja Católica e apoiados pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; em outros, verificou-se uma presença maior de setores também organizados politicamente da sociedade civil: Partidos Políticos, Centrais Sindicais, sindicatos, entidades do movimento estudantil, Centrais de Movimento Populares, MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (organizações que ainda engrossavam, dependendo da localização, o “Grito dos Excluídos” já citado).

Aquela parcela de indivíduos não pertencentes a quaisquer organizações sociais ou políticas claramente definidas – que formava a maioria das grandes manifestações do final do semestre passado – também foi para as ruas, mas num inúmero infinitamente menor se comparado àquele momento. Outros que marcaram presença foram os grupos que se utilizam da violência e da depredação do patrimônio publico e/ou privado para comunicarem sua insatisfação com a democracia burguesa, a desigualdade social, a violência estatal, as políticas excludentes e tantas outras excrescências produzidas pelo capitalismo neoliberal que governa o mundo e as relações pessoais nos dias de hoje.

Mas, por que as manifestações do recente “Dia da Pátria” não tiveram o caráter “de massa” que pretendiam alguns grupos? Algumas hipóteses já foram levantadas, vou aqui relembrá-las: naquelas que surpreenderam o país em junho – convocadas primeiramente pelo MPL-SP (Movimento Passe Livre de São Paulo) – havia um objetivo político inicial bem concreto: a redução das tarifas de ônibus de várias cidades brasileiras (o que de fato foi conquistado em muitos municípios). Na esteira dessa revindicação, muitas outras surgiram: das mais genéricas (“Contra a Corrupção”) até outras mais objetivas (“Contra a PEC 37”, a Proposta de Emenda Constitucional que, se aprovada, limitaria o poder de investigação do Ministério Público). Essa infinidade de “revindicações” parece ter diluído a eficácia das mobilizações: muitas “bandeiras” = nenhuma “bandeira”. Outro fator importante foi a saída do MPL: como grupos organizados política e socialmente foram hostilizados nas concentrações e passeatas (o argumento era que as manifestações não poderiam ser cooptadas pelos grupos que tradicionalmente estão na frente desses tipos de movimento, afinal, as mobilizações daquele momento representavam também um basta as “velhas formas” de fazer política e, assim sendo, não deveriam ter uma direção, no sentido de um comando unificado), o MPL decidiu então abandonar essa forma de luta. Resultado irônico: o que parecia ser a grande novidade do movimento (além da demonstração do poder das Redes Sociais para as convocações dos protestos), ou seja, a falta de uma liderança específica tornou-se um dos motivos da sua dispersão. Sem comando = sem rumo. Há ainda uma questão histórica bem pontual: as manifestações de junho aconteceram em plena realização da Copa das Confederações no Brasil, e parte dos protestos se voltaram aos gastos excessivos das três esferas de governo na construção e reforma dos estádios de futebol visando a realização não só desse evento esportivo, mas ainda da Copa do Mundo da FIFA em 2014.

Porém, o que talvez tenha contribuído sobremaneira para o esvaziamento das grandes mobilizações tenha sido a presença de grupos “não organizados” politicamente – ainda que se intitulem “anarquistas” (destaque para aqueles que se denominam do movimento “Black Bloc”) que se utilizam de táticas violentas para marcar presença nas manifestações: suas revindicações ora coincidem, ora não com aquelas que ouvimos nas ruas: vão desde “Contra a Corrupção” até “Contra o Capitalismo”. Seus alvos são preferencialmente os “símbolos do grande capital”: bancos, grandes lojas, redes de lanchonete de marcas globais até o mobiliário urbano público (sem falar de jornalistas e policiais). Normamente vestem roupas pretas, usam máscaras para não serem identificados e divulgam pela internet seus próprios vídeos de convocação para e registro de suas ações. Esse tipo de ação política – que muitos acreditam importantes para “acordarem as massas oprimidas” e assim iniciar um processo verdadeiramente revolucionário – parece ter assustado boa parte daqueles que engrossaram as manifestações pacificas (especialmente aquela “classe média” que citamos no início do artigo).

Ao final, fica uma sensação que – pelo menos por enquanto – tanta mobilização foi “só por 20 centavos” (redução concreta da tarifa de ônibus na capital paulista), pois até a “agenda positiva” que o Congresso Nacional colocou em andamento por pressão das ruas, parece-me estar parada.

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