Por Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares
A 37.a Mostra Internacional de Cinema chegou ao fim e o grande vencedor (Prêmio do Júri e do Público) foi o documentário sul-africano PLANO PARA A PAZ, de Carlos Aguilló e Mandy Jacobson.
O filme acompanha o trabalho do empresário francês Jean-Yves Olliver, no início dos anos 80, como articulador entre o governo francês (teoricamente neutro), a UNITA (Organização dos Países Africanos) e o regime de Peter Botha. O objetivo é mobilizar a opinião internacional e sensibilizar o governo da África do Sul de que o apartheid é um regime que contradiz os direitos humanos mais elementares.
Valendo-se de seus contatos com Jacques Chirac e vários políticos franceses bastante influentes, Olliver disponibiliza parte de sua fortuna para comprar e trocar prisioneiros políticos em vários países africanos, num complicado tabuleiro que envolve a África do Sul, Angola, Moçambique, a UNITA e vários outros governos.
A luta foi dura, Botha cedeu e o mundo comemorou o fim do apartheid. O espanto é o júri e o público terem se encantado com um filme que sequer levanta uma questão básica que salta à vista de qualquer cidadão medianamente informado: o que o governo francês levou em troca do apoio à campanha contra o regime? A resposta, oficial, é que a luta angariaria pontos a favor de Chirac.
Ninguém precisa, no entanto, ser especialista em política internacional para saber que nenhum país europeu é neutro em relação à África. Tudo o que acontece no continente africano envolve interesses econômicos. É lá que estão as maiores jazidas minerais e os maiores recursos naturais do planeta. E o colonialismo do século XXI não se opera mais por invasão de território e sim pelo capital investido pelos países do Primeiro Mundo na exploração desses recursos.
Some-se a isso o interesse dos países ricos em vender aviões e armamentos. Enquanto isso, França e os autoproclamados países neutros, como Suíça, Áustria e Bélgica, refestelam-se exibindo em suas capitais dezenas de sedes de organizações humanitárias. No centro de Genebra, por exemplo, encontra-se, em frente ao prédio da ONU, a escultura “CADEIRA QUEBRADA”, assinada por Paul Vermeulen. A cadeira possui três pernas inteiras e uma quebrada à meia altura. A obra está ali desde 1997, em apoio à Convenção de Ottawa, que propunha o fim do uso de minas terrestres.
A intenção é boa. Mas sabemos que a Suíça e a Áustria produzem tecnologia usada em armas de alta precisão! Sem falar dos bancos suíços, nos quais estão as fortunas de alguns dos maiores genocidas do mundo, como a do ditador da Coreia do Norte.
Lembremos também as multinacionais que compensam seus índices de poluição plantando florestas de eucaliptos em países da periferia do Terceiro Mundo. É assim que empresas americanas ordenam neste momento a execução sumária de camponeses em Honduras, para se apossar de terras que serão usadas na equação dos hidrocarbonetos.
Esse tipo de falcatrua travestida de boa intenção não é novidade. Ela perpassa, em todas as épocas e com diferentes roupagens, a história dos povos dominados. No Brasil, nossa arquitetura colonial é um exemplo aberrante dessa prática. Qualquer imagem de engenho mostra a capela, sempre.