Os futurologistas passaram as últimas décadas prevendo a ascensão dos robôs, quando máquinas inteligentes tirariam os empregos dos seres humanos. Essa nova era nunca chegou de verdade. As máquinas fizeram avanços sobre a força de trabalho, mas não houve uma transferência maciça do homem para a máquina. A atual pandemia do coronavírus, porém, pode tornar essa visão um pouco mais próxima e acelerar a automação – justamente quando há muita preocupação com as perspectivas de desemprego em massa.
As novas regras de distanciamento social já estão impulsionando o uso de mais automação. Nos hospitais, robôs especializados desinfetam quartos, enquanto outros entregam amostras de sangue para laboratórios. Na Itália, a polícia usou drones para garantir o cumpriments das regras de lockdown. Robôs de limpeza de piso já lavam corredores de supermercados de várias redes dos EUA.
É provável que a pandemia também marque o início de mudanças de longo prazo. À medida que as empresas reconfiguram seus escritorios e fábricas, aquelas que têm os recursos financeiros necessários devem avançar nos investimentos planejados há muito tempo em novas máquinas e em formas de trabalho mais automatizadas. Onde é possível, isso é uma coisa boa.
As empresas verão oportunidades para investir em novos sistemas de TI para conectar cadeias de fornecimento. A pandemia pode ainda acelerar a adoção da automação de processos robóticos, o que permitiria uma força de trabalho híbrida de robôs e pessoas e possibilitaria aos seres humanos serem mais produtivos em outras áreas. Antes da crise atual, países com as maiores taxas de utilização de robôs, como Japão e Alemanha, tinham desemprego muito baixo.
Mas nem todas as empresas conseguirão investir. Pesquisa recente previu que os gastos globais com serviços e produtos de TI somarão US$ 3,4 trilhões neste ano, queda de 8% em relação a 2019. Muitas empresas vão falir; outras mal conseguirão sobreviver.
Enquanto isso, o temor com o desemprego em massa é real. Muitos dos que esperavam voltar a seus empregos após o fim das quarentenas – em especial as pessoas com funções menos qualificadas e salários mais baixos, como faxineiros ou recepcionistas – agora podem ver esses trabalhos passarem para robôs. Já antes da pandemia havia preocupação com o impacto, para trabalhadores menos qualificados, do uso maior de robôs em áreas como logística.
Os governos precisam estar alertas para o risco de exacerbação da crise. Proteger os empregos existentes e ao mesmo tempo achar maneiras de criar mais vagas deve ser uma prioridade. Um relatório recente da McKinsey recomenda intervenções do governo para estimular a demanda do consumidor e recuperar a confiança. A história pode ser um guia: países que sofreram uma queda acentuada no turismo depois de ataques terroristas ofereceram vouchers ou descontos para grupos específicos.
Haverá oportunidades. A pandemia obrigou os países a reexaminar a resiliência de suas cadeias de fornecimento, como as de alimentos e ligadas à saúde. Um dos resultados é que algumas empresas devem “realocar” parte da produção para mais perto de casa. Elas devem ser incentivadas a fazê-lo de uma maneira mais tecnológica.
Outras iniciativas razoáveis incluem subvenções para investimento em novas tecnologias. Para pequenas e médias empresas, incentivos fiscais, como créditos tributários, são uma opção. Melhorar a capacitação dos trabalhadores também será fundamental. Os governos devem estudar a possibilidade de combinar esquemas de licença com programas de treinamento. Intervenções de longo prazo devem se concentrar na promoção de capacitações técnicas. Nada disso será fácil. Os formuladores de políticas precisarão de imaginação e flexibilidade para armar a próxima geração com as capacidades corretas, para que não precisem temer os robôs.
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/05/22/epidemia-deve-acelerar-automacao-nas-empresas.ghtml