Carolina Bernardi e Lucas Davi Bertol – Alunos do Curso de Ciências Sociais e do Consumo ESPM – SP
“Entre morrer de fome e morrer de barriga cheia acho que prefiro morrer de barriga cheia, né? Por que de fome não dá.” A frase contundente é dita por Lucas Silva Nunes, ajudante de pedreiro que aguarda na longa fila da Caixa em busca do auxílio, e que foi registrada por uma reportagem do programa Fantástico, Globo. Esse dilema está presente na vida de milhões de brasileiros durante o período de pandemia do COVID-19, que assombra todo o mundo, e, nas últimas semanas, tem se propagando de forma vertiginosa no Brasil, batendo a lamentável marca de mais de 21 mil mortes, no dia 23 de maio de 2020.
O novo coronavírus surgiu na cidade de Wuhan, China, no final do ano de 2019, segundo a reportagem da Folha de São Paulo. O vírus, extremamente contagioso, em apenas dois meses e meio já se encontrava em variados continentes, sendo necessário a declaração de pandemia pela OMS em 11 de março de 2020. As principais medidas tomadas, até agora, para combater o COVID-19, são o distanciamento social e isolamento de doentes ou suspeitos, em suas casas ou hospitais. Para isso o comércio foi fechado, sendo permitido somente o funcionamento de serviços fundamentais, como hospitais, farmácias e supermercados.
As medidas que param as cidades e seu fluxo econômico, protegendo milhões de brasileiros de se contaminarem, faz também com que suas formas de trabalho, e consequentemente suas fontes de renda, sejam paralisadas. Milhões de brasileiros sentem no bolso os resultados, principalmente os mais vulneráveis economicamente na sociedade, como os trabalhadores informais, os autônomos, desempregados, e os microempreendedores individuais (MEI), que segundo o Sebrae somavam em janeiro de 2020 mais de nove milhões de brasileiros.
Frente a esta situação, o Congresso Federal, aprovou a medida de disponibilizar um auxílio emergencial de R$600,00, que serão depositados três vezes, seguindo um cronograma estipulado, para ajudar as pessoas que estão em maior dificuldade neste período. Segundo estimativa do Estado, este grupo soma em cerca de 54 milhões de brasileiros. Apesar do valor abaixo do salário mínimo, e que não soluciona todos os problemas desses requisitantes, ele possui grande importância, pois esse dinheiro, em muitos casos, representa ter um teto para morar, ou até ter comida na mesa durante este período complicado da economia, causado pela pandemia.
Entretanto, conseguir acesso a este auxílio se tornou um problema antes de ser solução para boa parte da população, pois muitos deles não possuem contas em banco ou até mesmo CPF. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, de 2019, mostrou que o Brasil tem, aproximadamente, 45 milhões de desbancarizados, sendo destes 59% do sexo feminino, 62% interioranos e 39% nordestinos. A proporção, estimada pelo instituto, é de 1 brasileiro desbancarizado para 2 que possuem contas em banco. Isso fez com que o Governo Federal tivesse de tomar medidas para tornar o chamado “coronavoucher” acessível.
Os anos de 2018 e 2019 foram marcados por parte da população aplicando as suas finanças, resultando no recorde de investidores na Bolsa de Valores brasileira, que, segundo a B3 (antiga Bovespa) atingiu a marca de 1,4 milhões de brasileiros. O ano de 2020, em contrapartida, mostra como otimismo em relação a esta adesão, na verdade, invisibiliza ainda mais as camadas populares e oculta as suas necessidades: enquanto se imagina que as finanças e os investimentos estão dominando o país, 64% dos indivíduos da classes C/D/E não poupam seu dinheiro, e 26% da população sequer tem acesso à bancos.
Para solucionar a falta de contas em banco e CPF, o governo facilitou a forma de emitir o cadastro de pessoa física, que pode ser feito, durante este período de pandemia, por e-mail, e as contas em banco não precisam ser criadas presencialmente, e sim online, o que agiliza o processo e deveria evitar aglomerações.
Porém os empecilhos para conseguir este dinheiro são muitos, que passam pela falta de cadastro, de CPF, de contas e principalmente problemas para finalizar o cadastro no site ou no app do auxílio emergencial, na qual o sistema apresenta diversos problemas para aceitar documentação e dados pessoais, dando como inválidos impossibilitando a aplicação. Além disso, a conclusão do pedido não garante o acesso a este dinheiro, que pode ser negado sem grandes explicações, privando parte da população a este auxílio necessário e que se mostra difícil de ser adquirido. Estas complicações resultam na população buscando as soluções além do espaço digital, indo até unidades da Caixa Federal e se amontoando em extensas filas em busca de solução e auxílio.
O coronavírus, a paralisação das cidades e principalmente o que isso resultou na economia do país e das famílias, expôs as fragilidades do governo brasileiro frente a sua população. As longas filas nas unidades da Caixa Federal em todo o Brasil escancaram a existência de um de um grupo social invisibilizado e inexistente. O estado não possui registros sobre 11 milhões de brasileiros que compõe o grupo que pode pedir pelo auxílio. Não sabem quem são, onde estão ou quais são as suas necessidades. Estes não recebem nenhum auxílio e não estão no cadastro único, apesar de se encaixarem no perfil.
Tal classe se revela para a sociedade durante esse período de dificuldade, toma espaço nas grandes mídias, assim como as suas necessidades, dores e fragilidades, que são impressas diariamente nas longas filas em frente aos bancos ao redor do Brasil. Esse grupo aguarda incansavelmente, passando noites em filas gigantescas, se submetendo ao frio, à fome, ao desconforto e desespero em busca de um pequeno amparo governamental na forma de R$600,00.
O cenário atual escancara a situação agonizante dos desbancarizados e seus esforços em busca de inclusão no setor bancário para obtenção do socorro do governo. A crise de saúde por assim dizer, fez saltar aos olhos algo constitutivo, de longa data, na sociedade brasileira – a desigualdade.
Carolina Bernardi – 4° semestre
Lucas Davi Bertol – 3° semestre
CI-Lab
(Laboratório de Consumer Insights do Curso de Ciências Sociais e do Consumo, Espm)