Qualquer que seja o resultado das eleições alemãs em 26 de setembro, o governo que irá suceder à longa gestão de Angela Merkel deve ter, muito provavelmente, duas características insólitas para a maior economia da zona do euro: será uma coalizão tripartite e uma das partes deve ser o partido dos Verdes.
A situação é incomum. Houve uma coalizão de três partidos no início da República Federal da Alemanha, mas eram outros grupos. Uma coalizão tripartite no plano federal, com os partidos que dominam a cena política alemã desde 1961 – a CDU (partido de Angela Merkel conhecido como União Democrata-Cristã), os social- democratas (SPD), os liberais (FDP) e Os Verdes (Die Grünen), nunca ocorreu. Eles só se agruparam em coalizões estaduais.
Pesquisa do Insa para o jornal “Bild” indicou que os social-democratas e seu candidato Olaf Scholz têm 26% das intenções de voto, o índice mais alto desde junho de 2017. Os democratas-cristãos (CDU), de Merkel, e sua tradicional aliada CSU (União Social-Cristã) têm 20%. Os Verdes, 15%.
Segundo pesquisas da televisão alemã ARD, de 2 de setembro, o SPD tinha 25% dos votos, a CDU/CSU, 20% e Os Verdes, 16%. Os liberais da FDP tinham 13%. A extrema- direita AfD estacionou há algum tempo em 12% e o partido A Esquerda (Die Linke), tem 6%.
Votar não é obrigatório na Alemanha e há muitos eleitores indecisos. “São tempos fluidos no mundo e sempre tudo pode mudar”, pondera um observador. Mas o cenário atual, a duas semanas das eleições, indica que nenhum partido terá maioria. Outra mensagem dos números é que as coalizões terão que ser feitas entre três partidos. Nas hipóteses mais prováveis, Os Verdes estarão no governo.
Armin Laschet, o candidato de Merkel, perdeu muitos pontos por erros durante a campanha. Um deles foi ter sido fotografado rindo durante uma visita à região castigada pelas inundações de julho. Annalena Baerbock, candidata pelos Verdes, foi criticada por ter tido trechos de um livro seu, de pouca circulação, de autores que ela não creditou, além de recursos não declarados em seus rendimentos. Nada muito grave mas o suficiente para a candidatura desidratar no primeiro semestre. Scholz estava em terceiro há alguns meses e assumiu a liderança em agosto.
Um cenário realista seria uma coalizão dos social-democratas com os partidos amigos: Os Verdes e A Esquerda. “Mas isso é problemático porque ‘A Esquerda’ tem raízes no partido comunista da ex-Alemanha Oriental e em seu programa exige que a Alemanha saia da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar ocidental]”, diz um analista que prefere não se identificar. “Isso impede a participação de ‘Die Linke’ no governo ou terão que mudar de posição”.
“Muitos excluem uma coalizão entre SPD e CDU”, disse ao Valor o cientista social Thomas Fatheuer. O partido que vencer tem direito a formar o governo e seria preciso ver se os democratas-cristãos, que estiveram com Merkel no governo por 16 anos, gostariam da segunda posição. Neste caso, a composição poderia ser feita com os liberais ou com Os Verdes.
“Os social-democratas não têm problemas com ‘Os Verdes’, mas a relação com os liberais é mais complicada”, diz Fatheuer, ex-diretor da Heinrich Böell, a fundação do partido verde alemão no Brasil.
Na composição do último governo, os liberais deixaram a coalizão no último momento. O líder do partido, Christian Lindner, argumentou que era melhor não governar do que governar mal. Os liberais, contudo, têm agora o dobro dos votos do que tinham na eleição passada.
“São liberais de fato. Foram contra medidas mais restritas em relação à pandemia. São contra aumentos de impostos, assim como a CDU. Em política climática, por exemplo, acreditam mais no mercado do que no Estado, em dar um preço ao carbono. Mas isso é um problema porque mexe no preço da gasolina, que já está alto”, diz Fatheuer.
Em termos programáticos, os social-democratas combinam com os verdes. Scholz têm falado em uma reforma tributária que recolha mais de quem ganha mais e taxe grandes fortunas. O Estado alemão precisa arrecadar mais para cobrir déficits com a pandemia e também para financiar a descarbonização da economia. O partido verde concorda.
É muito improvável formar um governo sem os verdes, que podem dobrar sua votação em relação a quatro anos atrás. Eles podem reivindicar os ministérios do Meio Ambiente, dos Transportes e da Agricultura. A pasta das Relações Exteriores tradicionalmente vai para o partido-vice.
Há boatos que os verdes poderiam pedir a formação de um super ministério de Proteção do Clima juntando as pastas do Meio Ambiente, Energia (que está no Ministério da Economia), Transportes e Agricultura.
A transformação energética é um grande tema na Alemanha nestes tempos. O país ainda é dependente em cerca de 40% em carvão e a previsão é que desative a última usina nuclear no fim de 2022. “É um desafio enorme livrar-se ao mesmo tempo do nuclear e do carvão”, diz Fatheuer.
A proposta dos verdes é aumentar a área ocupada pela energia eólica no país em 2%. Mas há resistência. O maior grupo ambientalista e mais antigo da Alemanha é o BirdLife International, que diz que eólicas ameaçam os pássaros. O outro ponto é a necessidade de construir uma linha de transmissão que traga a energia produzida no Norte do país, onde venta muito, para o Sul.
O outro setor crítico e muito emissor é o de transportes. “Os Verdes querem mexer no modelo do trânsito, com mais transporte público e fechando espaços para os carros. Isso é uma questão difícil na Alemanha. O alemão é muito ligado aos carros”, diz Fatheuer.