Brasil, Canadá e EUA apresentaram ontem no comitê de negociações comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC) uma proposta que visa, na prática, frear certas práticas adotadas pela União Europeia em suas importações de produtos agrícolas. A proposta é para os países se comprometerem a adotar medidas sanitárias e fitossanitárias (SPS, na sigla em inglês) baseadas realmente em dados científicos ou normas internacionais e evitarem banir algumas compras.
Para os três proponentes, é preciso levar em conta a evolução da produção agrícola global, o ritmo de inovação em equipamentos e tecnologias, as mudanças climáticas, o estresse na produção de alimentos, a crescente importância de práticas agrícolas sustentáveis e o combate à propagação de pragas e doenças, entre outros fatores. A proposta não prevê emendas no Acordo SPS e deixa claro o direito de cada país de adotar medidas para proteger a saúde humana, animal e das plantas. Mas prega que tudo isso seja feito com base em princípios científicos e que eventuais medidas sejam aplicadas no grau necessário, sem que sejam mantidas sem evidências científicas e avaliação de riscos.
A UE vem sendo acusada há tempos por exportadores agrícolas de atropelar padrões internacionais – na fixação de Limites Máximos de Resíduos (LMR) de um produto, por exemplo. O Brasil já questionou a UE em comitês técnicos de ter se afastado dos LMR estabelecido pelo Codex Alimentarius nos casos do uso do agrotóxico tiabendazol no cultivo de mangas, de imazalil em bananas e de clorato em frutas cítricas. Para o Brasil e outros exportadores, Bruxelas implementou uma redução de LMR sem base científica sólida. Esses países sustentam que o resultado da avaliação de risco europeia é inconclusivo devido a “data gaps” ou porque a metodologia usada se distancia da usada pelo Codex.
O Codex Alimentarius é um organismo internacional que estabelece LMR para defensivos agrícolas. A UE faz parte do Codex e participa do órgão técnico que faz as avaliações (JMPR). Mas isso não impede os europeus de usarem uma metodologia diferente e, com isso, chegar a resultados distintos e se afastar dos padrões do Codex unilateralmente.
Para certos observadores, não é coincidência que os produtos afetados pela prática europeia costumam ser frutas tropicais que a UE não produz ou que importa em grandes quantidades. Em primeiro lugar, porque há menos estudos europeus disponíveis quando se trata de produtos que não são cultivados na UE; mas também
porque há menos lobby em relação ao pedido de autorização do fabricante da substância sob análise. Com menos lobby, as fabricantes das moléculas se sentem menos pressionadas a produzir estudos científicos que embasem as decisões de LMR. E se a UE não cultiva os produtos que usam essas substâncias, não há pressão de fabricantes. Tudo isso contribui para o “data gap”, o vício apontado pelo Brasil nas análises de risco feitas na UE.
Mas, em vez de adotar o padrão de LMR estabelecido internacionalmente pelo Codex, os europeus querem fazer um padrão só da Europa, criando o que os exportadores denunciam como barreira ao comércio. Segundo negociadores, República Dominicana, Equador, Costa Rica, são exemplos de países que estão prestes a ver suas bananas totalmente proibidas na UE porque Bruxelas fixou um LMR de buprofezina diferente do previsto no Codex.
Em recente avaliação da política comercial da UE, uma das questões mais levantadas pelos parceiros do bloco envolveu as práticas de medidas sanitárias e fitossanitárias europeias. O embaixador da UE junto à OMC, João Aguiar Machado, observou que o bloco comunitário é o segundo maior importador de produtos agrícolas do mundo, que essas importações continuam a crescer e que todas as medidas SPS da UE são notificadas de acordo com suas obrigações internacionais.
Conforme o embaixador, os Limites Mínimos de Resíduos na Europa são revisados sistematicamente pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA).
Ele lembrou que, pelo artigo 3.3 do Acordo SPS, a UE pode se desviar dos padrões internacionais se uma preocupação de saúde for levantada pelo organismo de avaliação de riscos. Machado argumentou, também, que a legislação é aplicável igualmente a produtos nacionais e importados, mas que, onde não há risco para a saúde, a UE prevê concessão de tolerâncias de importação para substâncias que não estão autorizadas para uso nos países do bloco.
Brasil, Canadá e EUA esperam atrair apoio para uma declaração multilateral de ministros de comércio na conferência da OMC que ocorrerá no começo de junho no Cazaquistão. Um consenso, porém, parece difícil, até porque para isso a UE precisa ser convencida a seguir padrões internacionais, e não os seus.
https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2020/03/03/aumenta-a-pressao-sobre-a-ue-na-omc.ghtml