Duas telas, vista cansada

Por Pedro de Santi

Sobre o post do dia 23/05: “Um olho na TV e outro na rede social”.
Num post publicado pelo Nota Alta ESPM no último dia 23, noticia-se que cada vez mais pessoas associam o uso da tv à internet. Quer para ter acesso a filmes alugados ou baixados, quer para conferir ou mesmo comentar o que se está assistindo em tempo real em redes sociais: a cada jogo importante ou capítulo de novela, acompanhamos a difusão de comentários em tempo real. A TV, portanto, já é definitivamente uma mídia social, distante daquele aparelho autoritário, alienante e unilateral de quarenta anos atrás. Esta tendência parece bem definida para o consumo e indica padrões recentes de comportamento.
Muito do que teorizou sobre cultura de massa exige uma revisão teórica num ambiente de tanta interação, mesmo que os produtores de conteúdo não sejam a maioria dos usuários. A simples mobilidade de escolha sobre o que assistir já transforma as relações de poder envolvidas.
Mesmo que a tv não possua acesso à internet, a expressão “duas telas” já está incorporada à nossa conversa. É muito comum se assistir tv e ter consigo o smartphone ou o tablet e estar alternando constantemente o registro. Esta possibilidade tão tentadora é a cara de nossa cultura de excesso de acesso, que tanto nos oferece e que de tanto nos priva. Oferece acesso, proximidade, informação e até mobilização social; e nos priva de foco, concentração, profundidade, temporalização das experiências.
As duas telas estão presentes também em sala de aula, como já tive a oportunidade de trabalhar em um post para o Nota Alta. Aliás, num final de semestre, com uma dezena de trabalhos para concluir em poucas semanas, a capacidade de cindir a mente em telas será imprescindível para nossos alunos. Costumo dizer: se você for dda (distúrbio do déficit de atenção), não trabalhe com microcirurgia, mas você será muito bem vindo num curso como Comunicação. Por trás da brincadeira, naturalmente, está a observação segundo a qual, no mínimo, um bom contingente daqueles jovens diagnosticados com a tal síndrome não são mais que sujeitos constituídos em nosso ambiente hiper estimulante e demandante.
Ante a grande demanda, ao longo do semestre vamos nos exaurindo, esvaziando, a tolerância vai diminuindo e ficamos mais sujeitos a confrontos, esquecimentos, doenças oportunistas. Ao invés de fazermos nosso trabalho com qualidade e criatividade, vamos apenas “tirando da frente” trabalhos e obrigações. Assim se constrói o componente ambiental dos déficits de atenção. A vista se cansa por tanta excitação e alternância de foco. Não se chama nossa cultura de narcísica por seu componente de individualismo ou egoísmo: nosso fechamento narcísico é defensivo, ante um mundo hostil e excessivo. Traumático, portanto.
A capacidade de gerenciar duas ou mais telas vem se tornando uma imposição cultural. Somos capazes de reagir abrindo e cindindo janelas internas. É um recurso. E como tudo, cobra seu preço.
E aqueles dois remedinhos famosos e concorrentes funcionam? É claro. Isto prova que o diagnóstico estava correto? É claro que não. Qualquer um que tomar as tais medicações terá mais foco por algumas horas. De minha parte, embarco feliz nas minhas telas e, vez por outra, desembarco.
Momento Zé Rodrix: Amigos, família, livros e discos. Começo a pressentir as férias de julho.

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