Da série: Princípios da Criação

Por Heraldo Bighetti Gonçalves

4. Tempo. Tempo. Tempo.

Aha! Não poderia seguir adiante sem dar uma rápida olhada no conceito de tempo útil. Como vimos, a sobrevivência de qualquer espécie depende exclusivamente de encontrar fontes de energia para alimentar seu organismo, e, é claro de se prevenir contra as ameaças à vida vindas do meio que o cerca. Você já viu um beija-flor? Claro que já. Por pouco tempo, tenho certeza. O lindo pássaro zumbe velozmente entre as flores. Pára e enfia seu bico fino na corola de alguma incauta orquídea e pronto. Já está na colega ao lado. Você já viu algum beija-flor pousado num galho apreciando a paisagem? Se coçando? Cantando para chamar sua companheira? Não. O motivo é simples. Ele não pode parar de ir atrás de alimento. Voar gasta muita energia, mas é só assim que ele consegue mais energia. O saldo certamente será positivo, mas bem pequeno. E o que é feito com a reserva? Quando a noite chega nosso amigo beija-flor, que não possui radar como os morcegos, é obrigado a descansar e queimar a energia disponível no corpo para se manter aquecido e vivo.

A energia é uma constante e por ser pequeno, o beija-flor deve economizar o máximo de energia possível. Para comandar todo esse processo da vida de um beija-flor que consiste em voar, localizar fontes de energia, abrigo, sexo e outros instintos, existe um cérebro. Uma pequena pergunta. As árvores têm cérebro? Claro que não. As plantas resolveram o problema de buscar alimento de outra forma. Elas não voam, não andam, nem nadam. Ou seja, não se movimentam. E, portanto, não precisam desse sofisticado órgão descoberto pela evolução.

Se você acha que o livro mudou de enfoque, faça já uma lição de casa: construa metáforas entre o que você leu acima, sua vida criativa e a de seus semelhantes.

Como um aprendiz de feiticeiro, você deve começar observando tudo. E no presente instante, observe o que é feito com o seu precioso tempo. Sim, porque desde o seu nascimento, sua vida está definida em como você vai utilizar o seu tempo disponível aqui na Terra. Existe um ditado escocês que diz: “Aproveite bem a sua vida, porque você vai passar muito tempo morto”.

Aproveitar bem é a parte do prazer. A outra parte fica por conta da sobrevivência, conseguir alimento e abrigo. Na minha modesta opinião, se conseguirmos conciliar sobrevivência com nosso prazer estaremos atingindo alguma coisa perto daquilo que convencionamos chamar de felicidade. Pense só, nesse mesmo instante, boa parte da população do globo está ocupada em trabalhar, fazer compras, estudar, se divertir, ver TV. A outra parte deve estar dormindo. Ou vice-versa. A oferta de atrativos e sensações para nossa percepção é imensa. Parece que somos obrigados a fazer sempre mais o tempo todo. E o que mais falta? Tempo. E tempo é dinheiro, segundo o aforismo de Benjamin Franklin que algum publicitário utilizou neste antigo spot de rádio: “Tempo é dinheiro. Ganhe dinheiro não perdendo tempo. Vá direto a Lustres Bobadilha…”. Aqui temos um conceito muito interessante. Se tempo é dinheiro, tempo é valor. Mais antigo que o Lustres Bobadilha, porém muito iluminado foi o chinês que disse “Uma imagem vale por mil palavras”. Olha a imagem aí gente! A tradução do mandarim arcaico porém pecou num detalhe: palavras não, valores sim. O que ficaria algo como “Uma imagem possui mil valores”. Imagens e tempo são os valores do século XXI.

A carência de tempo é um mal que começou lá pelos anos 80 do século passado e já se tornou epidêmica no presente (ou será que sempre foi assim?). Nos anos 1990, o tempo passou a ser a moeda corrente entre as nações. Dinheiro até existe, o que as pessoas parecem não ter é tempo disponível. Para quê? Para ganhar tempo e deixar o tempo passar sem se preocupar com o tempo. Também é certo dizer: para receber informações, estar atualizado, sintonizado, conectado. Porém nosso clock biológico é bem diferente do clock do laptop que estou escrevendo no momento. Nossa velocidade limite de apreensão de um texto é de apenas 55 bytes por segundo. Com o passar do tempo, vai se criando uma imensa ansiedade causada por essa montanha de dados. Será inveja do micro?

A sociedade do século XXI está baseada nas informações. Teóricos já disseram que quem dominar a informação, dominará o mundo. Porém, o que descobrimos é que a informação nos domina. Nunca, em toda a história da humanidade, tanta informação foi e continua a ser gerada em tão pouco espaço de tempo. Grande parte dela é descartável e com o surgimento e disseminação da Internet, esse problema aumentou de forma astronômica. Um browser muito popular no final do século XX declarava em sua home page que na consulta estariam sendo pesquisados mais de um bilhão e meio de sites! A torre de babel moderna não é de línguas, mas de palavras que levam um tempo muito grande para serem decodificadas, entendidas, disseminadas.

Acho que deveríamos mudar a máxima do domínio do mundo para algo bem mais pretensioso “Quem conseguir dominar o tempo, dominará a eternidade”. Já deu para sentir que o feitiço virou contra o feiticeiro de plantão.

E você sabe no que está resultando toda essa abundância de palavras e pouco tempo para decifrá-las ou torná-las informação? O retorno a uma certa galeria de arte para lá de contemporânea.

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